Políticos e chefes militares alemães sugerem regresso do serviço militar

por Cristina Sambado - RTP
Boris Pistorius num tanque Leopard 2 que será fornecido à Ucrânia Benjamin Westhoff - Reuters

Figuras políticas e militares na Alemanha sugerem o regresso do serviço militar obrigatório após o novo ministro da Defesa, Boris Pistorius, ter afirmado que a supressão parcial do recrutamento em 2011 tinha sido um "erro", que contribuiu para afastar a população das instituições cívicas.

Na quarta-feira, a comissária parlamentar alemã para as Forças Armadas, Eva Högl, do SPD de centro-esquerda, instou o Executivo liderado por Olaf Scholz a questionar a possibilidade de ser necessária alguma forma de serviço cívico obrigatório, face à falta de voluntários nas fileiras do exército alemão.

“Necessitamos definitivamente de mais pessoal na Bundeswehr (Forças Armadas alemãs)” disse Eva Högl ao jornal Augsburger Allgemeine.O fim do serviço militar obrigatório foi decidido em 2011 pelo governo liderado por Angela Merkel.

Já o chefe do Estado-Maior da Marinha alemã, Jan Christian Kaack, propôs recentemente um regresso do serviço militar obrigatório semelhante ao modelo norueguês, em que os homens dão chamados para um exame quando completam 19 anos, mas apenas uma pequena percentagem é recrutada para o exército.

“Creio que uma nação que precisa de se tornar mais resiliente em tempos como estes terá um nível de consciência mais elevado”, defendeu Kaack.

Segundo o jornal britânico The Guardian, o Governo de Olaf Scholz, para o qual crescente debate é uma dor de cabeça, tem tentado deitar água fria sobre o debate.

“Todos os nossos esforços têm de se concentrar no reforço da Bundeswehr como um exército altamente profissional”, sublinhou o ministro das Finanças, Christian Lindner, ao Süddeutsche Zeitung, que descreve o debate como “uma disputa fantasma”.

Na segunda-feira, Steffen Hebestreit, porta-voz do Governo, descreveu o debate como “absurdo”, acrescentando que transformar a Bundeswehr de recrutas num exército profissional “não poderia ser invertido de um momento para o outro”.

O debate sobre o regresso do serviço militar obrigatório surgiu depois de uma entrevista de Boris Pistorius, o ministro da Defesa que tomou posse no passado mês, ter considerado que tinha sido um erro eliminar gradualmente o recrutamento há mais de uma década. De 1956 até 2011, os homens alemães eram obrigados a realizar o serviço cívico obrigatório ao completarem 18 anos, tendo os que não queriam servir no exército a opção de realizar o Zivildienst (serviço comunitário renumerado) em instituições cívicas, tais como hospitais ou lares para idosos.

Após a queda do muro de Berlim em 1989, os requisitos com o exército foram reduzidos. Com o Governo de Angela Merkel os dois serviços foram suspensos em 2011, apesar de existir uma cláusula na Lei Básica Alemã que permite ao Estado convocar homens para as Forças Armadas.

Recentemente, oficiais do exército queixaram-se de dificuldades para preencher as fileiras de uma Bundeswehr que não tem mais de 183 mil operacionais. Já as instituições sociais lamentam a falta de jovens trabalhadores de cuidados de saúde para os quais a Zivildienst era uma porta aberta para o setor.

Quando Pistorius descreveu a eliminação progressiva como um erro, referia-se explicitamente não à ameaça por um Estado russo agressivo, mas à aceitação social das Forças Armadas na sociedade alemã. “Antigamente havia um recruta em cada mesa da cozinha. O que significava que havia sempre uma ligação à sociedade civil em geral”, afirmou o ministro da Defesa na entrevista ao Süddeutsche Zeitung.

Citando ataques a bombeiros e a agentes da autoridade, Pistorius afirmou que “parece que o povo perdeu a consciência de que eles próprios fazem parte do Estado e da sociedade. Assumir a responsabilidade por um determinado período pode abrir os olhos e os ouvidos sobre o assunto”.

O regresso do serviço militar obrigatório exigiria que o Estado gastasse milhões de euros para reconstruir e melhorar os quarteis e comprar armas e equipamento para treino,
até porque o número de recrutas elegíveis seria maior do que o ano passado e, tal como a Noruega, uma versão moderna do recrutamento militar teria provavelmente de se aplicar a ambos os sexos.

Uma vez que os exércitos modernos exigem pessoal treinado com material militar cada vez mais complexo, os recrutas que servissem durante alguns meses seriam pouco úteis.

“Os russos liderariam uma guerra diferente conta nós”, afirmou Carlo Masala, professor de política internacional na Universidade de Bundeswehr, em Munique, e um notável cético em relação ao recrutamento. “Não são necessários exércitos de massas, é preciso profissionais com excelente formação”.
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