Quem é quem no escândalo de corrupção da FIFA

O processo eleitoral da FIFA que decorre esta sexta-feira, em Zurique, é o mais tenso de sempre na história do organismo máximo do futebol. No olho do furacão está Joseph Blatter, de 79 anos, timoneiro da FIFA desde 1998, que vai a votos para a conquista de um quinto mandato de quatro anos. Embora não esteja, aparentemente, envolvido nos processos levantados pelas autoridades suíças e norte-americanas, muitas são as vozes que se apressaram a exigir-lhe a renúncia.

Andreia Martins - RTP /
Arnd Wiegmann, Reuters

No mesmo dia em que as autoridades norte-americanas e helvéticas trouxeram a público as inquirições paralelas que investigam casos de suborno e branqueamento de capitais entre os principais dirigentes da FIFA, federações de futebol, marcas e patrocinadores associados à organização reagiram das diversas formas possíveis: silêncio, votos de confiança ou pressões endereçadas à superintendência no sentido de abandonar a candidatura.  O britânico Daily Mail noticiou entretanto que Joseph Blatter está proibido de sair da Suíça até à conclusão das investigações. O presidente da FIFA pode ser ouvido ainda esta quinta-feira pelas autoridades.

Greg Dyke, representante da Federação Inglesa de Futebol, foi perentório em pedir a demissão imediata de Joseph Blatter e pediu mesmo à UEFA, organismo que coordena o futebol a nível europeu, que fosse tomada uma posição clara nesse sentido.

“Os estragos que este caso trouxe à FIFA são de tal dimensão que não é possível de reconstruir a confiança na FIFA enquanto Blatter continuar à frente da organização”, clamou.

Depois de convocada uma reunião extraordinária com os representantes do futebol europeu ontem à tarde, chega agora a resposta de Michel Platini, que ja tinha apelado ao adiamento das eleições.
O presidente da UEFA revelou, em conferência de imprensa, ter já instado Sepp Blatter a sair de cena. Para o chefe máximo da UEFA "só com uma mudança de presidente haverá uma mudança na FIFA".
"Recreio dos corruptos"
Da Austrália, os representantes do futebol dizem estar a acompanhar de perto os desenvolvimentos do caso. É que o país da Oceânia foi dos que mais criticou a atribuição do Mundial de Futebol de 2022 ao Qatar. A Austrália chegou a estar na votação final, em dezembro de 2010, entre cinco países (com o Qatar, Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão), mas foi eliminada logo na primeira ronda.

“Fomos tratados como imbecis. A Austrália gastou milhares de dólares num concurso onde nunca chegou a ter quaisquer hipóteses, já que a FIFA teria o arranjo preparado, desde o início”, declarou o senador Nick Xenophon.

Já a Confederação Asiática do Futebol confirmou o voto de confiança em Sepp Blatter e o apoio na votação que decorre amanhã em Zurique: “Expressamos a nossa desilusão e tristeza quanto aos acontecimentos de quarta-feira. Mas reiteramos o nosso apoio ao presidente”.

Mas as acusações diretas e ataques a Blatter começaram muito antes do processo que envolve no total 14 acusados, entre dirigentes e parceiros da FIFA, e que levou à detenção de sete das mais poderosas figuras no seio da organização. Nas últimas décadas, repetiram-se as críticas e suspeitas face à mais alta liderança do futebol, nomeadamente nos processos de atribuição dos Campeonatos do Mundo.

Mais recentemente, por ocasião da eleição do novo presidente, Luís Figo e Michael van Praag, presidente da Federação Holandesa de futebol, tinham anunciado a desistência das respetivas candidaturas. Em declarações à Associated Press, o antigo internacional português justificou a que a decisão foi tomada depois de assistir a “episódios consecutivos que deveriam envergonhar qualquer pessoa que deseje que o futebol seja livre, limpo e democrático”.

Dias depois, Diego Maradona publicava um artigo com declarações explosivas acerca de Joseph Blatter e a desordem no seio da FIFA. Numa crítica publicada no britânico The Telegraph, o argentino desabafa: “Nas últimas décadas, o futebol mudou – e não foi para melhor. (…) A FIFA transformou-o num recreio para corruptos”. Sobre Blatter, Maradona compara-o a “um velho chefe da Mafia” que de alguma forma “conseguiu escapar à cadeia”.
Visa, Nike e outros gigantes
Um dos mais importantes patrocinadores da FIFA já ameaçou o fim do contrato caso a organização não seja capaz de “repor rapidamente a reputação dos oficiais e responsáveis detidos”.
  “Estamos profundamente desiludidos e preocupados com os desenvolvimentos de quarta-feira. Esperamos que a FIFA tome uma ação imediata no sentido de explicar estas questões no seio da organização” – Comunicado da VISA

A maior companhia do mundo em crédito e cartões de débito é parceira da FIFA desde 2007 e estendeu recentemente o patrocínio até 2022.

No mesmo sentido, a Coca-Cola diz que as investigações ameaçam “a missão e os ideais dos Mundiais de Futebol, por isso expressamos a nossa preocupação perante estas sérias alegações”. A cadeia McDonald's remete uma reação para mais tarde, mas diz estar a acompanhar os desenvolvimentos.

Os responsáveis da Hyundai Motor e a Brewer Anheuser-Busch InBev, patrocinadores especiais do próximo mundial de futebol, a decorrer na Rússia em 2018, afirmam em comunicado a “extrema preocupação” e pedem ao parceiro que “mantenha os padrões de ética e transparência”.

Para a revelação dos casos de corrupção e subornos, o FBI e as autoridades helvéticas muito contou a colaboração de José Hawilla. O brasileiro de 71 anos é dono da Traffic Group, a maior agência de marketing desportivo da América Latina, e vai devolver 151 milhões de dólares à justiça norte-americana, após ter confessado os crimes de extorsão e lavagem de dinheiro. Por ter colaborado com a justiça norte-americana, Hawilla permanece em liberdade em território dos Estados Unidos, segundo disse o advogado ao jornal brasileiro Folha de São Paulo. A empresa de José Hawilla é proprietária do Estoril-Praia desde 2010.

A Traffic Sports está no centro da polémica que envolve a Nike e a seleção brasileira que está agora no centro da polémica. Segundo o comunicado do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, “uma companhia global de desporto”, que não aparece identificada, pagou 160 milhões de euros em 1996 para ser a patrocinadora exclusiva dos equipamentos da seleção canarinha.

Após a clara referência à norte-americana Nike, a empresa diz que está a colaborar de perto com as autoridades: “A Nike acredita na ética e fair play, nos negócios e no desporto, e opõe-se categoricamente a qualquer forma de manipulação ou suborno”.
Os acusados
Dos detidos ao início da manhã de quarta-feira em Zurique estão alguns dos empresários e responsáveis que ocupam posições de relevo no mundo do futebol e na própria Fédération Internationale de Football Association.

Entre os oito vice-presidentes atuais e antigos do Comité Executivo da FIFA, três são acusados por corrupção e lavagem de dinheiro: Jack Warner, ex-presidente da Comcacaf, Eugenio Figueiredo, que dirigiu a Federação uruguaia para o futebol, Jeffrey Webb, atual líder da Concacaf e o respetivo assistente, Costas Takkas.

Destes, destacam-se Webb, atual vice-presidente e ainda Warner, que terá aceitado um suborno de dez milhões de dólares apoiar, em conjunto com outros dois membros do comité, a candidatura da África do Sul à organização do Mundial de Futebol de 2010. O antigo vice-presidente passou a noite de quarta-feira numa prisão, em Trinidad.


Oito dos nove oficiais da FIFA acusados de corrupção. Da esquerda para a direita: José Maria Marin, à frente do futebol brasileiro e parte do comité olímpico para o futebol, Rafael Esquivel, presidente da Federação da Venezuela, Eduardo Li, antigo presidente da Federação da Costa Rica, Nicolas Leoz, antigo presidente da CONMEBOL
Em baixo: Julio Rocha, antigo presidente da UNCAF. Eugenio Figueredo, vice-presidente da FIFA e antigo presidente da Federação do Uruguai, Jack Warner, envolvido até 2011 na organização dos campeonatos mundiais de futebol e, finalmente, Jeffrey Webb, atual vice-presidente da FIFA e chefe máximo da CONCAF. O assistente de Webb, Costas Takkas, está também entre os acusados  - Reuters


Abaixo da hierarquia da FIFA estão outros atuais e antigos responsáveis também condenados, nomeadamente José Maria Marin, atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Nicolás Leoz e Eduardo Liz, representantes do Paraguai e Costa Rica, envolvidos em negócios e subornos com companhias de marketing e direitos de transmissão da Copa América. Neste ponto, em muito ajudou a colaboração estreita com “Chuck” Blazer, o representante dos Estados Unidos na CONCACAF.

Blazer era desde 2013 um informador privilegiado dos investigadores federais, depois de ter sido apanhado em escândalos de fugas fiscais. Para escapar ao cumprimento de uma pesada pena, o antigo número dois da CONCAF forneceu documentos importantes que comprovavam as acusações.
O papel dos Estados Unidos
Um dos traços marcantes das investigações em curso é mesmo a mão pesada das autoridades norte-americanas numa organização que controla um desporto com pouca tradição no país. A verdade é que o envolvimento dos Estados Unidos decorre não apenas do facto de algumas operações de lavagem de dinheiro e extorsão terem ocorrido em solo americano. Começou em Michael Garcia, um antigo procurador de Nova Iorque, contratado pela FIFA para liderar uma investigação de 19 meses, terminada em setembro do ano passado, sobre a atribuição dos próximos mundiais de futebol à Rússia e Qatar.

O relatório de 350 páginas foi alegadamente censurado pela FIFA, que o reduziu a um documento sumário de 42 páginas. Garcia afirmou categoricamente que as alterações promovidas eram “erróneas”.

O atual diretor do FBI, James Comey, tinha antes desempenhado funções como procurador de Nova Iorque e terá obtido informações diretas para a investigação que acompanhou durante três anos.

Outra peça fundamental para a condução das investigações foi Loretta Lynch, que desempenhava até ao mês passado as funções de procuradora no distrito de Nova Iorque e que chegou em abril a posição máxima no Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Enquanto a FIFA foi célere no encerramento do caso, o FBI procedeu à averiguação das conclusões de Michael Garcia e procurou com os próprios meios confirmar que os subornos e branqueamento de capitais tinham ocorrido em solo norte-americano, explica a CNN. 

O editorial desta quinta-feira do New York Times realça com ironia o papel dos Estados Unidos na investigação: “A FIFA, órgão que governa o futebol global, sempre quis que a América estivesse mais envolvida no desporto que representa. Pelos vistos, conseguiu”.
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