Parlamento holandês acusa China de genocídio de minoria uigur

por Inês Moreira Santos - RTP
Leah Millis - Reuters

O Parlamento holandês votou numa moção não vinculativa, esta semana, a favor de considerar "genocídio" a repressão e violações dos direitos humanos da minoria étnica chinesa de origem muçulmana uigur. Os Países Baixos são o primeiro Estado-membro europeu a assumir esta posição.

Os deputados holandeses aprovaram na quinta-feira uma moção não vinculativa que reconhece que o tratamento da minoria muçulmana uigur na China equivale a genocídio.

"Estes são abusos terríveis, cometidos contra a minoria uigur muçulmana, não devemos poupar nas palavras, devemos designá-los como genocídio", afirmou Sjoerd Sjoerdsma do grupo progressista D66, que promoveu a moção.

A maioria dos deputados holandeses votou a favor da moção proposta pelo partido de centro-esquerda D66, que inclui a Esquerda Verde GroenLinks, os Social-democratas PvdA, o Partido dos Animais PvdD, além de dois partidos dos quatro que compõem a coligação que governa o país.

"Está a ocorrer um genocídio contra a minoria uigur na China", refere a moção, não acusando diretamente o governo chinês.

A votação para aprovar a moção, que não é vinculativa, visa também encorajar outros parlamentos europeus a fazer declarações semelhantes, uma vez que o reconhecimento de uma situação como o genocídio pode ter consequências jurídicas em organismos internacionais e alerta o mundo o assunto.

Esta moção, aprovada pelos deputados holandeses, alega que as ações do governo chinês contra os muçulmanos uigures, como "medidas destinadas a prevenir nascimentos" e "ter campos de punição", se enquadram na Resolução 260 das Nações Unidas, geralmente conhecida como convenção do genocídio.

Contudo, o partido conservador VVD do primeiro-ministro, Mark Rutte, votou contra a resolução.
Tempo de agir
O ministro holandês dos Negócios Estrangeiros, Stef Blok, do Executivo cessante nos Países Baixos, preferiu não usar a palavra "genocídio" contra a China, uma vez que a situação ainda não foi declarada e reconhecida como tal pela ONU ou pelo Tribunal Penal Internacional. No entanto, o ministro reconheceu a existência de violações em grande escala dos direitos humanos, como a esterilização forçada de mulheres uigures nos campos para uigures na província chinesa de Xinjiang.

"A situação dos uigures é causa de grande preocupação", afirmou Blok aos jornalistas após a votação na moção, acrescentando que os Países Baixos pretendem trabalhar com outras nações no combate a esta situação.

Mas o autor da moção, o legislador Sjoerd Sjoerdsma do partido de centro-esquerda D66, foi mais longe na tomada de posição contra a situação na China, propondo posteriormente intervir junto do Comité Olímpico Internacional para afastar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 de Pequim.

"Reconhecer as atrocidades que estão a ocorrer contra os uigures na China pelo que eles são, ou seja, genocídio, impede que o mundo olhe para o outro lado e força-nos a agir", disse à Reuters.

Entretanto, a Embaixada da China na cidade holandesa de Haia respondeu alegando que a população uigur em Xinjiang tem crescido nos últimos anos, desfrutando de um padrão de vida mais elevado e uma expectativa de vida mais longa. Segundo a mesma fonte, a acusação do Parlamento holandês é uma "mentira absoluta" e os Países Baixos "deliberadamente difamavam a China e interferiam grosseiramente nos assuntos internos da China".

"Como podem chamar a isto de genocídio?"
, escreveu num comunicado. "As questões relacionadas a Xingjiang nunca são sobre direitos humanos, étnia ou religião, mas sim sobre o combate ao terrorismo violento e à sucessão".

"Genocídio tem uma definição clara no Direito Internacional. Embora os Países Baixos sejam conhecidos como a capital do Direito Internacional, alguns legisladores usaram este tópico sério como capital político e maliciosamente transformaram o tópico de Xinjiang em sensacionalismo antes das eleições gerais", declarou um porta-voz da embaixada.

Também o embaixador da China nas Nações Unidas, em Genebra, acusou as potências ocidentais, na quarta-feira, de usar a situação dos chineses uigures para se intrometer nos assuntos internos do país.
Comunidade internacional atenta à situação
Ativistas e várias organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos tem vindo a alertar que estarão mais de um milhão de uigures detidos em campos de reeducação política. Pequim, contudo, continua a negar e garante tratarem-se de centros de treino vocacional, destinados a distanciar os uigures do terrorismo e do separatismo.

O Parlamento Europeu condenou os abusos, mas o maior crítico de Pequim na comunidade internacional continua a ser a Turquia, um país que partilha laços históricos e culturais com os uigures.

Embora não seja claro qual o efeito que esta moção agora aprovada pode vir a ter nas relações sino-holandesas, também França, Suécia e o Reino Unido estão a debater medidas semelhantes às do Parlamento holandês.

Ainda esta semana, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros denunciou o "sistema institucionalizado de repressão" da China contra os muçulmanos uigures. Le Drian indicou ainda que "chegam da região chinesa de Xinjiang testemunhos e documentos concordantes, que dão conta de práticas injustificáveis contra os uigures e de um sistema institucionalizado de vigilância e de repressão em grande escala".

Já a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) acusou, esta semana, a China de ter intensificado a repressão sobre os uigures e outras minorias étnicas de origem muçulmana no extremo oeste do país. Segundo a HRW, pelo menos 250 mil pessoas foram condenadas e presas, entre 2016 e 2019, na região autónoma de Xinjiang, que tem cerca de 25 milhões de habitantes, a maioria dos quais muçulmanos -  sentenças que se somam à prisão de um milhão de uigures em campos de reeducação política, denunciadas por várias ONG.

Também o Parlamento do Canadá aprovou, na segunda-feira, uma moção do Partido Conservador a considerar as ações da China em Xinjiang "correspondem à definição de genocídio", estipulado na Convenção das Nações Unidas.

Recorde-se que o termo genocídio foi usado inicialmente pela anterior administração norte-americana, incluindo pelo então secretário de Estado Mike Pompeo.
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