Reconstrução do Museu Nacional do Rio de Janeiro vai ao Congresso Mundial de Arquitetos

por Lusa
Reuters

A reconstrução do Museu Nacional do Rio de Janeiro, destruído por um incêndio em 2018, que será reerguido "de forma diferente", será abordada pelo arquiteto brasileiro Pablo Hereñú nas `ArchiTalks` deste mês do Congresso Mundial de Arquitetos.

Em entrevista à agência Lusa, Pablo Hereñú, que coordena o desenvolvimento do projeto de reconstrução do Museu através do consórcio H+F Arquitetos e Atelier de Arquitetura e Desenho Urbano, destacou que abordará ainda nas `ArchiTalks` a recuperação do Museu do Ipiranga, em São Paulo.

"Vamos propor uma discussão e reflexão a partir de duas experiências de trabalho. São dois projetos de restauro, recuperação, modernização e ampliação de museus históricos: o Museu do Ipiranga, em que trabalhamos desde 2017 e que se encontra em construção, com data de inauguração para setembro de 2022, para a celebração do bicentenário da Independência do Brasil", disse.

"E o Museu Nacional, que é um projeto ainda numa fase de estudo preliminar. Ambos nos foram atribuídos [consórcio H+F] em concursos. A ideia é traçar uma série de pontos de contacto entre as duas experiências, as especificidades de cada uma, e fazer uma reflexão a partir desses dois casos", detalhou Hereñú, à agência Lusa, sobre a sua participação no Congresso Mundial de Arquitetos.

No início deste ano, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) anunciou a atribuição do restauro do Museu Nacional ao consórcio H+F Arquitetos, que ficou responsável pela elaboração do projeto que engloba estudos arquitetónicos, de legislação, fluxos de circulação, sustentabilidade, acessibilidade, segurança e conforto ambiental, entre outros.

Pablo Hereñú disse à Lusa que o consórcio, do qual é sócio, se encontra a tratar de todo o espaço interno do Museu e das modificações internas no edifício anexo, que vão passar por uma "grande transformação".

Contudo, o arquiteto detalhou que, depois de feito o "luto" pela tragédia que se abateu sobre o Museu Nacional do Rio de Janeiro, é necessário "fazer um esforço para ver" uma série de oportunidades que surgiram das cinzas.

"O que ocorreu com o Museu Nacional foi uma grande tragédia, que implicou uma perda muito importante do seu acervo e do edifício, mas, feito esse luto, é importante fazer um esforço para ver quais são as oportunidades de reconstrução. Porque mais do que um restauro, trata-se mesmo de uma reconstrução, porque os espaços internos foram integralmente perdidos", avaliou.

Nesse sentido, o arquiteto destacou algumas oportunidades que identificou, como a possibilidade de uma reconstituição histórica muito mais precisa daquilo que o edifício passou ao longo dos últimos 200 anos.

"O incêndio removeu todas as camadas internas de revestimento. Então, as alvenarias, que são em pedra e tijolo, ficaram expostas, e como o edifício passou por inúmeras transformações desde a primeira residência, no início de 1800, todas as transformações feitas ao longo de 200 anos, como reformas, demolições e ampliações, passaram a ser visíveis", explicou.

"Agora, temos uma espécie de raio-x de tudo o que foi feito de intervenções ao longo do tempo e que está possibilitando uma reconstituição histórica muito mais precisa, uma leitura dos momentos", frisou.

Perante essa oportunidade, Hereñú revelou que será um desafio definir como mostrar e revelar ao público essas transformações agora visíveis.

"São desafios saber como acrescentar isso à experiência deste novo Museu que está a ser construído, qual o processo de escolha e qual a versão destes 200 anos de história que será reconstruída", sublinhou o arquiteto, acrescentando que a forma como o edifício se apresentava exatamente antes do incêndio "talvez não seja a configuração mais interessante".

O Museu Nacional do Rio de Janeiro perdeu praticamente todo o seu património histórico, científico e cultural na sequência de um incêndio, que teve origem num aparelho de ar condicionado, em setembro de 2018, e que a Polícia brasileira concluiu ter sido acidental.

"Esse processo de escolha do que reconstruir, o que relevar, é talvez um dos grandes desafios, justamente porque não existe uma configuração original a ser restaurada. Ele foi tão modificado, e são tantos tempos diferentes ali registados que se trata de um processo de escolha mesmo", disse o brasileiro.

"Depois desse trauma e de todo o investimento que está a ser feito na reconstrução, nós queremos devolver para a sociedade algo que não será igual, nem melhor, nem pior: será diferente. Ele terá outras qualidades. A ideia é devolver um Museu que esteja à altura dessa história, mas que será, necessariamente, diferente", reforçou.

Apesar de qualquer que seja a configuração escolhida, o arquiteto garantiu que uma das principais premissas deste projeto é tentar que a tragédia não se repita.

"Todos os meios técnicos para prover mais segurança em qualquer eventualidade estão a ser implementados, seja de segurança para combate a incêndios, segurança dos utilizadores, melhorando o sistema de fuga, que era bastante ruim. Está a ser feito o que está ao nosso alcance para minimizar os riscos de um novo desastre como o que ocorreu", sustentou.

Fundado pelo rei João VI, de Portugal, o Museu Nacional do Rio de Janeiro era o espaço museológico mais antigo e um dos mais importantes do Brasil. Estava instalado no antigo Palácio de São Cristóvão, de inspiração neoclássica, que foi residência da coroa no Rio de Janeiro.

A semelhança do seu projeto inicial ao desenho original do Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, numa "versão" mais pequena, tem levado investigadores a admitir a possibilidade de partilharem o mesmo autor, o arquiteto José da Costa e Silva, que se juntou à casa real portuguesa, no Brasil, durante as invasões francesas. O Teatro Nacional de S. Carlos é outro dos projetos assinados por Costa e Silva.

Das peças do acervo Museu Nacional do Rio de Janeiro constavam a coleção egípcia, que começou a ser adquirida pelo imperador Pedro I, e o mais antigo fóssil humano encontrado no país, batizado de "Luzia", com cerca de 11.000 anos.

Entre os milhões de peças que retratavam os 200 anos de história brasileira estavam, igualmente, no Museu Nacional, um diário da imperatriz Leopoldina e um trono do Reino de Daomé, dado em 1811 ao príncipe regente português João, futuro rei João VI.

A quarta semana aberta do 27.º Congresso Mundial de Arquitetos, no Rio de Janeiro, está a decorrer desde a passada segunda-feira. O evento foi organizado pela primeira vez no Rio de Janeiro, embora decorrendo de forma totalmente virtual, com mesas de debates, palestras e outras atividades que acontecem desde março e se estendem até julho.

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