Partido Republicano dos EUA prepara-se para impedir aprovação de "Lei Para o Povo"

por Inês Moreira Santos - RTP
O senador norte-americano Joe Manchin alterou, na semana passada, o projeto de lei que visa garantir o direito de voto de todos os norte-americanos. Joshua Roberts - Reuters

O Partido Democrata propôs, já há algum tempo, a aprovação de um projeto-lei que visa proteger os direitos dos eleitores negros e da classe trabalhadora. Esta terça-feira, os democratas vão apresentar no Senado a proposta da denominada "Lei para o Povo", mas é provável que não seja aprovada. O Partido Republicano, que desde o início se mostrou contra esta legislação, vai tentar bloquear a aprovação.

A "Lei Para o Povo", que foi aprovada no Congresso norte-americano em março, dificilmente ultrapassará o minímo exigido de 60 votos para ser aprovada no Senado. Na Câmara do Representantes, houve votos contra de um democrata e de todos os republicanos, e esta terça-feira não se espera apoio republicano no Senado.

O senador democrata Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, propôs alterações ao projeto de lei, que esperava que fosse aprovado no Senado com alguns votos do Partido Republicano. Contudo, os líderes republicanos também já anunciaram que vão rejeitar esta nova versão da legislação.

A proposta, com quase 900 páginas, é vista pelos apoiantes como uma questão de defesa do direitos civis, e já é uma das maiores prioridades da Administração Biden após as eleições de 2020, visto que alguns Estados começaram a impor novas leis restritivas que podem dificultar a votação de alguns norte-americanos.

O Senado está dividido igualmente entre democratas e republicanos, mas, para além de se oporem, os senadores republicanos consideram o projeto de lei um "exagero federal" e já confirmaram que vão rejeitar a proposta mesmo que a votação não chegue aos 60 votos que seriam necessários para superar a obstrução e iniciar o debate.

"Estão com medo de debater?", questionou o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, na segunda-feira antes da votação. "Estamos prestes a descobrir".

A votação desta terça-feira, segundo Schumer, "não é uma votação sobre nenhuma política em particular".

"Não é uma votação sobre este ou aquele projeto de lei. É uma votação sobre se o Senado deve simplesmente debater os direitos de voto", rematou.
Republicanos e democratas em desacordo sobre direitos eleitorais

Este projeto de lei é relevante na agenda legislativa de Joe Biden porque os Estados onde o Partido Republicano ainda tem maioria aplicaram novas restrições eleitorais, uma questão que os grupos de direitos civis receiam que possa limitar ou mesmo impedir o direito ao voto de grupos marginalizados e dificultar a votação em geral.

O objetivo da "Lei Para o Povo" é facilitar o processo de recenseamento eleitoral e a votação a todas as pessoas, permitindo ao eleitor a votação antecipada e o registo eleitoral no mesmo dia, assim como disponibilizar o registo automático para as eleições federais e reduzir os critérios de identificação. Com esta legislação, os Estados também seriam obrigados a ter recenseamento eleitoral eletrónico e a registar os criminosos que já tenham cumprido as suas penas.

Os eleitores passariam ainda a ter permissão para votar pelo correio, sem necessitar de uma boa justificação para não comparecer nas urnas pessoalmente. O projeto de lei também requer o uso de cédulas de papel e pretende restringir as práticas usadas para eliminar listas de eleitores, o que os grupos de direitos de civis afirmam que prejudica injustamente os eleitores de classes mais baixas e pertencentes a minorias.

O presidente Joe Biden prometeu, em março, que o caminho para a aprovação desta legislação seria a "luta da sua presidência" para garantir o acesso dos norte-americanos às urnas. Não estão em causa apenas as regras eleitorais que tornam mais fácil votar, mas também a capacidade dos próprios democratas de confrontar os limites do bipartidarismo e decidir se as regras de obstrução devem ou não mudar.

Na semana passada, Manchin entregou uma lista com as cláusulas do projeto que ele próprio apoia e aquelas a que se opõe, acrescentando alguns ajustes que considera que podem ser mais votados se forem promulgados.

A lista de Manchin inclui expandir a votação antecipada, proibir o gerrymandering partidário (definição manipulatória dos círculos eleitorais) e tornar o dia das eleições um feriado. O democrata propôs ainda "alternativas permitidas" para a identificação do eleitor e incluiu critérios de identificação do eleitor (amplamente contestados pelos democratas, que dizem que tais critérios tornam o processo eleitoral mais difícil para pessoas marginalizadas).

Os republicanos, incluindo o senador líder da minoria Mitch McConnell, de Kentucky, rejeitaram a "Lei para o Povo", incluindo a versão de Manchin, alegando que as cláusulas ainda contêm o "núcleo podre" do projeto original.

McConnell criticou a legislação antes do debate, na segunda-feira, descrevendo-a como uma "proposta desastrosa" que não obterá "aprovação" no Senado.

Os republicanos do Senado afirmaram que, mesmo com a nova versão, iriam rejeitar qualquer legislação que amplie o papel do Governo federal nas eleições.

"Eu continuo a acreditar que há alguns que querem", afirmou à Associated Press Jeff Merkley, Autor da legislação no Senado. "Mas quando McConnell rejeitou não conseguimos que um único republicano se juntasse a nós".

A sólida oposição dos senadores republicanos traz à tona questões sobre a obstrução, a regra de há décadas do Senado que exige o mínimo de 60 votos para a maioria dos projetos avançar.
Donald Trump continua a pedir "novas regras" eleitorais

A aprovação deste projeto de lei começa a tornar-se urgente para o Partido Democrata, numa altura em que o ex-presidente Donald Trump continua a afirmar que os resultado das eleições de 2020 foram uma "fraude" e a pedir uma reforma nas leis eleitorais nos Estados liderados pelo Partido Republicano.

Chuck Schumer condenou a narrativa persistente de "eleição roubada" de Trump e sua influência invasiva nas legislaturas estaduais dominadas pelos republicanos, de acordo com o Independent.

"Quão desprezível é Donald Trump?", disse Schumer na segunda-feira. "Ele perdeu uma eleição legitimamente. Não pode enfrentar isso, que foi o seu fracasso, e então inventa uma mentira, uma grande mentira, e convence muitas pessoas com a ajuda dos órgãos de comunicação e de outros comentadores de notícias que também estão a mentir".

As alterações legislativas que estão a ser promulgadas em muitos dos Estados republicanos desde as eleições de novembro têm sido condenadas pelos defensores do direito de voto, que argumentam que as restrições vão dificultar mais as votações, especialmente pessoas pertencentes a minorias de cidades cuja maioria apoia os democratas.

Os democratas querem, além de tudo, proteger a população contra a intimidação nas urnas e, por isso, propõem o aumento das penas para todos os que ameaçam ou intimidam os trabalhadores da comissão eleitoral e a criação de uma "zona tampão" entre os trabalhadores e os observadores das urnas.

No Senado, o senador Schumer frisou ainda os esforços "sinistros" dos legisladores estaduais republicanos para "dar mais poder a si próprios e a outros órgãos partidários para minar, anular e neutralizar" as leis eleitorais e remover "ativamente" as barreiras que impediram Trump de anular milhões de votos em novembro de 2020.

O deputado John Sarbanes, um dos principais apoiantes do projeto, disse que o objetivo é "responder à crescente ameaça de subversão eleitoral em Estados liderados pelo Partido Republicano em todo o país".

"Os perigos dos esforços de supressão de eleitores a que estamos a assistir na Geórgia e em todo o país não são teóricos, e não podemos permitir que atores estatais sedentos de poder retirem ao povo a sua própria democracia ao anular as decisões dos funcionários eleitorais locais", afirmou o senador Raphael Warnock.
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