Myanmar condenou a um ano de prisão uma antiga embaixadora britânica

por RTP
A antiga embaixadora britânica em Myanmar (2002-2006) Vicky Bowman. EPA

Um tribunal de Rangun, maior cidade e antiga capital de Myanmar (antiga Birmânia), condenou esta sexta-feira a um ano de prisão a antiga diplomata britânica Vicky Bowman e o seu marido, o artista plástico e activista Htein Lin, que já anteriormente passou anos na prisão pela sua actividade política. A acusação fala de violação das leis da imigração, mas diplomatas ouvidos sobre o caso vêem outras motivações da junta militar no poder: retaliação contra sanções do governo britânico e ganho de um trunfo em futuras negociações diplomáticas.

Vicky Bowman, embaixadora no país entre 2002 e 2006, e Htein Lin foram hoje condenados por um tribunal de Rangun num julgamento relâmpago depois de terem sido detidos na última semana por alegada violação das leis da imigração.

Um diplomata asiático assinala que a detenção seguida de condenação ocorre num momento em que o Reino Unido se recusou a aceitar o novo embaixador birmanês apontado pelo regime para ocupar o lugar em Londres. Acrescem as recentes sanções britânicas contra o regime e a decisão de Londres de apoiar o caso contra Myanmar no Tribunal Penal Internacional por crimes contra o Povo Rohingya.

Há apenas uma semana, a 25 de Agosto, dia que marcou o quinto aniversário dos ataques contra a comunidade rohingya em Myanmar, Londres decidiu um novo pacote de sanções a três entidades ligadas à junta militar no poder.

A acusação oficial refere no entanto que o casal incorreu numa violação das leis de imigração e do registo de estrangeiros quando Bowman não informou as autoridades do país depois de o casal ter mudado temporariamente a sua morada, registada em Rangun, para Kalaw, no Estado de Shan. Htein Lin foi acusado de cumplicidade no crime.

Comunidade internacional apanhada de surpresa

A condenação de Vicky Bowman, uma das mais proeminentes activistas do investimento responsável em Myanmar e antiga embaixadora britânica no país, está a suscitar forte reacção da comunidade diplomática e do mundo empresarial, com muitas hipóteses a serem aventadas para esta detenção arbitrária aos olhos do Ocidente.

O trabalho independente de Bowman, sugere-se, terá chamado demasiada atenção do regime militar. Por outro lado, especula-se também em relação a uma possível tentativa militar da junta no poder de arrecadar um trunfo, tomando o casal como refém para futuras negociações com os britânicos.

Após a detenção de Bowman e Htein Lin, o antigo embaixador americano no país, Kristian Schmidt, apontava na sua conta do Twitter que estávamos aqui perante “um caso de sequestro diplomático”.

“A preocupação para muitas pessoas que a conhecem, amigos e familiares dentro e fora de Rangun, é que [Bowman] se torne num peão para os militares usarem como já têm usado outros estrangeiros detidos desde o golpe militar [de Fevereiro de 2021]”, assinalou Tony Cheng, correspondente da Al Jazeera em Banguecoque.

“Talvez porque o governo britânico aplicou novas sanções contra empresas relacionadas com a junta militar, isso pode tornar-se parte da equação para obter a sua liberdade”, assinalou o jornalista, fazendo eco dos receios que estimam Bowman e Htein como um trunfo nas mãos da junta.

Receios de tortura contra Htein Lin

Numa posição mais sensível encontra-se no entanto o marido da antiga embaixadora, que já esteve preso anteriormente devido à sua oposição ao anterior regime militar que governou o país com mão de ferro durante décadas.

Os amigos temem que Htein Lin possa vir a ser submetido a tortura, uma prática comum nas prisões do regime. O marido de Bowman, ainda enquanto estudante, manifestou-se em 1988 na revolta contra o governo militar de então, tendo passado seis anos na prisão, entre 1998 e 2004.

O caso está a ser apontado como um desafio à diplomacia britânica, que ainda recentemente foi criticada pela demora em conseguir a libertação da cidadã britânico-iraniana Nazanin Zaghari-Ratcliffe, que passou seis anos numa prisão do Irão antes de ser libertada no início deste ano.

“Isto vai muito além de um caso consular privado”, referiu um diplomata europeu sediado em Rangun. “Todos os olhos estão agora no governo do Reino Unido para fazer tudo o que puder para a libertar e a Htein Lin o mais rapidamente possível”.
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