A ONG Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) acusou hoje o Governo moçambicano de atribuir 12 mil hectares de terra a uma entidade pública, sem consulta às comunidades em Palma, Cabo Delgado, aproveitando-se da guerra na região.
"No meio do conflito que afeta o norte de Cabo Delgado, o Governo aprovou o pedido de atribuição de 12 mil hectares de terras localizadas em Palma a favor do Centro de Promoção de Desenvolvimento Económico de Cabo Delgado (CPD), uma desconhecida entidade pública criada em maio de 2021", refere um comunicado daquela organização não-governamental (ONG).
A concessão do Direito do Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) ao CPD foi anunciada na última terça-feira pelo porta-voz do Conselho de Ministros moçambicano, Filimão Suaze.
"A consulta pública não tinha como acontecer, devido ao conflito que obrigou as populações de Palma a abandonarem as suas zonas de origem", assinala o CDD.
A organização salienta que a falta de uma auscultação pública sobre o processo de atribuição de terra em Moçambique constituiu uma flagrante violação da Lei da Terra.
"A aprovação do DUAT provisório a favor do CPD não foi antecedida por uma consulta pública às comunidades afetadas, conforme obriga a legislação sobre terras", ressalva-se na matéria.
O CDD considera "obscura" a entidade beneficiária da referida extensão de terra e com atribuições que se "confundem" com as da Agência de Desenvolvimento de Integrada do Norte (ADIN), uma instituição que o Governo moçambicano criou para dar resposta às causas sociais e económicas consideradas parte dos fatores que facilitam o recrutamento de jovens pelos grupos armados que aterrorizam Cabo Delgado, desde 2017.
A concessão de uma extensa parcela de terra ao CPD, sem a devida consulta pública às comunidades afetadas em Palma, acontece numa altura em que vários estudos apontam para a expropriação de terras como sendo uma das causas que levaram ao extremismo violento em Cabo Delgado, nota a análise
A organização beneficiária não tem capacidade institucional e financeira para explorar 12.000 hectares de terras e "esta área deverá, futuramente, ser parcelada e atribuída a várias entidades privadas, com interesses nos projetos de gás natural em Palma.
Apesar das tentativas, a Lusa não conseguiu ouvir nenhuma das entidades alvo das acusações do CDD.
A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
Há 784 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.
Desde julho de 2021, uma ofensiva das tropas governamentais, com o apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), permitiu recuperar zonas onde havia presença de rebeldes.