OMS espera "muito mais mortes" no Sudão com a falência de serviços devido à guerra

por RTP
Fumo eleva-se sobre Cartum nesta imagem captada por drone durante combates entre o exército sudanês e as forças paramilitares RSF Reuters

A guerra está a levar ao colapso de serviços essenciais no Sudão, o que poderá levar a surtos de diversas doenças, receia a Organização Mundial de Saúde. Espera-se por isso um acréscimo de fatalidades, revelou o secretário-geral da organização esta quarta-feira.

"Além do número de mortos e feridos causados pelo próprio conflito, a OMS espera que ocorram muito mais mortes devido a surtos, falta de acesso a alimentos e água, e dificuldades de acesso a serviços de saúde essenciais, incluindo imunização", referiu Tedros Adhanom Ghebreyesus em conferência de imprensa na sede da OMS, em Genebra, Suíça.

O secretário-geral revelou que, só em Cartum, a capital sudanesa, apenas funcionam normalmente 16 por cento dos locais de saúde, com 60 por cento a terem sido encerrados.

"A OMS estima que um quarto das vidas perdidas até agora poderia ter sido salvo com acesso a controlo básico de hemorragias. Mas os paramédicos, enfermeiros e médicos estão impossibilitados de acesso aos civis feridos, e os civis não conseguem aceder a estes serviços", explicou Tedros Ghebreyesus.

Também "muitos pacientes com doenças crónicas, como doenças renais, diabetes e cancro, não têm acesso a instalações de saúde ou aos medicamentos de que necessitam", lembrou o secretário-geral durante a conferência de imprensa.

Os combates entre o exército do Sudão e as forças paramilitares do apoio rápido, RSF, já fizeram pelo menos 469 mortos e feriram mais de quatro mil pessoas desde meados de abril, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
OMS avalia ocupação de laboratório nacional
A OMS está ainda a fazer uma "avaliação exaustiva dos riscos para a saúde", depois de uma das partes em conflito se ter apoderado do laboratório nacional de saúde em Cartum, onde estavam armazenados patogénicos que representam um perigo para a saúde pública, incluindo sarampo, cólera e poliomielite.

Na terça-feira, a OMS tinha alertado que os riscos biológicos são "muito elevados".

"Recebi um telefonema segunda-feira do chefe do laboratório central de saúde pública. Está ocupado por uma das partes em conflito", disse Nima Saeed Abid, representante da OMS no Sudão, numa conferência de imprensa em Genebra, frisando que a situação é "extremamente perigosa".

O laboratório agora está cabalmente "sob o controlo de uma das partes combatentes como uma base militar" revelou terça-feira a mesma responsável.

"Quando os funcionários são forçados a abandonar um laboratório e pessoal não treinado entra lá dentro, existem sempre riscos, mas os riscos atingem primeiro e sobretudo estes indivíduos que podem expor-se acidentalmente a estes patogénios", frisou Mike Ryan, chefe do Programa de Gestão de Emergências Sanitárias da OMS.

"A equipa no terreno, bem como as nossas equipas de risco biológico e de biossegurança, estão a efetuar uma avaliação exaustiva dos riscos", declarou.

A cólera é uma doença diarreica aguda que provoca a morte em poucas horas se não for tratada. O sarampo, por seu turno, é uma doença viral muito contagiosa, como a poliomielite, que afeta principalmente crianças menores de 05 anos.

A falta de água potável e de vacinas, assim como outros problemas sanitários, representam contudo o maior risco para os sudaneses, acrescentou Michael Ryan.
Apelo de Guterres
Desde o passado dia 15 de abril que o Sudão, sobretudo Cartum, é palco de confrontos entre as forças armadas, comandadas pelo líder de facto do país desde o golpe de Estado de outubro de 2021, o general Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF), chefiadas pelo general Mohamed Hamdane Daglo, conhecido como "Hemedti", que orquestraram em conjunto o golpe de 2021, mas que se tornaram inimigos.

Em causa está o fracasso das negociações para a integração dos paramilitares nas forças armadas, no âmbito de um processo de transição política no Sudão.

A comunidade internacional, sobretudo ocidental, tem estado a retirar os seus cidadãos do Sudão. Portugal já tirou das zonas de conflito 21 portugueses, em colaboração com outros países e instituições.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, voltou a apelar ao fim imediato dos combates.
Diversos acordos de cessar-fogo declarados nos últimos dias têm sido sistematicamente violados, tornando extremamente perigosas as operações de retirada de diplomatas e de civis.

Milhares de sudaneses têm estado a atravessar as fronteiras terrestres para os países vizinhos, numa nova crise grave de refugiados.

(com agências)
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