Moro ouvido no Senado brasileiro. "Se houve irregularidade, eu saio"

por Carlos Santos Neves - RTP
“Não tenho nenhum apego pelo cargo em si”, afirmou o ministro brasileiro da Justiça perante o Senado Adriano Machado - Reuters

Ouvido ao longo de horas no Senado brasileiro, o ministro da Justiça do Governo de Jair Bolsonaro, com o nome envolvido numa investigação jornalística do portal The Intercept sobre os meandros da operação Lava Jato, afiançou esta quarta-feira que deixará o cargo se vir provadas irregularidades. Sergio Moro voltou a queixar-se de sensacionalismo.

“Estou absolutamente convicto das minhas ações como juiz”, insistiu Sergio Moro na audiência pública desta quarta-feira em Brasília. Para clamar: “Que o site apresente tudo, para que a sociedade veja se houve alguma incorreção. Não tenho nenhum apego pelo cargo em si. Se houve irregularidade de minha parte, eu saio”.

“Mas não houve. Eu sempre agi na lei, de maneira imparcial”, reiterou o titular da pasta da Justiça no Executivo de Bolsonaro, cujo nome está no centro de uma investigação jornalística que vem pôr em causa a forma como o Ministério Público e o então juiz de primeira instância conduziram a Lava Jato. Um trabalho “sensacionalista”, na ótica do ex-magistrado.

The Intercept tem vindo a divulgar, desde o passado dia 9 de junho, um conjunto de artigos sobre mensagens que terão sido trocadas entre procuradores da Lava Jata e Sergio Moro. Trocas de impressões que farão pairar a sombra da dúvida sobre o processo que conduziu à detenção do ex-Presidente brasileiro Lula da Silva.

Na audiência diante do Senado, Moro tornou a arguir que não atuou com parcialidade e tão-pouco acertou quaisquer ações com os investigadores da operação Lava Jato. Mas reconheceu que usou a aplicação Telegram para falar com procuradores, o que considerou normal, quando ocorre à margem de autos processuais.

“Isso é normal na tradição legal do Brasil e de outros países”, afirmou.

Pedro Sá Guerra, correspondente da RTP no Brasil

Quanto às mensagens propriamente ditas, Sergio Moro “não se lembra”. E alega que podem ter sido “total ou parcialmente editadas”.

Outra das teses levadas ao Senado pelo ministro da Justiça aponta para um "grupo criminoso" na base das notícias do Intercept, “um movimento claro”, sustentou Moro, “para anular condenações pretéritas de pessoas que cometeram crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, impedir novas investigações e atacar as instituições brasileiras”.

“A indagação que se faz, normalmente, é de quem se beneficia. Este é um grupo dedicado ao interesse público, que resolveu expor malvados procuradores ou juízes e polícias envolvidos numa conspiração contra a corrupção”, disse.
“Romper o ciclo”
“Mais de 90 denúncias, 45 sentenças, 291 acusados, 211 condenações, 298 pedidos de prisões cautelares, das quais 207 foram aceites. Em todos os casos havia evidências muito fortes”, propugnou ainda Sergio Moro, saindo em defesa dos números da Lava Jato – operação que incidiu sobre um esquema de corrupção na petrolífera estatal Petrobras, envolvendo empresários, funcionários públicos e altos responsáveis políticos do Brasil.Glenn Greenwald, fundador do portal The Intercept, é o jornalista a quem Edward Snowden destapou os procedimentos da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla inglesa) dos Estados Unidos.


Segundo Moro, a primeira finalidade da operação seria “romper o ciclo de impunidade”.

Pelo Partido dos Trabalhadores, de Luiz Inácio Lula da Silva e da também ex-Presidente Dilma Rousseff, o senador Jacques Wagner quis recordar que Glenn Greenwald, um dos jornalistas fundadores do portal The Intercept, recebeu já um Pulitzer por reportagens sobre a espionagem exercida pela norte-americana NSA.

“O ministro insiste em desqualificar o site e chamá-lo de sensacionalista. O site já ganhou o Óscar do jornalismo com a revelação dos WikiLeaks. O combate à corrupção é um pré-requisito para qualquer pessoa na vida pública. A melhor forma é responder ao que está sendo revelado”, contrapôs Wagner.

O senador insistiria, ao questionar Moro sobre se considerava “uma medida sensacionalista” divulgar conversas sob escuta de Dilma Rousseff. Ou “colocar no pelourinho a dignidade de pessoas que deveria ser mantida em sigilo”.

Por sua vez, Selma Arruda, também ex-juíza e agora senadora pelo Partido Social Liberal, de Bolsonaro, saiu em socorro do ministro.

“Solidarizo-me com o senhor e com as acusações contra magistrados que trabalharam com pessoas que têm envolvimento com política. Essas acusações acontecem. Se você está a trabalhar e decreta prisão sobre um réu ou investigado que tem fama, a imprensa vem em cima de você”, afirmou.
Moro e Fernando Henrique Cardoso

Os últimos dados publicados pelo Intercept revelam que Sergio Moro ter-se-ia oposto a investigações ao ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, pretendendo assim evitar “melindrar alguém cujo apoio é importante”.

Trata-se de presumíveis mensagens trocadas a 13 de abril de 2017 entre o então juiz e o procurador Deltan Dallagnol, 24 horas após a publicação de notícias, por parte da imprensa do Brasil, sobre o alegado envolvimento de Fernando Henrique Cardoso no processo Lava Jato.

Sergio Moro classifica de “muito fracos”, nessa troca, os indícios de irregularidades sobre o antigo Presidente, sugerindo mesmo que, a haver crime, este estaria “mais do que prescrito”. Dallagnol devolve que as investigações teriam sido enviadas para São Paulo sem avaliar previamente a prescrição “de propósito”, “talvez para passar um recado de imparcialidade”.

Segundo The Intercept, no final de 2016 o empresário brasileiro Emílio Odebrecht deu conta de pagamentos de recursos não contabilizados no âmbito das campanhas de Fernando Henrique Cardoso para as presidências, em 1994 e 1998. Ao ser referido nos depoimentos de Odebrecht, o antigo Presidente frisou não ter “nada a temer”.

“O Brasil precisa de transparência. A Lava Jato está colaborando no sentido de colocar as cartas na mesa”, defendia à data.

O portal escreve que o antigo Chefe de Estado foi citado por nove ocasiões na Lava Jato e os procuradores sopesaram a possibilidade de investigarem supostas doações da construtora Odebrecht à Fundação Fernando Henrique Cardoso em 2014.

Na reação a estas informações, o Ministério brasileiro da Justiça voltou à carga para frisar que “não reconhece a autenticidade das supostas mensagens”.

“Sergio Moro não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem ter sido editadas e manipuladas, e que teriam sido transmitidas há dois ou três anos. Nunca houve interferência no suposto caso envolvendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi remetido diretamente pelo Supremo Tribunal Federal a outro Juízo, tendo este reconhecido a prescrição”, redarguiu aquele órgão do Governo brasileiro.

c/ agências
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