Ofensiva turca. Exército sírio vai apoiar curdos na fronteira

por Joana Raposo Santos - RTP
Os EUA anunciaram que vão retirar os últimos mil militares que ainda se encontram na zona fronteiriça Khalil Ashawi - Reuters

O Governo sírio concordou no domingo em enviar militares para a fronteira norte de modo a tentar travar a ofensiva turca que, nos últimos dias, já levou à morte de centenas de combatentes e civis. A decisão surge depois de os Estados Unidos terem ordenado a retirada dos militares norte-americanos que ainda se encontravam no local.

As tropas do exército sírio começaram esta segunda-feira a entrar na cidade de Tel Tamer, junto à fronteira da Síria com a Turquia, depois de Damasco ter chegado a um acordo com as forças curdas que controlam essa região.

Tel Tamer é uma localização estratégica por lá passar uma autoestrada que percorre o país de este a oeste e que as forças turcas disseram ter tomado no domingo.

A medida poderá ajudar as Forças Democráticas da Síria, lideradas pelos curdos, a combater “a agressão [turca] e a libertar as áreas onde o exército da Turquia já entrou”, referiu a administração curda, acrescentando que o dever do Governo sírio é proteger as fronteiras do país.

Badran Jia Kurd, um alto funcionário da administração curda na Síria, confirmou a existência de um “acordo preliminar” focado no destacamento de militares na fronteira, explicando que as questões políticas serão discutidas mais tarde. De acordo com Kurd, esta foi a única forma de as autoridades curdas conseguirem proteger a região depois da perda de apoio norte-americano.
EUA retiram últimos militares
O acordo entre sírios e curdos acontece depois de, na semana passada, Donald Trump ter anunciado a retirada das forças norte-americanas do noroeste da síria, decisão que leva a que os curdos, minoria étnica composta por milhões de pessoas e há muito discriminada pelos turcos, fiquem sujeitos ao plano da Turquia de os retirar da fronteira.

No domingo, os Estados Unidos anunciaram que irão retirar os últimos mil militares que ainda se encontram na zona, decisão que o presidente turco, Tayyip Erdogan, considerou positiva.

“Temos forças norte-americanas provavelmente presas entre os dois exércitos opostos, o que é uma situação insustentável”, declarou Mark Esper, secretário da Defesa dos EUA. “Falei com o Presidente na última noite, depois de conversar com o resto da equipa de segurança nacional, e ele ordenou que iniciássemos uma retirada das forças a nordeste da Síria”.

Mark Esper justificou ainda a decisão com o facto de as Forças Democráticas da Síria (SDF) estarem a tentar “fechar um acordo” com o regime sírio e os seus aliados russos de modo a “contra-atacar os turcos na fronteira”, algo que os curdos tinham dito que não iriam fazer.

No mesmo dia, Donald Trump escreveu no Twitter que “é muito inteligente o afastamento [dos EUA] da intensa luta na fronteira turca, para variar”.


As Forças Democráticas da Síria, compostas por curdos que têm desempenhado um papel central no combate ao autoproclamado Estado Islâmico, contando até agora com o apoio de tropas norte-americanas, consideram as decisões dos Estados Unidos “uma facada nas costas”.
“Grave devastação humanitária”
O ministro francês dos Negócios Estrangeiros reagiu esta segunda-feira ao aumento da tensão entre a Turquia e a Síria, defendendo que os ministros europeus devem voltar a condenar a ofensiva turca, reduzir os fornecimentos de armas a Ancara e solicitar aos EUA que realizem uma reunião internacional para debater o risco de o autoproclamado Estado Islâmico voltar a atacar a região fronteiriça.

“Esta ofensiva vai causar uma grave devastação humanitária”, argumentou Jean-Yves Le Drian esta segunda-feira, antes de participar numa reunião entre ministros europeus dos Negócios Estrangeiros.

“A França espera que desta reunião resulte um plano específico para terminar com a ofensiva. Esperamos uma posição firme quanto às armas exportadas para a Turquia e que os Estados Unidos realizem uma reunião com a Coligação Internacional para o Combate ao Daesh”, explicou.

Um comunicado emitido esta segunda-feira pelo Eliseu refere que o Conselho de Defesa e Segurança Nacional francês esteve reunido e decidiu que o país irá “acentuar os esforços diplomáticos” contra o Daesh e para terminar com a ofensiva turca.

“Serão tomadas medidas, nas próximas horas, para garantir a segurança dos militares e civis franceses na área, ao abrigo da Coligação Internacional para o Combate ao Daesh”, lê-se no comunicado.

A França decidiu ainda implementar “um programa de resposta humanitária de urgência para atender às necessidades do povo do nordeste da Síria”.
Países da NATO poderão ser envolvidos
Também o ministro luxemburguês dos Negócios Estrangeiros, Jean Asselborn, está a acompanhar com preocupação a situação na fronteira, tendo alertado esta segunda-feira para a possibilidade de a ofensiva turca acabar por “arrastar” para a guerra outros países da NATO.

Asselborn considerou “estranho” que exista agora um acordo entre as forças sírias e curdas e defendeu que o ataque levado a cabo pela Turquia constitui um “crime”.

O ministro salientou ainda que, sendo a Turquia um membro da NATO, poderá recorrer ao artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte para pedir aos estados-membros que auxiliem o país caso este seja vítima de um ataque armado.

“Se a Síria ou os aliados sírios atacarem a Turquia”, explicou Asselborn, “o pacto de assistência mútua” faria com que “todos os países da NATO tivessem de intervir para ajudar a Turquia”.

O ministro luxemburguês apelou aos seus homólogos europeus que deixem de fornecer armas à Turquia, apesar de realçar que Erdogan tem outras fontes fora da Europa a quem pode recorrer para comprar armas.
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