Negociações retomadas no Cairo. Washington apela a "cessar-fogo imediato" na Faixa de Gaza

por Cristina Sambado - RTP
Amir Cohen - Reuters

As negociações para uma trégua no conflito entre Israel e o Hamas foram esta segunda-feira retomadas no Cairo, após "progressos significativos", um dia depois de a vice-presidente norte-americana Kamala Harris ter apelado a um "cessar-fogo imediato" na Faixa de Gaza.

"Dada a dimensão do sofrimento em Gaza, deve haver um cessar-fogo imediato, pelo menos durante as próximas seis semanas, o que está atualmente na mesa das negociações", afirmou Kamala Harris no domingo.
A vice-presidente dos Estados Unidos acusou sem rodeios Israel por não estar a fazer o suficiente para atenuar a "catástrofe humanitária" em Gaza, numa altura em que a Administração Biden enfrenta pressão crescente para controlar o aliado próximo, enquanto este trava uma guerra com os militantes do Hamas.
Nas últimas horas, os bombardeamentos israelitas visaram Rafah e Khan Younis, no sul, Jabaliya e Nousseirat, no centro, e a cidade de Gaza, nomeadamente o bairro de Zeitoun, no norte, segundo o governo do Hamas e testemunhas.
"O Hamas afirma que quer um cessar-fogo. Bem, há um acordo em cima da mesa. E como já dissemos, o Hamas precisa de concordar com esse acordo", acrescentou Harris. "Vamos conseguir um cessar-fogo. Vamos reunir os reféns com suas famílias. E vamos dar alívio imediato ao povo de Gaza".

Israel, que não participa nas negociações do Cairo, rejeita estas condições, afirmando que pretende continuar as suas operações militares até que o Hamas, que tomou o poder em Gaza em 2007, seja eliminado. Exige também que o movimento radical forneça uma lista dos reféns ainda detidos em Gaza.

As negociações de cessar-fogo surgem após a morte, na semana passada, de mais de 100 palestinianos que se aproximaram de um camião de ajuda humanitária em Gaza, um incidente que Harris recordou durante o seu discurso
.

"Vimos pessoas famintas e desesperadas aproximarem-se de camiões de ajuda, tentando simplesmente garantir alimentos para as suas famílias, depois de semanas em que quase não chegou ajuda ao norte de Gaza, e foram recebidas com tiros e caos", disse Harris. Israel disse no domingo que a sua análise inicial do incidente tinha descoberto que a maioria dos mortos ou feridos tinha morrido numa multidão.Há semanas que o Egito, o Catar e os Estados Unidos, que atuam como mediadores, tentam obter um acordo de tréguas que permita a libertação dos reféns detidos em Gaza em troca de prisioneiros palestinianos, durante o Ramadão, mês de jejum sagrado para os muçulmanos, que este ano começa a 10 ou 11 de março.

Washington tem insistido que o acordo de cessar-fogo está próximo e tem estado a pressionar para que se estabeleçam tréguas até ao início do Ramadão, daqui a uma semana. No sábado, um funcionário dos EUA afirmou que Israel chegou a acordo sobre um acordo-quadro.

Um acordo permitiria a primeira trégua prolongada da guerra, que dura há cinco meses, com apenas uma pausa de uma semana em novembro.
Dezenas de reféns detidos por militantes do Hamas seriam libertados em troca de centenas de detidos palestinianos.

Harris, que discursou no domingo em frente à ponte Edmund Pettus, em Selma, Alabama, onde as forças estaduais espancaram manifestantes dos direitos civis dos EUA, há quase seis décadas, dirigiu a maior parte dos seus comentários a Israel, no que parece ter sido a repreensão mais incisiva de sempre por parte de um alto dirigente do governo dos EUA relativamente às condições no enclave costeiro.

"As pessoas em Gaza estão a morrer à fome. As condições são desumanas e a nossa humanidade comum obriga-nos a agir", disse Harris num evento para comemorar o 59.º aniversário do Domingo Sangrento no Alabama.

"O Governo israelita tem de fazer mais para aumentar significativamente o fluxo de ajuda. Não há desculpas", acrescentou Harris.

Os comentários de Kamala Harris refletem a intensa frustração no seio do governo dos EUA relativamente à guerra, que tem prejudicado a posição do presidente Joe Biden junto dos eleitores de esquerda, que procuram a sua reeleição este ano.
Os Estados Unidos levaram a cabo o primeiro lançamento aéreo de ajuda a Gaza no sábado e Harris deverá reunir-se com Benny Gantz, membro do gabinete de guerra israelita, esta segunda-feira, na Casa Branca, onde se espera que transmita uma mensagem igualmente direta.
Kamala Harris descreveu formas específicas de o Governo israelita permitir a entrada de mais ajuda em Gaza. "Têm de abrir novos postos fronteiriços. Não devem impor quaisquer restrições desnecessárias à distribuição da ajuda. Têm de garantir que o pessoal humanitário, os locais e os comboios não são atingidos e têm de trabalhar para restabelecer os serviços básicos e promover a ordem em Gaza, para que mais alimentos, água e combustível possam chegar aos necessitados”.

O Hamas, considerado uma organização terrorista por Israel, pelos Estados Unidos e pela União Europeia, exige o regresso das pessoas deslocadas ao norte de Gaza, o aumento da ajuda humanitária, um cessar-fogo definitivo e a retirada militar israelita de Gaza para aceitar um acordo.Com a guerra a entrar no seu sexto mês, a fome é "quase inevitável", segundo a ONU, para 2,2 milhões dos 2,4 milhões de habitantes deste pequeno e apertado território, que está sob um bloqueio israelita terrestre, aéreo e marítimo desde que o Hamas tomou o poder em 2007.

A comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos, principal aliado de Israel, tem apelado repetidamente a uma trégua nesta guerra, que começou a 7 de outubro com um ataque do Hamas em solo israelita que matou pelo menos 1.160 pessoas, a maioria civis, segundo uma contagem da AFP baseada em números oficiais.

Em represália, Israel prometeu aniquilar o Hamas, lançando uma campanha de bombardeamento intensivo e incessante de Gaza por terra, ar e mar, seguida de uma ofensiva terrestre a 27 de outubro, que causou pelo menos 30.534 mortos, a maioria civis, segundo o Ministério da Saúde do movimento islamita.

c/agências internacionais
PUB