ONU. Subida das águas e fim dos glaciares levarão a cenários de pesadelo

por RTP
Cenas como esta, captada em janeiro de 2018 perto de Boston, EUA, irão tornar-se habituais num futuro próximo, prevê a ONU Reuters

As Nações Unidas estão a ultimar um relatório sobre o impacto do degelo dos glaciares montanhosos e das calotes polares nas próximas dezenas de anos, e prevê cenários muito preocupantes para a humanidade, não apenas para pequenos países insulares, como também para as grandes potências económicas mundiais.

De acordo com o estudo sobre os oceanos e a criosfera - as zonas geladas da Terra -, a ser apresentado na próxima reunião do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a evolução climática (Giec), a subida do nível dos mares e a escassez de água potável serão inevitáveis, se o atual modelo de desenvolvimento económico baseado em combustíveis fósseis não se alterar.

Mais de 280 milhões de pessoas deslocadas devido à subida das águas e, a partir de 2050, megalópoles afetadas todos os anos por grandes inundações, são apenas parte das previsões.

De modo particular, o relatório analisa o impacto do degelo dos glaciares, que considera tão grave como o das calotes polares, refere a Agência France Presse, que obteve em exclusivo o texto preliminar.
O fim dos glaciares
Tanto os gelos da Groenlândia como os da Antártida perderam mais de 400 mil milhões de toneladas de massa anualmente, entre 2005 e 2015, o que correspondeu a uma subida do mar de 1,2 milímetros por ano, refere o relatório.

Igualmente, os glaciares das montanhas perderam também no mesmo período e também por ano, mais de 280 mil milhões de toneladas de gelo, levando a um aumento do nível do mar em 0,77 mm suplementares todos os anos.Existem cerca de 200 mil glaciares em toda a Terra e o facto de serem pequenos comparativamente às calotes polares, torna-os extremamente frágeis face ao aquecimento global.

"Ao longo dos últimos 100 anos, 35 por cento da subida do nível do mar no mundo deveu-se ao degelo dos glaciares", revelou à agência francesa o professor de climatologia do Instituto de Pesquisa de Potsdam, Anders Leverman.

Os glaciares dos Himalaias são uma fonte crucial de água para 250 milhões de pessoas nos vales vizinhos e alimentam rios de que dependem mais 1,6 mil milhões de pessoas para cultivar alimentos, obter energia e rendimentos.

De acordo com um estudo referido no relatório para o Giec, os glaciares das grandes montanhas asiáticas poderão perder mais de um terço do seu gelo, mesmo que os seres humanos diminuam a emissão de gás com efeito de estufa, limitando o aquecimento global a 1,5 graus celsius.
Redução até 80 ou 90%
Caso o modelo económico mundial baseado no consumo de combustíveis fósseis se mantenha, a perda de gelo nos glaciares poderá chegar aos dois terços, alerta a ONU.

"A água potável será afetada, a agricultura também, ou seja, milhões e milhões de pessoas", indica Harjeet Singh, da ONG ActionAid.

O relatório do Giec detalha que as zonas do centro e do oeste dos Himalaias já relataram uma descida substancial da quantidade de água disponível para irrigação.

O texto prevê ainda que, nas regiões dotadas de uma fraca cobertura glaciar, como a Europa Central, a Ásia do Norte e a Escandinávia, esta será reduzida em 80 por cento até 2100, de acordo com as projeções.

Também um estudo realizado já este ano por investigadores suíços alertou contra as emissões descontroladas que poderão levar ao desaparecimento de mais de 90 por cento dos glaciares alpinos até fim do século.

De acordo com Harry Zekollary, da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, a maioria das pessoas não se apercebe da importância destes montes de gelo gigantes.

"Um glaciar é um reservatório. Um glaciar saudável derrete tipicamente no verão e cresce no inverno. Isto quer dizer que, quando as pessoas têm maior necessidade de água, vão buscá-las ao glaciar", explicou à AFP.
Um filme de terror
Os glaciares dos Andes fornecem 30 por cento da água utilizada pelos habitantes de La Paz, capital da Bolívia, durante os meses secos do Inverno.

Em 2016, mais de uma centena de bairros ficou sem água durante a maior parte de um mês. "Foi como um filme de terror vindo do futuro", afirmou o diretor do laboratório de física atmosférica da cidade de San Andres, Marcos Andrade, à agência francesa de notícias.

Atualmente, o paradoxo é que "temos mais água dos glaciares por estes derreterem e os agricultores não se apercebem bem disto", lembra o especialista. "As coisas correm-lhes bem, por agora. Mas uma vez que a água se torne escassa, iremos lutar por ela", alertou.

De acordo com o Giec, o degelo dos glaciares deverá continuar a aumentar no curto termo, para abrandar no fim do século, o que irá traduzir-se numa maior quantidade de avalanches, de deslizamentos de terra e de água poluída.
Milhões de pessoas em risco
A subida do nível dos mares terá, apesar disso, um impacto mais direto sobre as vidas de milhares de milhões de pessoas, habitantes de zonas ribeirinhas, de países insulares ou de metrópoles gigantes.

Por exemplo, Xangai, na China, poderá assistir a uma subida anual de 2,6 milímetros por ano, na segunda metade do século XXI, bem acima da média mundial esperada, prevê o estudo da ONU.

Mais de 50 por cento das proteções da cidade contra inundações serão regularmente ultrapassadas em 2100 e as perdas em bens poderão ascender a 1.700 milhões de dólares em 2070.

Xangai é apenas uma entre nove cidades chinesas especialmente vulneráveis à subida do nível das águas oceânicas, o que deveria fazer Pequim pensar duas vezes sobre o impacto que o seu ritmo atual de crescimento económico, baseado na exploração do carvão, terá no futuro.
Costa Leste inundada
Outra potência que irá colher frutos amargos dos atuais modelos de desenvolvimento e da escassez de medidas de proteção ambiental, será os Estados Unidos, refere também o relatório da ONU. A sua Costa Leste é especialmente vulnerável à subida do nível das águas e acolhe metrópoles imensas e ribeirinhas.

Até ao fim do século, o nível do mar poderá subir 1,2 metros, o que irá multiplicar por cinco as zonas inundáveis daquela costa norte-americana. Entre 2030 e 2045, Nova Iorque, por exemplo, poderá ficar exposta a cheias superiores a 2,5 metros, a cada cinco anos.

Bastarão furacões semelhantes ao Katrina ou ao Sandy, "para levar à deslocação de centenas de milhares de pessoas e à destruição de infraestruturas gigantescas orçadas em milhares de milhões de dólares", diz Michael Mann, professor na Universidade Estatal de Penn, à AFP.

O relatório destaca ainda que a maioria dos Estados membros da União Europeia já implantou medidas para diminuir emissões poluentes, mesmo se arrisca pouco globalmente com a subida das águas, exceção feita ao vale do Reno, um importante eixo comercial.

As temperaturas mais elevadas poderão contudo abrandar as correntes oceânicas do Atlântico Norte, o que irá levar a tempestades de inverno mais violentas em todo o continente.
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