Pequim acusa NATO de exagerar "ameaça chinesa"

por Andreia Martins - RTP
Esta foi a primeira cimeira da NATO de Joe Biden desde que chegou à Casa Branca. Francisco Seco - Reuters

A missão diplomática da China junto da União Europeia pediu à Aliança Atlântica para que olhe para o país de forma "racional" e não amplifique uma "suposta ameaça chinesa". Na segunda-feira, os líderes da NATO alertaram para "as ambições declaradas e o comportamento assertivo" de Pequim como sinais de "desafios sistémicos à ordem internacional". A China critica o que diz ser uma "mentalidade de Guerra Fria" e garante que não será "um desafio sistémico para ninguém", a menos que seja provocada.

É a resposta imediata de Pequim ao comunicado divulgado pela NATO no final da cimeira de segunda-feira, em Bruxelas. No site da missão chinesa junto da União Europeia, o porta-voz defende-se das acusações da Aliança Atlântica e garante que a China “está comprometida com um desenvolvimento pacífico”.

A China exorta a NATO a olhar para o nosso desenvolvimento de forma racional, a parar de exagerar sobre a suposta ‘ameaça chinesa’ e a encarar os interesses e direitos legítimos da China como um pretexto para manipular as políticas do bloco, criar confronto e alimentar a competição geopolítica”, lê-se no comunicado.

Na segunda-feira, a Aliança Atlântica divulgou as conclusões desta que foi a primeira cimeira que contou com a participação do novo Presidente norte-americano, Joe Biden. Em vários pontos, a NATO delineou os principais desafios para a organização e os seus membros, com Pequim em grande destaque, tal como também já tinha acontecido na recente cimeira do G7.

As ambições declaradas e o comportamento assertivo da China representam grandes desafios sistémicos para uma ordem internacional, baseada em regras, e para áreas relevantes de segurança da Aliança”, lê-se num dos pontos do comunicado.

A NATO acrescenta ainda que a China “está a expandir rapidamente o seu arsenal nuclear com mais ogivas” e com cada vez “mais sistemas sofisticados de lançamento”.

Adianta também que Pequim é pouco transparente na modernização ao nível militar e que “está a cooperar militarmente com a Rússia, inclusive com a participação em exercícios russos na zona Euro-Atlântica”.

“Instamos a China a cumprir com os seus compromissos internacionais e a atuar com responsabilidade no sistema internacional (…), em consonância com o papel de grande potência”, lê-se no comunicado da Aliança Atlântica.

Ainda assim, a NATO garante que pretende manter “um diálogo construtivo com a China sempre que possível”.

“Os aliados exortam a China a envolver-se de forma significativa em medidas de diálogo, construção de confiança e transparência em relação às suas capacidades e doutrina nuclear”, conclui a NATO.
Números da China "não estão na mesma liga"

Na segunda-feira, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, sublinhava em conferência de imprensa que a China “não é um adversário”, mas que “o equilíbrio do poder está a mudar”.

“A China está-se a aproximar de nós. Comprovamos isso no ciberespaço, vemos a China em África, mas também a investir significativamente na nossa própria infraestrutura crítica. Temos de responder em conjunto, como uma aliança”, acrescentou Stoltenberg.

Em resposta aos vários tópicos focados pela NATO, a China garante que a sua política de Defesa é “de natureza defensiva”.

“A nossa procura de uma maior modernização a nível de defesa e militar é justificada, razoável, aberta e transparente”, adianta a representação de Pequim em Bruxelas, salientando que os gastos em Defesa na China representam “apenas 1,3 por cento do PIB, menos do que o mínimo de 2 por cento” exigido aos países que integram a NATO.

“As pessoas de todo o globo conseguem ver claramente quem tem bases militares espalhadas pelo mundo e quem é que está a fletir os músculos, ao enviar porta-aviões para todo o lado”, sugere o porta-voz da missão diplomática chinesa.

Pequim destaca também que “o número de armas nucleares da China não estão na mesma liga que os números de alguns países membros da NATO, como os Estados Unidos”.

“De acordo com think tanks da Suécia e EUA, os países membros da NATO têm quase 20 vezes mais ogivas nucleares que a China”, acrescenta.

Nesta reação em vários parágrafos, a China faz questão de lembrar “a tragédia histórica do bombardeamento da Embaixada chinesa na Jugoslávia”, ataque levado a cabo pela Aliança Atlântica em 1999 - um erro assumido por Washington e pelo qual o então Presidente Bill Clinton viria a pedir desculpas públicas a Pequim.

Vamos seguir muito atentamente os ajustes estratégicos da NATO e os ajustes da política em relação à China. A China não representará desafios sistémicos para ninguém, mas não vamos ficar sentados, sem fazer nada, se os ‘desafios sistémicos’ se aproximarem de nós”, adianta o porta-voz da missão.
Divisão transatlântica?

Na análise de Stephen Collison, repórter da CNN na Casa Branca, a Administração Biden procurou enfatizar a retórica sobre a ameaça chinesa nas cimeiras do G7 e NATO, perante parceiros europeus mais apreensivos e defensores de uma posição mais dialogante.

"Reponsáveis dos EUA afirmaram que Itália e Alemanha estão preocupadas com a linguagem do comunicado, que a China poderá considerar provocatória", sublinha.

A chanceler alemã Angela Merkel, por exemplo, destacou que a China "é rival em muitas questões, mas também é parceira em muitos aspetos".

"Se olharmos para as ciber-ameaças e ameaças híbridas, se olharmos para a cooperação entre a Rússia e a China, não podemos simplesmente ignorar a China. Mas também não podemos exagerar. Temos de encontrar o equilíbrio certo", afirmou Merkel no final da reunião da NATO.

Também o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, reconheceu no final do encontro que a ascensão da China é um "facto gigantesco nas nossas vidas", mas que a Aliança Atlântica deve evitar "uma nova Guerra Fria".

Na mesma linha, o Presidente francês, Emmanuel Macron, tinha afirmado no final da cimeira do G7 que pretende trabalhar com Pequim em várias áreas de interesse, desde o clima ao comércio. 

"Vou ser muito claro: o G7 não é um clube hostil à China", afirmou então o chefe de Estado francês. 

No âmbito da NATO, outros países europeus - próximos da esfera de influência da Rússia -  temem que este foco na China possa representar uma perda de importância das operações nesta zona do globo.

De destacar que o Presidente Joe Biden esteve reunido com os líderes da Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia, onde estão destacadas tropas da Aliança Atlântica, ainda antes da cimeira da NATO de segunda-feira, adianta o New York Times
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