ONU dá o tom à COP27. Crise climática avança a "velocidade catastrófica"

por Carlos Santos Neves - RTP
O ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros, Sameh Choukri, preside aos trabalhos da COP27

Foi do secretário-geral da ONU que partiu, este domingo, a nota dominante para a pauta do arranque dos trabalhos da Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, em Sharm el-Sheikh, no Egito. A Terra, clamou António Guterres, “envia um sinal de sofrimento”. É também esta a mensagem que sobressai de um novo relatório preliminar da Organização Meteorológica Mundial: “É apenas uma questão de tempo até haver um novo ano mais quente”.

Estamos perante uma “crónica do caos climático”, nas palavras de Guterres, que deixa patente a “velocidade catastrófica” das alterações climáticas, “devastando vidas em todos os continentes”. Razão pela qual se impõe a adoção de “ações ambiciosas e credíveis” em Sharm el-Sheikh, a estância turística egípcia que recebe a partir deste domingo – e durante duas semanas - a COP27.

Com uma temperatura média superior em 1,15ºC àquela que se verificava na era pré-industrial, o ano de 2022 deverá, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), posicionar-se “apenas” como o quinto ou sexto mais quente desde que há registos. Isto por casa de três anos consecutivos da influência do fenómeno oceânico La Niña, que contribui para uma queda nos termómetros.

“Mas isto não inverte a tendência a longo prazo; é apenas uma questão de tempo até haver um novo ano mais quente”, adverte a agência das Nações Unidas, que conta divulgar uma avaliação final no próximo ano. A demonstrar esta tendência, assinala a OMM, está a expectativa de que “os oito anos de 2015 a 2022 sejam provavelmente os mais quentes registados”.
Daniela Santiago e António Antunes, enviados especiais da RTP à COP27

O cálculo da temperatura média do período entre de 2013 e 2020 aponta para mais 1,14ºC relativamente à era pré-industrial, contra 1,09ºC de 2011 a 2020. Recorde-se que o Acordo de Paris para a resposta às alterações climáticas, adotado em 2015, estabeleceu como objetivo circunscrever o aquecimento global abaixo dos dois graus, ou, no melhor dos cenários, 1,5.
“Demasiado tarde para numerosos glaciares”
Também este domingo, Petteri Taalas, secretário-geral da OMM, quis deixar vincado que as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera “são de tal modo elevadas” que a meta traçada em Paris já mal cabe no “domínio do possível”.

“É já demasiado tarde para numerosos glaciares e o derretimento vai continuar durante centenas ou milhares de anos, com consequências importantes para o aprovisionamento de água”, reforçou o responsável, invocando, a título de exemplo, a situação dos glaciares dos Alpes, que este ano sofreram uma perda sem precedentes da massa de gelo: a espessura diminuiu em três a quatro metros, “muito mais do que o último recorde, em 2003”.Dirigentes políticos, académicos e ONG reúnem-se até 18 de novembro em Sharm el-Sheikh para tentar travar o aquecimento global. Estão confirmadas as presenças de líderes como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. O Governo português é representado pelo primeiro-ministro, António Costa.

Outro dos dados que cai com estrondo sobre as discussões da COP27 prende-se com a subida do nível dos oceanos, potenciada pela redução das calotas glaciares.

Neste capítulo, verificou-se igualmente um incremento sem precedentes, em 2022, de dez milímetros, desde janeiro de 2020. Ou seja, dez por cento da subida registada desde o início da avaliação por satélite, há quase três décadas.
Resposta aos danos em países pobres
Nos termos da agenda adotada por consenso este domingo, os trabalhos da COP27 vão incluir o sensível tema do financiamento de despesas com os danos das alterações climáticas. As nações mais pobres e vulneráveis aos fenómenos daqui decorrentes têm vindo a insistir, nos últimos meses, para que “perdas e danos” fizessem parte do léxico oficial dos trabalhos – contra as reticências de países mais industrializados.

Soube-se nas últimas horas que foi acrescentado na agenda um ponto sobre a discussão de “questões relativas aos acordos de financiamento em resposta às perdas e danos associados aos efeitos nefastos das alterações climáticas”, incluindo uma alínea sobre a gestão de perdas e danos.

As delegações dos países pobres farão chegar às mesas de Sharm el-Sheikh, uma vez mais, a exigência da criação de um mecanismo de financiamento de gastos inevitáveis, quando estão já estimados largos milhares de milhões de dólares em prejuízos. Em 2021, na conferência realizada em Glasgow, na Escócia, não foi possível ir além da ideia de um quadro de diálogo até 2024.

A resistência dos países ricos, desde logo da Europa e os Estados Unidos, deve-se ao receio de eventuais processos legais futuros. Alegam que os denominados “financiamentos climáticos” são já suficientes em si mesmos.

“Esta inclusão na agenda reflete um sentido de solidariedade e de empatia com o sofrimento das vítimas das catástrofes causadas pelo clima”, advogou o ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros, Sameh Choukri, que não deixou de saudar os “ativistas” e a “sociedade civil”, que há anos lutam por esta via.

Por seu turno, o número um da ONU-Climat, Simon Stiell, considerou “crucial” o tema das perdas e danos.

c/ agências
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