Para Age e Mai a UE já não é distante mas há fosso 20 anos após adesão

por Lusa

Age cresceu de `mão dada` com a União Europeia (UE), enquanto Mai viu a ocupação soviética calar a voz da Estónia durante cinco décadas, mas as duas concordam que hoje o país está melhor, apesar do fosso socioeconómico.

Manhã de segunda-feira atípica para abril: o frio não é incomum para esta altura do ano, mas desta vez veio acompanhado de um nevão que cobriu Tallinn quando já só era esperada a chuva e as primeiras flores a desabrochar na primavera.

A Igreja de São Olavo está a pouco mais de 500 metros da Praça Raekoja, a mais emblemática de Tallinn, capital da Estónia. Não há consenso sobre quando foi construída, mas tudo aponta que foi algures no século XII.

Os remendos nas paredes brancas e na torre de bronze são cicatrizes da História do país, desde a conquista de Tallinn pela Dinamarca, à ocupação soviética que escondeu o país por detrás da Cortina de Ferro e à independência que abriu caminho à pertença europeia há 20 anos, em 01 de maio de 2004.

São 258 degraus até ao topo da torre, "incluindo o último lanço da escadaria de madeira, o mais íngreme", respondeu Age, de 22 anos, que os comparou ao árduo caminho que o país fez para aderir à UE.

"Não me lembro de viver sem fazer parte da União Europeia, mas chorei muito quando um dia acordei e disseram que agora íamos usar o euro [em 2011]. Não sabia o que significava na altura, era pequena, só tinha percebido que ficámos sem a nossa moeda, mas agora que sou mais velha o contrário nem faz sentido", revelou, entre risos.

A conversa com a Lusa é feita a um ritmo apressado. Aponta o início da escadaria a um grupo de turistas, conversa mais um pouco, alerta um casal de que antes de subirem têm de comprar bilhete, continua a falar sobre o seu país e a União, vai contando quem sobe, quantos são e a todos diz o mesmo: "Boa sorte!"

"Somos parte da UE, lá em casa todos dizem que tem ajudado a Estónia a crescer depois da União Soviética, hoje somos praticamente ocidentais apesar de estarmos deste lado", acrescentou, opinando que a adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte, em 29 de março de 2004, "é a única razão pela qual a Estónia ainda existe".

"Sinto-me feliz", confessou, sorridente, quando pensa nas portas que o bloco comunitário abriu: "Há mais oportunidades, de trabalho, para estudar, a possibilidade de apenas com o meu cartão de cidadão viajar para qualquer país da UE."

Mai escuta atentamente a conversa, com alguma desconfiança inicial. Com 81 anos, disse que a ocupação soviética a moldou para ser apreensiva, mas não poupou palavras quando falou da União Europeia.

"Agora isto é muito melhor", considerou, já mais animada na pequena bilheteira de vidro, intercalando a conversa com um turista que queria saber o preço para subir a torre: "São três euros, só aceitamos dinheiro, nada de cartões".

Age e Mai convergem não só na opinião de que a Estónia está melhor desde que aderiu à União Europeia. São apenas 210 quilómetros desde a capital do país até ao rio Narva que delimita a fronteira com a Rússia. São Petersburgo está a pouco mais de 400 quilómetros de distância.

"Eu crio muitos cenários de `e se` na minha cabeça. Desde que a guerra [na Ucrânia] começou, muitos estónios ficaram com medo de que sejamos os próximos", explica Age.

Mai é mais fatalista: "Eu tenho receio mesmo, ainda acho que vamos ser invadidos. Por isso é que fomos para a UE e para a NATO. O que é que íamos fazer sozinhos?".

As duas mulheres também convergem nas críticas ao país, que consideram que ainda está por cumprir, apesar de tudo o que melhorou nas últimas duas décadas, nomeadamente um fosso socioeconómico persistente.

Triin Toomesaar, presidente Rede de Organizações Sem Fins Lucrativos da Estónia, faz eco dessas críticas: "Sempre houve um fosso entre os ricos e os pobres e nos últimos anos aumentou".

Pertenceu ao Partido Social-Democrata (centro-esquerda), mas acabou por sair pelo aparente conflito de interesses entre ser elemento de um partido e encabeçar uma organização não-governamental, mas não poupa críticas às "políticas económicas neoliberais" do Partido Reformista da Estónia, da primeira-ministra, Kaja Kallas, que, "basicamente, desenhou uma política de impostos que criou uma discrepância entre ricos e pobres, que continua a aumentar".

"É dificílimo sugerir uma redução, o Partido Reformista verbaliza bem a intenção de descartar qualquer ideia mais socialista", completou, descartando que haja uma associação entre as ideias socialistas e o passado soviético.

"Esta geração de jovens políticos já não têm qualquer memória do período soviético, estão livres disso, têm os seus próprios pensamentos e conseguem perceber o que é que foi feito noutros países e que resultou", advogou, à conversa no interior de um café no complexo empresarial que é o coração desta faceta de `startups` e modernização do investimento em Tallinn.

Ainda assim, diz estar esperançosa de que os estónios preservarão a democracia que conquistaram e que conseguirão criar um país mais justo.

"Consideramo-nos bastante trabalhadores. Há uma ideia de que se quiseres competir contra um estónio provavelmente vais perder, nós vamos dar mais do que tu. É como que um orgulho nacional trabalhar mais. Acho que isto vem da escravatura à qual fomos subjugados durante mais de 800 anos", julgou.

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