Milícias curdas apelam a Damasco para proteger fronteira em Afrin

por Graça Andrade Ramos - RTP
Soldados das forças de auto-defesa curdas manifestam-se em Hasaka, no norte da Síria (23 de janeiro de 2018) Rodi Said - Reuters

Há mais uma frente de batalha na Síria, ao longo da fronteira norte com a Turquia. Zona de equilíbrio sempre instável, tem sido palco nas últimas semanas de uma ofensiva turca contra as milícias curdas sírias que dominam a região, as YPG. Estas arriscam perder a batalha e pedem o apoio de Damasco. Arriscam assim comprometer a médio prazo a sua autonomia duramente conquistada.

O porta-voz das milícias curdas sírias avisou mesmo esta quinta-feira que os vários grupos paramilitares pró-Damasco, que nos últimos dois dias se alinharam ao longo da linha da frente na fronteira de Afrin, são insuficientes para deter a ofensiva turca.

"Grupos apoiantes do exército sírio vieram para Afrin, mas não em quantidade suficiente para deter a ocupação turca", afirmou à agência Reuters o porta-voz das YPG, Nouri Mahmoud.

"O exército sírio tem de cumprir o seu dever de proteger as fronteiras da Síria", acrescentou.

O apelo a Damasco é, frisam, puramente militar. "Até agora, não há diálogo sobre a devolução de questões administrativas ou de instituições estatais" ao Governo sírio, referiu um alto responsável curdo, Youssef. "A prioridade agora é de que existe um assalto. Depois podemos discutir política", sublinhou.

As YPG garantiram nos últimos sete anos de guerra o controle administrativo e autónomo de três cantões ao longo da fronteira síria com a Turquia, incluindo Afrin, sobretudo graças ao combate contra o grupo Estado Islâmico, no qual gozaram do apoio norte-americano.

O Governo do Presidente sírio Bashar al-Assad deixou-lhes rédea livre nessa luta mas sem nunca se comprometer a ceder qualquer território.

A ofensiva do exército turco, lançada no mês passado, veio baralhar o status quo na região. As milícias curdas, sem apoio americano nas suas pretensões de hegemonia, arriscam a derrota.
Ameaças turcas
Na terça-feira, grupos armados apoiantes de Assad começaram a chegar à região para auxiliar a luta das YPG contra as tropas turcas.

"As forças sírias que entraram e ainda estão a entrar estarão nos locais apropriados para repelir a ocupação dos exército turco" ao longo da fronteira, disse um conselheiro das YPG, Rezan Hedo, à Reuters.

Quarta-feira, Ancara avisou estas forças de que iriam sofrer "consequências sérias" por terem entrado na zona de Afrin para as combater.

A Turquia lançou o seu assalto em Afrin no mês passado, alegadamente para dominar as YPG, a quem considera uma ameaça à sua soberania pelo apoio que fornecem à luta armada curda do PKK contra Ancara.

A batalha pela fronteira norte da Síria envolve, para já, dois grandes flancos.

De um lado, o exército turco, com o Exército Livre da Síria e os grupos armados islamitas ligados à al Qaeda, que combatem o Governo de Assad e que sempre foram apoiados por Ancara. Do outro, as YPG, apoiadas pelas forças paramilitares iranianas e outro grupos armados pró-Damasco.

O Presidente turco Reccep Tayyip Erdogan já denunciou o envolvimento de milícias xiitas independentes e disse que estas iriam pagar um "preço elevado" pelo apoio a Bashar al Assad.

Ontem o exército turco bombardeou Afrin, e disse que obrigou uma coluna armada a recuar.

"Qualquer passo do regime sírio ou de outros elementos nesta direção terá certamente consequências sérias", ameaçou em conferência de imprensa Ibrahim Kalim, o porta-voz do Presidente turco.
O jogo russo
Até agora, tanto os americanos como os russos se têm mantido oficialmente longe da nova frente da guerra síria.

Apesar de terem armado os curdos para a luta contra o grupo Estado Islâmico, os norte-americanos travam quando se trata de apoiar a sua independência política.

Já o afastamento russo é explicado pela vontade do Kremlin em usar a sua influência junto de Ancara para conseguir apoios num eventual acordo de paz.

As milícias YPG acusam mesmo o Kremlin de usar a questão curda para pressionar Ancara. "Os russos são quem decidem este jogo", denunciou o político curdo Fawza Youssef, alto membro da autoridade autónoma curda na Síria.

"Têm jogado desta forma há algum tempo", refere. "Pressionam os turcos com a carta curda e vice-versa".

A Rússia envolveu-se de forma militar efetiva em 2015, a meio do conflito sírio, em apoio a Assad, colocando-se contra a Turquia. Esta acabou por alterar a sua estratégia e, em vez de ajudar a combater Assad diretamente através do apoio a grupos islamitas, passou a ter por alvo os curdos sírios.
NATO em silêncio
Uma alteração que encaixa como uma luva nas intenções do Kremlin.

Antes da ofensiva turca, a Rússia retirou aliás os seus efetivos que tinha colocado em Afrin o ano passado. Ancara afirmou que pediu licença a Moscovo antes de lançar o seu assalto.

Um comandante pro-Assad diz mesmo que a Rússia interveio para "atrasar a entrada" das tropas sírias na batalha, levando em vez disso ao envio de "forças populares" com armamento pesado.

O único comentário russo à situação a norte da Síria é convidar os envolvidos ao diálogo com Damasco respeitando "a integridade territorial" síria. As declarações autonómicas curdas na zona "não ajudam a resolver o problema", frisou na quarta-feira o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov.

Se tem o apoio tácito russo, Ancara esbarra contudo na oposição dos aliados da NATO. A Alemanha já denunciou a ofensiva como uma violação do direito internacional e a questão arrisca agravar a tensão das relações problemáticas entre Berlim e Ancara.

Também os Estados Unidos não verão com bons olhos mais esta complicação na Síria e o alargamento da influência do Presidente Erdogan para além das fronteiras turcas.
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