Ponte do Rio Grande no Texas abriga mais de 10.000 migrantes sobretudo do Haiti

por Graça Andrade Ramos - RTP
Mais de 10 mil migrantes haitianos juntaram-se entre 16 e 17 de setembro de 2021 sob a ponte de Del Rio, sobre o Rio Grande, na fronteira entre o México e o Estado norte-americano do Texas Reuters

É mais uma dor de cabeça humanitária e um desafio político para a Administração Biden. Fontes do departamento de Segurança Interna confirmaram a presença de mais de 10.000 migrantes acampados em condições precárias junto à ponte internacional Del Rio no sul do Texas, na fronteira com o México. Mais são esperados nos próximos dias.

O presidente da câmara de Del Rio, Bruno Lozano, disse à agência Reuters que o número de migrantes sob a ponte explodiu de cerca de dois a cinco mil quinta-feira, para 8.200 na manhã seguinte e 10.503 à tardinha. Espera-se que ultrapasse os 11.000 sexta.feira. A maioria são homens mas na multidão há igualmente mulheres, algumas com crianças de colo ou a amamentar bebés.

Os agentes da guarda fronteiriça norte-americana estão a tentar conter o fluxo. A maioria dos migrantes provém do Haiti, em fuga da instabilidade política que levou ao assassínio do Presidente, da pobreza endémica e dos problemas causados por um sismo de magnitude 7.2 seguido de uma tempestade, ambos há cerca de um mês.

Aos haitianos juntaram-se cubanos, venezuelanos e nicaraguenses. A maioria dorme no chão ao relento, sob cobertores finos, alguns ergueram tendas. Quase ninguém tem comida.

A Reuters viu centenas de migrantes a errar ao longo das águas rasas do Rio Grande, que separa os dois países, para ir comprar ao lado mexicano víveres e outros bens essenciais que não encontram do lado americano.

As autoridades dos Estados Unidos providenciaram refeições quentes na quinta-feira à noite mas nem todos os migrantes tiveram acesso.

Para os próximos dias as temperaturas deverão permanecer nos 38 graus.

Em comunicado, a Guarda Fronteiriça dos EUA revelou que está a reforçar o pessoal na área de Del Rio e a fornecer água potável, leite para bebés, toalhas e casas-de-banho portáteis, enquanto processa a multidão e prepara transporte para levar os migrantes até instalações em solo americano.
Pistas via WhatsApp
Ninguém tem estado a ser testado à Covid-19 a não ser que apresente sintomas.

Em agosto havia apenas uma centena de migrantes a dormir sob a mesma ponte.
Na altura, repórteres da NBC questionaram Raul Ortiz, vice-diretor da patrulha fronteiriça, porque não estavam a ser os migrantes testados para o coronavírus.

Ortiz afirmou que organizações não-governamentais testam os migrantes quando estes abandonam a custódia dos serviços de fronteira. “Como podem ver, já estamos sobrecarregados aqui”, explicou.

Em escassas três semanas o drama tornou-se um pesadelo logístico, com o local a transformar-se no objetivo a atingir para milhares de migrantes. Vários haitianos revelaram ter seguido indicações, divulgadas via WhatsApp por concidadãos, sobre estradas e caminhos seguros mas não vigiados pelas autoridades mexicanas. James Pierre, de 28 anos, entrevistado em Del Rio, partilhou com a Reuters a lista do WhatsApp, que inclui 15 paragens em todo o México, até chegar a Ciudad Acuña, do outro lado o rio.

A lista tem estado a circular entre os migrantes, afirmou um deles. “Os que foram à frente mandaram indicações por telemóvel. Eu ajudei pessoas que vinham depois de mim”, admitiu à agência de notícias. Apesar das pistas, o haitiano disse que se perdeu e andou nas montanhas vários dias, sobrevivendo com pouco mais do que água e fruta.

Em maio, a Administração Biden concedeu aos haitianos já a viver nos EUA um Estatuto de Proteção Provisória, devido à precaridade da situação política e económica e aos desastres naturais que têm assolado o Haiti. A decisão não abrange os que chegaram entretanto.

A Agência de Migração norte-americana já começou a deportar haitianos de regresso ao Haiti, sob uma chuva de críticas de advogados dos direitos humanos, que reivindicam a oportunidade de asilo nos Estados Unidos enquanto perdurar a instabilidade no país de origem.
Mais de 10 mil migrantes haitianos juntaram-se entre 16 e 17 de setembro de 2021 sob a ponte de Del Rio, sobre o Rio Grande, na fronteira entre o México e o Estado norte-americano do Texas Foto - Reuters
Mais de 10 mil migrantes haitianos juntaram-se entre 16 e 17 de setembro de 2021 sob a ponte de Del Rio, sobre o Rio Grande, na fronteira entre o México e o Estado norte-americano do Texas Foto - Reuters
Mais de 10 mil migrantes haitianos juntaram-se entre 16 e 17 de setembro de 2021 sob a ponte de Del Rio, sobre o Rio Grande, na fronteira entre o México e o Estado norte-americano do Texas Foto - Reuters
Mais de 10 mil migrantes haitianos juntaram-se entre 16 e 17 de setembro de 2021 sob a ponte de Del Rio, sobre o Rio Grande, na fronteira entre o México e o Estado norte-americano do Texas Foto - Reuters
Biden sob chuva de críticas
Do outro lado da barricada estão os que defendem a intransigência migratória imposta durante a Administração Trump, contra as políticas mais acolhedoras por razões humanitárias decretadas pelo Presidente Joe Biden, do Partido Democrata, empossado há escassos nove meses. O senador do Texas, Ted Cruz, do Partido Republicano, não tem dúvidas que a solução de Biden está errada e apenas atrai mais migrantes. “Quando se têm fronteiras abertas, é isto que sucede. Isto não é humanitário, isto não é compassivo”, afirmou num vídeo gravado quinta-feira sob a ponte, junto aos migrantes, publicado na rede Twitter.

Greg Abbott, governador do Texas e outro republicano, anunciou também num tweet quinta-feira que vai assinar legislação a reforçar a vigilância da fronteira com fundos estatais orçados em três mil milhões de dólares.

A sua administração tem estado a deter migrantes por invasão e planeia erguer o seu próprio muro na fronteira depois de Biden ter parado o projeto favorito de Trump. “Estamos a tentar resolver o fracasso de Biden”, tweetou.

Em agosto, as autoridades norte-americanas prenderam mais de 195 mil migrantes na sua fronteira do sudoeste, de acordo com dados federais publicados quarta-feira. Foi uma ligeira diminuição face aos mais de 20 mil detidos em julho. A maioria deverá ser deportada.

Apesar de reverter muitas das políticas migratórias de Trump, Joe Biden manteve uma, decretada pelo Centro de Prevenção e Controlo de Doenças no início da pandemia de Covid-19, em 2020, a qual tem permitido à Administração expulsar rapidamente milhares de migrantes que tentaram entrar ilegalmente no país.

Membros do Partido Democrata e grupos de apoio aos migrantes denunciam a legislação, por considerarem que impede os migrantes de aceder ao asilo de forma legal. Quinta-feira um juiz federal decretou que as famílias não serão abrangidas, uma decisão que poderá entrar em vigor dentro de 14 dias se a Administração Biden não apelar.
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