Muçulmanas desafiam proibição de burkinis em piscina francesa

por RTP
A ação faz parte de uma campanha que dura há mais de um ano e é inspirada em Rosa Parks, a ativista negra que em 1955 se recusou a ceder o lugar a um branco num autocarro do Alabama Facebook

Um grupo de mulheres muçulmanas em Grenoble, França, iniciou um protesto e desobedeceu às regras das piscinas da cidade, que proíbem o uso de burkinis, um traje de banho cujo nome agrega as palavras burka e biquini. No final, as participantes na "operação burkini" foram multadas, mas acreditam que é um direito pelo qual devem lutar.

No domingo passado, o grupo entrou na piscina Jean Bron, uma das várias piscinas municipais que proibiram o uso do burkini. Nos balneários, colocaram o vestuário – ficaram apenas visíveis o rosto, os pés e a mãos. 

Os nadadores salvadores cedo informaram as mulheres que não era permitido, mas o aviso não as travou. Entraram na piscina, tomaram banho durante uma hora com outros membros da sua comunidade, que as aplaudiram. Acabariam por ser multadas no valor de 35 euros, segundo o France Bleu

O protesto foi organizado pelo grupo Alliance Citoyenne de Grenoble (Aliança Citadina de Grenoble), organização que tem lutado contra a proibição do uso de burkinis em algumas piscinas municipais francesas.



A ação faz parte de uma campanha que dura há mais de um ano e é inspirada em Rosa Parks, a ativista negra que em 1955 se recusou a ceder o lugar a um branco num autocarro do Alabama. Em maio de 2018, a organização lançou uma petição para que a cidade de Grenoble recuasse na legislação proibitiva – a petição foi assinada por 600 mulheres muçulmanas.

"Nós temos um sonho: divertir-nos em piscinas públicas como todos os outros cidadãos, acompanhar os nossos filhos sempre que eles queiram nadar enquanto fizer muito calor no verão aqui, em Grenoble", disse uma das ativistas à BBC

Outra acrescentou: "Nós temos de lutar contra políticas discriminatórias e contra o preconceito em França porque estamos realmente a ser privados dos nossos direitos civis de acesso aos serviços públicos e às infraestruturas da cidade".

A questão é polémica – em 2010, a França tornou-se o primeiro país europeu a proibir o Niqab em público (véu que cobre o rosto, revelando apenas os olhos). Em 2016, algumas cidades francesas proibiram o uso do burkini nas praias e nas piscinas municipais.
"O burkini não simboliza o Islão; simboliza lazer e felicidade"
Muitos consideram o burkini um símbolo do islamismo, que acreditam ser incompatível com o laicismo. 

Contudo, a criadora deste fato de banho, Aheda Zanetti, explica ao Guardian que o burkini não simboliza o Islão, mas "o lazer, a felicidade, o exercício físico e a saúde". 

"Agora estão a exigir às mulheres que saiam da praia para voltarem à cozinha? Isto deu liberdade às mulheres e agora querem retirar-lhes essa liberdade? Então quem é melhor, os talibãs ou os políticos franceses? São tão maus quanto os outros". 
Incompatibilidade com valores "ocidentais"?

O burkini foi proibido com base no argumento de que este era "incompatível com os valores de França e da República", disse Manuel Valls, primeiro-ministro francês até 2016. Valls disse também que Marianne, símbolo da República francesa, "tem os seios nus porque está a alimentar o povo, não tem um véu porque é livre".

Porém, Sheryl Garratt afirma que este argumento é uma contradição. Ao proibir o burkini e criticar uma religião por impor regras sobre o que as mulheres devem vestir, a França impõe também outras regras sobre o que as mulheres devem vestir, "forçando as mulheres a mostrar o seu corpo", disse ao Guardian.

Garratt diz ainda que muitos políticos acreditam que o burkini faz parte de um projeto político que rejeita a emancipação feminina. Contudo, alerta para o facto de o Ocidente ter feito o mesmo - e ainda fazer.

De facto, quando surgiu o fato de banho conhecido como "vestido turco" no século XIX, inspirado pelo vestuário muçulmano e constituído por um vestido curto e umas calças largas, a polémica instaurou-se. A Igreja católica, os media e a sociedade insurgiram-se contra um vestuário que acreditavam ser muito atrevido.

Também em 1907 a nadadora australiana Annette Kellerman visitou os Estados Unidos e foi detida por utilizar um traje de banho que revelava os braços, as pernas e o pescoço.

Garratt afirma ainda que esta faz parte de uma falácia de que as mulheres são mais livres no Ocidente, quando a forma como se vestem é também controlada.
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