Polémica sobre violação. "Se não te embebedares, evitas o lobo", disse o companheiro de Giorgia Meloni

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
O companheiro da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni foi acusado de culpabilizar as vítimas após comentários que fez sobre a violação no seu programa de televisão. Edição RTP | Guglielmo Mangiapane/ Yara Nardi - Reuters

Andrea Giambruno, jornalista e companheiro da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, foi acusado de culpabilizar as vítimas nas suas frases polémicas sobre dois casos recentes de violações em grupo que chocaram o país, provocando a ira de várias mulheres políticas italianas. Durante a emissão televisiva do programa Diario del Giorno, disse que "se se evitar a embriaguez", também se evita "o lobo".

Nas últimas semanas, dois casos de violação em grupo contra mulheres chocaram o país: um em Nápoles, onde duas jovens de 12 e 13 anos foram violadas por um grupo de seis adolescentes, entretanto detidos.

Noutro caso, em Palermo, uma rapariga de 19 anos foi violada por um grupo de sete jovens, um deles menor de idade, depois de a terem embriagado e levado para uma zona isolada da cidade.

Na segunda-feira à noite, o jornalista estava a debater no seu programa televisivo - da Rete 4, um dos maiores canais privados do país - as agressões sexuais e violações recentes no país, incluindo a alegada violação em grupo de uma jovem de 19 anos em Palermo, na Sicília, quando fez os comentários controversos.

"Se fores dançar, tens todo o direito de te embebedares, não deve haver mal-entendidos. Mas se evitares embebedares-te e perderes a consciência, talvez evites também alguns problemas, porque depois encontras o lobo", afirmou Andrea Giambruno.
Revolta feminina da direita e da esquerda italiana

As reações aos comentários não se fizeram esperar, tanto nas redes sociais como entre a oposição, suscitando a revolta de várias políticas italianas, de todos os espectros políticos, que consideraram inaceitável culpar a vítima.

Elly Schlein, presidente do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda e na oposição, afirmou que é "inaceitável culpar a vítima".

Chiara Appendino, antiga presidente da Câmara Municipal de Turim e membro do Movimento 5 Estrelas, da oposição, sublinhou a importância de Itália ter “a primeira mulher primeira-ministra".

"Temos a primeira primeira-ministra da história de Itália, cuja propaganda a define como mulher, mãe e cristã. Por isso, deve distanciar-se dos comentários muito graves do seu parceiro, porque, caso contrário, o seu silêncio significa que é cúmplice", afirmou Appendino.
Outras deputadas do Movimento 5 Estrelas, demonstraram a sua indignação e argumentaram que as observações de Andrea Giambruno são "inaceitáveis e vergonhosas", porque são a "representação plástica de uma cultura machista e retrógrada que é o terreno fértil para o comportamento violento".

Mas também duras críticas de políticas de direita condenaram os comentários.

Cecilia D'Elia, senadora do Partido Democrático (PD) e vice-presidente da comissão de inquérito sobre os feminicídios, lamentou a atitude incriminatória em relação às mulheres: "Não se consegue não culpar as mulheres. A violência é sempre um pouco culpa delas. Não saiam sozinhas, não vão para locais escuros, não se vistam de forma provocante."
"Agora Giambruno também nos diz: se não te embebedares, não és violada. Nada, no final as mulheres e o seu estilo de vida estão a ser julgados", acrescentou a senadora.
Alessandra Mussolini, eurodeputada e neta do ditador fascista Benito Mussolini, acusou Giambruno de expressar atitudes "medievais" em relação às mulheres: "Se eu quiser, devo ter o direito de andar com o meu rabo à mostra. Não há nada que possa justificar que um homem recorra à violência. A violação é uma violação e se isso não for compreendido, para nós, mulheres, está tudo acabado. Em 2023 já não deveríamos estar a ouvir estas coisas."
"Este tipo de mentalidade é realmente preocupante. Arrisca-se a pôr em causa anos de luta pelos direitos das mulheres", afirmou Alessandra Mussolini.


Sara Ferrari, eurodeputada italiana do Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) considera que este é o "machismo italiano que, perante uma violação, acusa a vítima de ter tido um comportamento que a levou a pedi-lo, como se o encontro com o lobo fosse o destino inevitável de todas as raparigas embriagadas".
Giambruno reagiu mas não se desculpou

O jornalista tem mantido um perfil discreto desde que a companheira foi eleita primeira-ministra no ano passado, mas esta quarta-feira acabou nas primeiras páginas dos principais jornais italianos.

Comentando a polémica, Andrea Giambruno considerou a polémica “uma controvérsia surrealista” instrumentalizada para atacar Giorgia Meloni e que não tinha que pedir desculpa. Até ao momento, a líder da coligação de extrema-direita não se pronunciou.

"Nestas últimas horas, gerou-se uma controvérsia surrealista e devo salientar que ninguém justificou o ato, tendo sido utilizados termos precisos: "abominável" para o ato e "bestas" para os seus autores", afirmou Giambruno.Giambruno afirmou ao jornal italiano Corriere della Sera que "Nunca disse que é legítimo que os homens violem as mulheres que estão bêbadas".

Esta não é a primeira vez que os comentários de Giambruno causam polémica em Itália. Em julho, disse ao ministro alemão da Saúde, Karl Lauterbach, que "ficasse em casa, ficasse na Floresta Negra", depois do político ter questionado a viabilidade do turismo no sul da Europa “a longo prazo” devido às ondas de calor.

Na altura, Giambruno foi muito criticado pela imprensa por comentários que foram considerados negacionistas em relação às alterações climáticas, nomeadamente quando referiu que a vaga de calor que Itália enfrentava no verão "não era uma grande notícia".

c/agências
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