Rei da Arábia Saudita abre uma frincha à normalização de relações com Israel

por RTP
O Rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz, em julho, durante uma reunião virtual com o seu Governo Reuters

"Apoiamos os esforços da atual Administração norte-americana para alcançar a paz no Médio Oriente", afirmou o Rei Salman bin Abdulaziz, da Arábia Saudita, na sua mensagem enviada à Assembleia Geral das Nações Unidas, durante a qual atacou violentamente o Irão.

Na semana passada, Israel assinou acordos de paz e de cooperação com duas nações árabes, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, sob o beneplácito do Presidente Donald Trump. A cerimónia decorreu na Casa Branca.

Trump prometeu na ocasião que outros acordos semelhantes estariam na forja, incluindo com os palestinianos.

Esta quarta-feira, o monarca saudita anunciou explicitamente que apoia estes acordos, os primeiros a serem assinados entre Israel e Estados árabes, em quase 30 anos, depois do reconhecimento da Jordânia em 1994.

Até agora, a assinatura destes apenas indicava o acordo tácito de Riade.

Para temperar especulações, Salman bin Abdulaziz acrescentou logo depois que o reino saudita permanece comprometido com a iniciativa árabe de paz, de 2002, que incentivou e patrocinou.

Esta oferece o reconhecimento a Israel, mas apenas se este se retirar dos territórios que ocupou desde 1967, e se aceitar o estabelecimento de um Estado palestiniano com Jerusalém leste como capital. Jerusalém e a sua mesquita de al-Aqsa são locais sagrados para o Islão.

O monarca saudita falou da Iniciativa de Paz Árabe de 2002 como a base para "uma solução justa e abrangente" para o conflito israelo-palestiniano e considerou os esforços recentes dos EUA uma ocasião de fazer ambas as partes voltarem a conversar para alcançar a paz.

"Apoiamos os esforços da da atual Administração norte-americana para alcançar a paz no Médio Oriente, ao trazer os palestinianos e os israelitas para a mesa das negociações tendo em vista alcançar um acordo justo e mais abrangente", afirmou Salman bin Abdulaziz.
Contra o Irão
A aliança israelo-árabe está a formar-se como barreira ao avanço do Irão, a primeira potência mundial do xiismo, corrente ideológica que disputa a influência sobre o Islão com o sunismo, liderado pela Arábia Saudita.

O Governo dos ayatollahs, que combate desde 1979 os interesses norte-americanos no Médio Oriente, é acusado de estar a desenvolver armas nucleares pelos Estados Unidos e por Israel. Apesar de o negar, o Irão foi submetido durante anos a um regime de sanções que o isolou na cena internacional.

Em 2015, um acordo no qual se comprometeu a abicar de conseguir combustível atómico para armamento, reabriu o contacto com países e empresas. A ascensão de Donald Trump à presidência ameaçou esta abertura, quando o novo homem forte norte-americano acusou Teerão de violar o acordo nuclear e acabou por denunciar o documento.

Os aliados tradicionais dos EUA contra o Irão não têm seguido Trump nesta demanda e recusaram mesmo seguir Washington na aplicação de novas sanções ao Irão. O Presidente norte-americano conta apenas agora com o apoio dos seus aliados árabes e dos israelitas.
Para Israel, é a própria sobrevivência que se joga. Enquanto os países árabes do Golfo procuraram combater Israel mas acabaram por o aceitar como interlocutor, o Irão jurou erradicar o Estado judeu da face da Terra. Age habitualmente através de grupos que apoia, como o Hamas e o Hezbollah.

Salman bin Abdulaziz fez precisamente do Irão e da sua influência nefasta o mote para o seu discurso nos 75 anos das Nações Unidas.

A República Islâmica tem, acusou, "apadrinhado o terrorismo" e o mundo tem de encontrar uma solução para o problema.

"A nossa experiência com o regime iraniano ensinou-nos que soluções parciais e apaziguamento não detêm as suas ameaças à paz e segurança internacionais", afirmou o Rei Salman.
Crise no Iémen
Riade, acrescentou o líder saudita, tem tentado há várias décadas ter relações amigáveis com Teerão, mas o Irão apenas intensificou as suas "atividades expansionistas" e criou "redes de terror" através do Médio Oriente, tendo espalhado "caos, extremismo e sectarismo".

"São necessárias uma solução abrangente e uma posição internacional firme", opinou o monarca.
Sentado atrás de uma mesa e à frente de uma bandeira do país, o Rei, de 84 anos, leu com alguma dificuldade o seu discurso, sem sequer levantar para a câmara os olhos dos papéis que segurava.
As relações entre as duas potências islâmicas sempre foram tensas. Têm vindo a degradar-se de forma séria desde a ascensão do príncipe herdeiro saudita, Mohamed bin Salman, que veio intensificar e endurecer a estratégia internacional do reino.

Também em 2015, ambas passaram a enfrentar-se militarmente no Iémen, país que faz fronteira com o território saudita, através de grupos étnicos e políticos locais.

Precisamente o Iémen, onde os rebeldes Houthi, apoiados pelo Irão, lutam contra o exército regular iemenita, sustentado logística e operacionalmente por uma força regional liderada pelos sauditas, foi um dos exemplos citado por Salman sobre a má conduta iraniana.

"Continuam a visar os civis no Iémen e no reino" saudita, criticou o monarca, acusando também os Houthi de perturbarem a entrega e distribuição de ajuda internacional, e de recusarem amainar o conflito.

A guerra no Iémen já matou mais de 100 mil pessoas e está a provocar uma crise alimentar sem precedentes.
Desarmar o Hezbolah
O Irão sempre negou acusações de ter realizado ataques a plataformas petrolíferas sauditas o ano passado. Nega igualmente estar a armar os Houthi e outros grupos no Médio Oriente, enquanto responsabiliza os Estados Unidos e os seus aliados no Golfo pelas tensões regionais.Críticos de Riade lembram que os aviões militares sauditas e dos seus aliados dos Emirados também têm bombardeado áreas residenciais no Iémen, assim como hospitais, escolas, funerais e fábricas, nos últimos cinco anos.

Os Houthi têm respondido aos ataques sauditas com o lançamento de mísseis balísticos contra o reino a norte, usualmente intercetados pelos sistemas de defesa sauditas, mas que ocasionalmente causam estragos e vítimas.

Esta quarta-feira Salman bib Abdulaziz prometeu que o reino "não hesitará" na defesa da sua segurança nacional, ao mesmo tempo que anunciava apoiar os esforços das Nações Unidas para alcançar a paz.

A crescente influência das milícias xiitas libanesas do Hezbolah na política interna do Líbano foi igualmente motivo de advertência e de apelo. Salman bin Abdulaziz disse que têm de ser desarmadas e responsabilizou-as pela explosão no porto de Beirute, que destruiu a cidade e matou mais de 200 pessoas.

A deflagração deu-se devido à "hegemonia do Hezbolah sobre os processos decisórios no Líbano por força das armas", acusou. "De forma a que o povo irmão do Líbano alcance as suas aspirações de segurança, estabilidade e prosperidade, esta organização terrorista tem de ser desarmada".

As autoridades libanesas dizem que a explosão foi provocada por toneladas de nitrato de amónio ali armazenadas há seis anos.
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