Querelas deixam Conferência de Copenhaga à beira do fiasco

Discussões de procedimentos, descontentamento com a organização e divergências entre países industrializados e emergentes são os ingredientes do caldo de obstáculos põe em causa o objectivo da Conferência de Copenhaga - limitar o aquecimento global a dois graus até 2050. Os dirigentes chamados à Dinamarca começam a admitir que "não há garantia de sucesso".

RTP /
"As negociações estão em crise", resumia na quarta-feira a ONG Climate Action Network International Kay Nietfeld, EPA

Os grupos de trabalho da XV Conferência das Partes (COP15) da Convenção-Quadro da ONU sobre as Alterações Climáticas "desperdiçaram praticamente dois dias de negociações". Quem o afirma é a secretária de Estado da Ecologia de França. E as palavras de Chantal Jouanno começam a ser repercutidas em várias capitais.

Na quarta-feira, já em tom de dramatização, o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, recusava-se a "encarar" o cenário de "um fracasso" que seria "catastrófico" para o planeta. A poucas horas de partir para Copenhaga, a chanceler alemã disse esta quinta-feira ao Parlamento que os compromissos dos países mais industrializados para os cortes nas emissões de gases com efeito de estufa continuam a ser insuficientes. Angela Merkel isolou a Administração norte-americana no exercício de distribuição de culpas: "As notícias que temos vindo a receber não são boas. Devo dizer, muito honestamente, que a oferta dos Estados Unidos para uma redução em quatro por cento, face aos níveis de 1990, não é ambiciosa".

Em Copenhaga, ninguém se entende. Se os países mais prósperos divergem entre si, as grandes economias em desenvolvimento, com a Índia e o Brasil à cabeça, não querem ouvir falar de uma estratégia que aborde as alterações climáticas sem resgatar milhões de pessoas à pobreza. A China, responsável pelo maior volume de emissões de gases poluentes, acusa mesmo os anfitriões dinamarqueses de terem ignorado as conclusões dos grupos de trabalho ao preparar a última versão do texto das negociações. O processo, acusou o negociador chinês Su Wei, "não é transparente": "Não se pode simplesmente avançar com um texto caído do céu".

Contra-relógio

As delegações dos 193 países representados na COP15 tentam agora impedir o descalabro de um processo de conversações globais que se arrasta há dois anos e que deveria receber na sexta-feira as assinaturas de 120 chefes de Estado e de governo, na presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Por ora, nenhum dos líderes políticos emprega o termo "impossível". Mas já há quem reconheça que "não há qualquer garantia de sucesso". É o caso do primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, para quem o "passo de caracol" faz parte da "natureza deste tipo de negociações". Sem empregar a mesma fórmula, a própria Casa Branca trata de arrefecer as expectativas - o gabinete de Barack Obama "espera" que a deslocação do Presidente dos Estados Unidos a Copenhaga, na sexta-feira, "seja útil".

"As negociações estão em crise. Estamos muito preocupados com o rumo que estas discussões estão a tomar", resumia ontem a Climate Action Network International, uma das organizações não-governamentais que acompanham os trabalhos da Conferência de Copenhaga.

No plano dos compromissos financeiros - e com países como o Brasil e a Indonésia em mente -, Austrália, França, Japão, Noruega, Reino Unido e Estados Unidos garantiram nas últimas horas uma verba de 3,5 mil milhões de dólares, a desbloquear nos próximos três anos, para "travar e, se possível, inverter a desflorestação nas nações em desenvolvimento". Responsável por um quinto das emissões poluentes, à frente do sector dos transportes, a desflorestação avança a um ritmo de quase 15 milhões de hectares por ano.

Por outro lado, o Japão compromete-se a afectar, até 2012, 19,5 mil milhões de dólares em fundos públicos à ajuda aos países mais afectados pelos efeitos do aquecimento global.

Flexibilidade e descrença

Num sublinhado do que está em jogo na recta final da COP15, os países africanos reduziram, entretanto, as suas exigências de apoio financeiro no quadro do combate às mudanças climáticas. Durante uma sessão plenária, o primeiro-ministro etíope lançou um número para a mesa das negociações: 100 mil milhões de dólares por ano a partir de 2020.

"É pelo facto de termos mais a perder do que os outros que devemos estar preparados para nos mostrarmos flexíveis e atalhar um pouco mais de caminho para satisfazer os outros", sublinhou Meles Zenawi.

Enquanto os países da União Africana revêem as suas aspirações em baixa, a delegação chinesa dá mostras de querer atirar a toalha ao chão, a fazer fé nas declarações de um negociador citado pela Reuters. A coberto do anonimato, o responsável indicou que Pequim já fez saber que não vê qualquer janela de oportunidade para a aprovação de um acordo detalhado em Copenhaga, sugerindo, em alternativa, a redacção de uma "curta declaração política". Oficialmente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China afirma esperar que "a reunião de Copenhaga seja bem sucedida", acrescentando que o Governo de Wen Jiabao "teve sempre uma atitude construtiva".

Enquanto as delegações trabalham em contra-relógio, a polícia dinamarquesa continua a reprimir todos os protestos nas imediações do Bella Center. Na quarta-feira foram detidas mais 250 pessoas. Autorizadas a proceder a "detenções preventivas", as forças de segurança já interpelaram 1.700 pessoas desde o início da COP15, a 7 de Dezembro.

PUB