Reação a invasão `bolsonarista` em Brasília é mais severa que resposta contra `trumpistas` no Capitólio

por Lusa

Um mês após `bolsonaristas` atacarem a capital do Brasil, procurando concretizar um golpe de Estado contra o Presidente Lula da Silva, as reações das autoridades brasileiras têm sido mais severas do que as respostas dadas aos invasores do Capitólio nos Estados Unidos.

Segundo quatro advogados criminalistas consultados pela Lusa, embora Brasil e Estados Unidos tenham sistemas de justiça distintos, no país sul-americano a reação aos ataques realizados pelo apoiantes do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro que em 08 de janeiro está a ser mais rápida do que a reação da justiça norte-americana à invasão do Congresso promovida por seguidores do ex-presidente Donald Trump.

"As medidas aqui tiveram que ser mais contundentes e fortes [no Brasil] porque enquanto nos Estados Unidos nunca houve um golpe de Estado, culturalmente isto é inadmissível, aqui no Brasil nós temos uma história de golpes de Estado," explicou Fernando Augusto Fernandes, advogado criminalista e cientista político.

"Fora isso, houve [no Brasil] a possibilidade de corrosão das instituições, que foi muito mais grave", acrescentou.

O advogado criminal Conrado Gontijo concorda com a decisão do Governo brasileiro de fazer uma intervenção no sistema de segurança do Distrito Federal e o afastamento do governador do mesmo estado, Ibaneis Rocha, determinado pelo Supremo Tribunal Federal, somados às investigações da Polícia Federal.

"As autoridades públicas incumbidas da responsabilização dessas pessoas também agiram e vêm agindo de forma bastante firme. A Polícia Federal, no dia seguinte, efetuou diversas prisões e vem ainda durante esses últimos dias, realizando diligências de investigação para identificar outras pessoas que participaram dos ataques dos atos de destruição, mas que não foram presos naquela ocasião", frisou Gontijo.

"Ao longo dos últimos dias, temos observado a realização de diversas etapas de uma operação [da Polícia Federal] batizada de Lesa Pátria no âmbito da qual essas pessoas têm sido presas, identificadas. Há também uma preocupação muito grande de identificação dos financiadores, dos patrocinadores desses atos (...) no plano criminal, a Justiça tem funcionado de forma bastante célere e eficiente", acrescentou.

O Supremo Tribunal Federal (STF), que teve sua sede vandalizada pelos `bolsonaristas` assim como a Presidência e o Congresso brasileiro informou, num balanço final divulgado em 20 de janeiro, que realizou 1.459 atas de audiência relativas a 1.406 apoiantes do ex-presidente que foram presos em Brasília depois dos atos de 08 de janeiro.

No total, 942 presos tiveram a detenção em flagrante convertida em prisão preventiva e 464 vão responder ao processo em liberdade.

Dois dias depois dos ataques, a Polícia Federal brasileira libertou cerca de 600 pessoas presas (mulheres, crianças e idosos) acusadas de participarem nos atos antidemocráticos.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) brasileira informou no sábado que pelo menos 653 suspeitos de participarem dos atos em 08 de janeiro já foram denunciados à Justiça.

Segundo um balanço divulgado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, mais de 950 pessoas, das mais de três mil apoiantes do ex-presidente Donald Trump foram presas desde a invasão do Capitólio ocorrida em 06 de janeiro de 2021.

 Deste total, 350 pessoas foram sentenciadas, e quase 200 receberam penas de prisão. Além disso, 484 participantes no ataque a sede do Congresso norte-americano admitiram culpa e iniciaram acordos judiciais, algo que não sucedeu no Brasil, segundo o criminalista Diego Henrique.

"Pelo que eu tive notícia o Ministério Público Federal através da Procuradoria-Geral da República não está oferecendo acordo de não persecução penal [confessar crime em troca de atenuar a pena] sob a justificativa de que não se pode tergiversar sobre crime de tamanha gravidade porque [os bolsonaristas] atentaram contra um bem jurídico muito importante, que é a estabilidade do Estado Democrático de Direito", contou.

Henrique também lembrou que a Polícia Federal brasileira tem feito as investigações para identificar essas pessoas envolvidas nos ataques, que a Procuradoria-Geral da República criou um grupo especializado dedicado.

"O Poder Judiciário tem tomado as decisões sobre o caso sempre que provocado. Então, essas declarações de operação têm sido feitas medidas de busca e apreensão, decretação de prisões preventivas. A resposta do sistema punitivo foi muito eficiente", avaliou o advogado.

"Nos Estados Unidos eu tenho a impressão, aqui, já fazendo paralelo, de que a situação foi parecida. Lá há um contingente maior de pessoas que estão respondendo a procedimentos criminais porque os factos são mais antigos e houve maior tempo para investigação e identificação dessas pessoas. Aqui [no Brasil] acho que o caminho será similar. Há ainda um processo de investigação em curso para que a maior quantidade possível desses criminosos seja identificada e, a partir disso, o processo deve tramitar de forma regular, respeitados os direitos de todas essas pessoas ao devido processo legal ou ampla defesa", completou.

Segundo uma sondagem divulgada no começo de fevereiro pelo Poder Data, que ouviu 2.500 pessoa, mais da metade dos entrevistados (53%) considerou que a prisão dos `bolsonaristas` que participaram das manifestações em Brasília foi certa.

 Para 31%, só as prisões daqueles que foram identificados praticando vandalismo durante os atos de 8 de Janeiro foram corretas, 12% alegaram não saber responder enquanto 4% disseram que as prisões foram erradas.

Embora a maior parte da opinião pública e grande parte dos juristas interpretem a resposta das autoridades brasileiras aos ataques como severa, mas correta, também há no meio jurídico críticas às prisões dos `bolsonaristas` que participaram dos atos de 08 de janeiro.

A advogada constitucionalista Vera Chemin também considera que houve excesso nas prisões, tendo em conta o pouco tempo de investigação, e não é ainda possível se todos os detidos estiveram diretamente envolvidos no vandalismo de espaços públicos, porque as prisões foram feitas um dia depois dos ataques.

A advogada considerou que o movimento `bolsonarista` exercia seu direito a liberdade de reunião e expressão quando estavam na frente do quartel de forma pacífico sem enfrentar oposição clara do Exército até os ataques em Brasília.

"Nos Estados Unidos [após invasão do Capitólio] as pessoas que foram indiciadas e que já foram até sentenciadas foram obviamente enquadradas em determinados crimes por meio de vídeos que comprovaram quem cometeu ato ilícito, quais eram estas pessoas, se cometeram atos de violência (...) No Brasil os vídeos da mesma maneira comprovam quem ou quais foram aquelas pessoas que realmente cometeram atos de violência, quebraram vidros, invadiram prédios, depredaram património publico", ponderou.

"Estes vídeos, claro, possibilitam investigação, uma futura denúncia e um futuro enquadramento seja [na esfera] civil ou criminal, mas penso que houve um exagero no caso brasileiro (...) aquele exército de pessoas que estavam lá no acampamento foi detido de forma generalizada. Não foram criados critérios seletivos para determinar se todas aquelas pessoas realmente deveriam ser presas em flagrante. Foram confinadas como se fossem uma boida [conjunto de bois] sem qualquer estrutura física de apoio. Esta é a minha restrição", concluiu a advogada.

 

 

 

 

 

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