O Delta do Níger em Cabinda

por Felipe Pathé Duarte - Comentador RTP
DR

A tensão no enclave de Cabinda tem vindo a aumentar. Só em junho os confrontos entre os independentistas e as forças armadas angolanas causou mais de 20 mortos. É possível que a violência seja motivada também pelo controlo do petróleo, como acontece no sul da Nigéria. Por isso, Cabinda pode vir a ser um Delta do Níger. Há muitas semelhanças entre estas regiões. São secessionistas, ricas em petróleo e de quem o poder central depende profundamente.

Enclave de Cabinda:

Cabinda é responsável por cerca de 60% do petróleo de Angola. E há muito que procura a independência. Na vanguarda da secessão está a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), fundada em 1963. Ao longo do tempo dividiu-se e multiplicou-se em facções efémeras. Actualmente é a FLEC, através do seu braço armado, as Forças Armadas Cabindesas (FAC), a única resistência contra Luanda.

Em 2004 houve uma trégua. Mas o conflito continuou, de baixa intensidade e sem grande publicidade mediática, tirando o ataque a um autocarro. Em 2016 houve disputa de poder entre facções concorrentes, que deu origem a um ciclo de violência com dezenas de vítimas. Nesse ano foi também exigida a retirada de cidadãos chineses do território, sob pena de represálias. E membros da FLEC-FAC desembarcaram numa plataforma offshore da norte-americana Chevron. Em 2019, anunciaram a retoma da luta armada em todo o território de Cabinda. Agora, os combates têm-se intensificado. Porém, apesar da violência, os negócios da indústria extractiva continuam business as usual.

O Delta do Níger:

O Delta do Níger é responsável por cerca de 75% do petróleo da Nigéria. O conflito nesta região existe desde 1960. Mas as descobertas das jazidas de petróleo intensificaram-no. Há mais de trinta anos que a produção de petróleo no Delta do Níger enfrenta uma insurgência de militantes que exigem uma distribuição mais equitativa das receitas do crude e uma solução para a poluição generalizada. 

São vários os grupos que já atacaram oleodutos. Por exemplo, os Niger Delta Avengers roubavam petróleo com o objectivo de causar impacto no crescimento económico nigeriano e nas receitas do governo central. Em 2016 alcançaram um ténue cessar-fogo. Mas antes já tinham conseguido reduzir a produção de petróleo bruto de 2,2 milhões de barris/dia, para cerca de metade. Foi nesta fase que Angola ultrapassou a Nigéria em termos de produção de petróleo bruto, tornando-se, entre 2016 e 2017, o maior produtor africano.

Os fluxos recuperaram. Porém, as ameaças à segurança continuam – com banditismo, raptos e sabotagem às infraestruturas petrolíferas. Hoje são os Reformed Niger Delta Avengers que congregam os militantes que ameaçam a estabilidade na região. E é precisamente pela violência militante que os negócios da indústria extractiva têm sido várias vezes interrompidos – afectando drasticamente a economia e a estabilidade nigeriana.

O Delta do Níger em Cabinda:
 

Vemos ainda mais semelhanças entre as regiões se considerarmos a tese do “paradoxo da abundância”. Ou seja, os Estados que possuam vastos recursos naturais não-renováveis (sobretudo minerais e combustíveis) tendem a menor desenvolvimento se comparados com os que não os têm. As razões são várias – desde a falta de diversificação de outros sectores, passando pela má gestão governamental que potencia nepotismo.

Ambas as regiões padeceram de políticas económicas que fomentaram corrupção, tensões étnicas e regionais. Agora, a queda abrupta do preço do crude está a ter um impacto enorme nas petro-economias africanas. Logo, o recorrente fracasso do governo angolano em investir no desenvolvimento social e humano do enclave sente-se ainda mais. E a pobreza generalizada de Cabinda vai piorar quando as petrolíferas estrangeiras começarem a demitir trabalhadores para cortar custos. A precaridade e desigualdade são a base deste tipo de militância.

Mais ainda. O enclave está geograficamente isolado. Quase tudo deve ser importado via RD Congo (a Sul), Congo Brazzaville (a Norte), ou através do pouco seguro porto de Cabinda. E a disputa territorial entre Angola e a RD do Congo, devido à existência de hidrocarbonetos na área marítima, dificulta apoio logístico e facilita rotas de fuga de militantes.

A vulnerabilidade das infraestruturas petrolíferas no mar é menor a ataques de militantes. E é verdade que grande parte da produção petrolífera em Cabinda é offshore, não tanto onshore, como o caso do Delta do Níger. Contudo, neste momento, as empresas de petróleo estão a tentar reequilibrar os preços. O investimento em empreendimentos onshorede custo reduzido vai aumentar, permitindo uma maior motivação e oportunidade para ataques. Além disso, o referido ataque à Chevron prova capacidade para chegarem também a instalações offshore.

Por estas razões, não é difícil cenarizar a médio/longo prazo Cabinda como um potencial e perigoso Delta do Níger. Luanda deve agir. E não só militarmente.
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