Os homens do Presidente

“Mentiroso”, “rapaz dos cafés”, “nunca esteve na Trump Tower”, “ninguém sabia quem era até aparecer agora”. São alguns dos epítetos e argumentos usados pela equipa de Donald Trump e pelo próprio Presidente para cavar o fosso de segurança em relação a George Papadopoulos, membro da campanha que se deu como culpado de mentir ao FBI e que está a colaborar com as autoridades no âmbito do inquérito liderado pelo procurador especial Robert Mueller sobre o alegado conluio com agentes russos para garantir a vitória de Trump nas eleições de há um ano. Mas há ainda Paul Manafort e Rick Gates. Visados pela investigação, declararam-se inocentes perante um juiz federal de Washington, mas estão confinados a prisão domiciliária com cauções de um milhão e meio milhão de dólares.

Em outubro de 2016, um mês antes da vitória de Donald Trump nas presidenciais, as agências de informações norte-americanas apontam o dedo a Moscovo, que acusam de ter pirateado e revelado emails comprometedores para Hillary Clinton, a adversária de Trump na corrida à Casa Branca, o que terá comprometido as aspirações da candidata democrata.

O então Presidente Barack Obama anunciaria a 29 de dezembro a expulsão de 35 agentes russos e um pacote de sanções contra Moscovo. Uma semana depois, no arranque do ano, as agências de informações tornam público um relatório em que apontam o Presidente russo, Vladimir Putin, como o pivot da alegada interferência nas eleições.

Entretanto, desde o início de 2017, sucederam-se uma série de demissões na equipa de Trump, uma rede que apanhou o conselheiro para a segurança nacional, Mike Flynn, por ter ocultado informação ao vice-presidente Mike Pence relativamente a contactos que mantivera com o embaixador russo nos Estados Unidos, Serguei Kisliak; o diretor do FBI James Comey; e também o homem que está agora sob os holofotes, Paul Manafort.



Um pouco ao lado do caso que vem alimentado ódios contra a Administração Trump estão os acontecimentos dos últimos dias. Sobre Paul Manafort e Rick Gates, seu associado, recaem 12 acusações, as mais graves “conspiração contra os Estados Unidos” e “conspiração para lavagem de dinheiro”. O juiz estabeleceu uma fiança de dez milhões de dólares para Manafort e cinco milhões para Gates.

O caso de Papadopoulos é diferente. Detido no início do Verão, está há vários meses a cooperar com as autoridades e já se deu como culpado por declarações falsas às autoridades aquando de um interrogatório do FBI em janeiro deste ano. A questão refere-se aos contactos com quadros russos, uma aproximação que teve lugar quando ocupava o lugar de assessor da equipa de Trump para a política externa.George Papadopoulos
O acordo com as autoridades é para Papadopoulos a porta de saída que o pode livrar de uma pena de prisão até cinco anos e muitos milhares de dólares de multa. Com o acordo, os analistas estimam que o ex-assessor arrisque uma pena até seis meses de prisão e uma multa quase simbólica, face aos valores que arriscaria em julgamento.

Trata-se, de qualquer forma, de uma situação delicada para a Administração Trump, que procura agora desvalorizar o papel de Papadopoulos. Uma ofensiva levada a sério em várias frentes. Desde logo na conta de Twitter do Presidente, que o apelida de “mentiroso”.


“Poucas pessoas conheciam o jovem voluntário de base chamado George, que já provou ser um mentiroso”, escreve Trump. O seu anterior conselheiro de campanha Michael Caputo garante que “não sabia nada disto até ler os jornais, como toda a gente”. “Nunca tinha ouvido falar de Papadopoulos, ele nunca apareceu na Trump Tower (quartel-general da campanha), nunca teve qualquer interação com os líderes da campanha e os chefes da sede de campanha em Washington nem sabiam quem ele era até o nome aparecer na imprensa. Ele era o rapaz dos cafés (…) não tinha nada a ver com a campanha e toda esta história de uma ligação com cidadãos alegadamente russos estava fora das suas competências como voluntário”.



Mas há mais: “[As suas iniciativas não tiveram seguimento] e isso mostra o seu nível de importância na campanha e o papel insignificante que teve no que respeita à coordenação de assuntos oficiais”, respondeu Sarah Huckabee Sanders, a assessora de imprensa de Trump na Casa Branca.

No entanto, o assunto referido por Sanders tem a ver com um alegado relacionamento com um professor russo ligado a membros do Governo de Moscovo. Papadopoulos teria estabelecido esse contacto mais ou menos no momento em que passou a integrar a equipa de Trump com a promessa da revelação de milhares de emails com “podres” da candidata democrata, Hillary Clinton. De acordo com os documentos da acusação de Mueller, o elemento russo apenas terá mostrado interesse em relacionar-se com Papadopoulos depois de se aperceber da sua posição na equipa presidencial.

Esse elemento e Papadopoulos terão então feito esforços para promover o contacto – uma viagem – de Trump com membros da governação russa, o que não chegou a acontecer. Sabe-se agora que o filho mais velho do Presidente recebeu um grupo de cidadãos russo na Trump Tower, o que Donald Trump Jr. desvalorizaria, negando desde logo ter dado conhecimento do encontro ao pai.

Existem ainda outros factos que poderão desmentir a subvalorização agora atribuída a George Papadopoulos, como o facto de, antes da passagem para a equipa de Trump, o assessor ter já desempenhado as funções de conselheiro para a política externa de Ben Carson, um dos adversários do presidente durante as primárias republicanas.

Ou esta imagem que mostra George Papadopoulos sentado à mesa com Donald Trump.



Sarah Huckabee Sanders desvaloriza estes elementos, mas a campanha de Clinton continua a atribuir a derrota de 8 de novembro de 2016 à revelação desses emails.

E, apesar de o ter já esquecido, numa visita ao Washington Post ainda durante a campanha, a 21 de março de 2016, Donald Trump reconhecia, durante a apresentação da sua equipa, que “George Papadopoulos, consultor para a área da energia e do petróleo, [é] um tipo excelente”.
Paul Manafort

Mais difícil de apagar do que George Papadopoulos, o currículo de Paul Manafort também está a merecer um tratamento especial por parte dos apaniguados de Trump. E, obviamente, pelo próprio, em sede própria, a sua preferida: o Twitter.

A objecção invocada por Trump não é a acusação de que está a ser alvo Manafort, mas o calendário dessa acusação: “Desculpem, mas isto aconteceu há anos, antes de Paul Manafort integrar a equipa da campanha Trump…”.

De facto, Manafort deixou a equipa de Trump na sequência de acusações de que teria recebido milhões de dólares em pagamentos ilegais de um partido político ucraniano pró-russo, acusação que se estende ao seu associado Rick Gates. Em causa estará o trabalho de Manafort na Ucrânia e a sua colaboração com destacadas figuras fiéis a Putin, em particular os oligarcas russos e políticos do universo do antigo Presidente Viktor Yanukovich.



A ligação entre os três homens será o assunto de um email de 4 de maio de 2016 (ver abaixo na tabela cronológica deixada no final deste artigo). Nessa mensagem electrónica é reencaminhado o email de Papadopoulos em propõe a outro membro da campanha um encontro entre Trump e o governo russo.We need someone to communicate that DT is not doing these trips".

O elemento da campanha que escreve o email deixa uma pergunta: "Vamos falar. Precisamos de alguém que lhes diga que DT não fará essas viagens. Deveria ser alguém de ranking mais baixo da equipa para não enviarmos o sinal errado".

Uma fonte em Washington revelou a coberto do anonimato que o email partiu de Manafort e o destinatário era Gates (na foto em baixo).



A porta-voz Sarah Huckabee Sanders já garantira que estes novos desenvolvimentos da investigação do procurador especial Robert Mueller nada têm a ver com a equipa da campanha de Trump. Versão também defendida pelo advogado pessoal do presidente, Jay Sekulow, que garantiu durante uma entrevista à CNN que “o presidente não vai interferir com o trabalho do procurador Mueller”.

A Administração ainda chegou a experimentar a desculpa de que Manafort apenas orientou a campanha de Trump durante três meses, mas será difícil apagar a sua influência no caminho do milionário republicano até à Casa Branca. Como, por exemplo, o facto de lhe ter cabido um papel fundamental na escolha de Mike Pence para o bilhete republicano.

Um facto é para já incontornável: a investigação à alegada colaboração de agentes russos para garantir a eleição de Donald Trump nunca havia chegado tão perto do núcleo central da equipa que trabalhou com Trump durante a campanha presidencial. A resposta do presidente é típica das manobras que usa quando não pode negar provas que lhe são postas a frente: "As notícias falsas (fake news) estão a fazer horas extraordinárias".

Já no início de outubro, Aaron Zelinsky, um dos mebros da equipa de Mueller, fizera uma declaração que sugere razões de preocupação acrescida para Donald Trump. Refere Zelinsky que o processo Papadopoulos é apenas "uma pequena parte" de um "inquérito muito extenso que ainda está em curso".

E, apesar de nenhuma das peças do processo agora reveladas, tal como sublinhou Trump, estabelecer um contacto inequívoco entre o núcleo central da sua equipa e o Kremlin, Bradley Moss, advogado norte-americano especializado em matérias de segurança nacional, diz que "isto só está a começar": "Manafort é o foco que está a atrair todas as atenções, mas Papadopoulos é a peça-chave" de todo o inquérito, sublinhou em declarações registadas pela Reuters.

Por outro lado, como escreveu já o Washington Post, o acordo conseguido por Papadopoulos pode indiciar que haverá mais gente a cooperar e que poderá ter sido entretanto ouvida pelos investigadores de Robert Mueller, gente importante que tudo fará para salvar a própria pele, antecipa Moss. Estamos aqui perante um cenário cheio de gente importante, protagonistas da política norte-americana como Manafort, o seu antecessor, Corey Lewandowski, Gates e Sam Clovis, o vice-presidente do comité nacional da campanha republicana.O que apurou a equipa de Mueller

O que se segue é uma cronologia dos contactos de Papadopoulos com base nos documentos revelados pela equipa de Mueller na acusação que está na posse dos juízes e entretanto revelada publicamente.

2016

Início de março - Papadopoulos, a morar em Londres na altura, está prestes a integrar a equipa da campanha presidencial de Donald Trump como assessor.

Março - Com base numa conversa com um supervisor da campanha Trump, Papadopoulos percebe que um dos principais focos da política externa da campanha era a busca de "uma melhoria na relação dos EUA com a Rússia".

À volta de 14 de março - Papadopoulos encontra-se em Itália com um professor estrangeiro não identificado que mostra pouco interesse nele até que Papadopoulos menciona estar a integrar a equipa de Trump. O professor menciona então ter conexões ao mais alto nível com o Kremlin.

À volta de 24 de março - Papadopoulos volta a encontrar-se em Londres com esse professor, então acompanhado por uma mulher russa que lhe é apresentada como familiar do presidente Vladimir Putin com contactos ao mais alto nível no governo russo. A mulher revela-se não ser de facto parente de Putin.

Papadopoulos envia um email a um supervisor de campanha Trump não identificado, bem como a vários assessores da política externa da equipa informando do encontro com o professor, a sobrinha de Putin e o embaixador russo para a Grã-Bretanha (que de facto não estava presente) para discutir uma reunião entre Trump e Putin.

31 de março – Papadopoulos participa numa reunião sobre segurança nacional, em Washington, na qual Trump e outros assessores de política externa estão presentes. Papadopoulos informa estar na posse de contactos que podem ser úteis para agendar uma reunião entre Trump e Putin.

À volta de 10 de abril - Papadopoulos envia email à mulher russa, que responde no dia seguinte escrevendo que “ficaria encantada em apoiar estas iniciativas entre os dois países”. Num email de resposta, em que notifica também o professor, Papadopoulos questiona-a acerca da possibilidade de “organizar uma viagem à Rússia”.

À volta de 11 de abril - O professor responde por email a Papadopoulos, informando-o que uma viagem à Rússia “já está acertada” e que ele próprio se deslocaria a Moscovo no dia 18 desse mês para participar numa conferência e em várias reuniões no Parlamento russo. A mulher também responde, dizendo que “a Federação Russa adoraria recebê-lo (Trump) assim que a sua candidatura fosse anunciada oficialmente”.

À volta de 18 de abril – O professor, via email, apresenta Papadopoulos a um indivíduo em Moscovo que garante ter contactos no Ministério russo dos Negócios Estrangeiros. Nas semanas seguintes, Papadopoulos e esse contacto passam a manter várias conversas via Skype e email. O assunto: preparar o terreno para um possível encontro entre membros da equipa Trump e membros do Governo russo.

À volta de 22 de abril – A ligação ao MNE russo envia um email a Papadopoulos propondo um encontro em Moscovo ou Londres. Papadopoulos sugere uma reunião em Londes que inclua o embaixador russo.

À volta de 25 de abril - Papadopoulos envia um email a um supervisor senior da campanha Trump informando que Moscovo deixou em aberto um convite para um encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin.

À volta de 26 de abril – Durante um pequeno-almoço em Londres, o professor informa Papadopoulos que membros do governo russo lhe disseram estar na posse de “podres” de Hillary Clinton revelado em milhares de emails.

À volta de 27 de abril – Papadopoulos informa por email um supervisor da campanha que recebeu “mensagens interessantes” de Moscovo sobre a possibilidade de “uma viagem quando chegasse a altura certa”. Enviou um email nos mesmos termos para um membro superior da campanha.

À volta de 4 de maio - Papadopoulos reenvia a um membro superior da campanha um email do MNE russo propondo um encontro em Moscovo entre Papadopoulos e o departamento do ministério para a América do Norte. Papadopoulos pergunta: “O que acha disto?”.

À volta de 13 de maio - Papadopoulos recebe um email do professor em que este o informa de que prosseguirá os esforços junto da parte russa para conseguir esse encontro entre Trump e Putin.

À volta de 14 de maio - Papadopoulos informa o membro senior da campanha ter recebido sinais do Governo russo do interesse no encontro entre os dois líderes. Seguem-se emails para outros membros de alto nível no mesmo sentido.

Início de junho – O mesmo supervisor não nomeado pela investigação de Mueller recebe um email de Papadopoulos pedindo-lhe uma resposta – que mensagem deve ser passada ao MNE russo relativamente à oferta para o encontro Trump-Putin.

À volta de 19 de junho - Papadopoulos informa esse membro da campanha que Moscovo quer saber se ele ou outro membro da campanha poderia deslocar-se a um encontro a Moscovo, caso Trump não o pudesse fazer. “Estou disposto a fazer essa viagem de forma não oficial2, propõe Papadopoulos.

À volta de 15 de agosto – O supervisor encoraja Papadopoulos e outro membro da campanha, que não é identificado, a deslocarem-se a Moscovo se isso for possível. Mas a viajam não chega a ser feita.

2017

27 de janeiro - Papadopoulos é interrogado pelo FBI, sendo posteriormente provada a existência de “falso testemunho e várias omissões”.

16 de fevereiro - O FBI volta a falar com Papadopoulos. No dia seguinte, o assessor de Trump desactiva a sua conta no Facebook. Uns dias depois, deixa de usar o seu número de telemóvel e muda para outro.

27 de julho - Papadopoulos é detido ao aterrar no aeroporto internacional de Dulles, nos arredores de Washington.

c/ agências