Os quatro países do Reino Unido vão a votos esta quinta-feira, sob céus carregados e prognóstico reservado. Nunca o Reino se sentiu tão desunido. Admite-se mesmo que a Escócia e a Irlanda do Norte venham a separar-se de Inglaterra e do País de Gales ou a renegociar as suas regras de pertença. O principal problema a resolver é o impasse quanto ao Brexit.
A incerteza tornou-se um verdadeiro nó de forca que estrangula todo o sistema, político e económico.
De acordo com alguns analistas, as últimas sondagens provaram que o
Reino Unido continua dividido mais ou menos a meio, entre os apoiantes e opositores do Brexit e entre os dois
principais partidos - os conservadores roubaram votos ao Partido do Brexit, de Nigel Farage, e os trabalhistas votação aos Liberal Democratas.
A verdade é que os britânicos estão cada vez mais fartos.
Cavalgando a frustração crescente, o primeiro-ministro conservador, Boris Johnson, quis que fossem os 46 milhões de eleitores a legitimar, nas urnas - elegendo uma nova Câmara dos Comuns - a saída da União Europeia por ele negociada em Bruxelas.
O objetivo requer a conquista, por parte dos conservadores de, no mínimo, 326 dos 650 assentos na Câmara dos Comuns.
Se o impasse continuar
O fracasso dessa meta implicará o apoio de outros partidos, seja a Johnson, seja ao segundo nas intenções de voto, o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, forçando negociações que deverão ser demoradas.
E, se as sondagens são favoráveis aos conservadores, a possibilidade de - de novo - ser eleito um Parlamento dividido, permanece real, sobretudo devido à distribuição dos votos nas diferentes áreas constituintes, que pode baralhar as contas.
Neste caso, o impasse irá voltar a atirar o Brexit para data
incerta, se não forçar mesmo a realização de um novo referendo, como pretendem Trabalhistas, Liberal Democratas, Nacionalistas Escoceses, o
Plaid Cymru [nacionalistas do País de Gales] e
os Verdes.
Terceira força nas sondagens, a líder dos Liberal democratas, Jo Swinson, disse durante a campanha que não irá apoiar nem o primeiro-ministro nem o líder trabalhista.
Johnson poderá assim ver-se refém de Nigel Farage e do seu Partido do Brexit, que - como o nome indica - quer sair da UE, sem acordo, nos termos da Organização Mundial do Comércio, e a negociação de um acordo de comércio livre.
Só que Farage quer uma reformulação radical do
sistema político britânico, desde o fim da Câmara dos Lordes, a um novo
sistema de voto que introduza a representação parlamentar proporcional e
uma Constituição
escrita.
Mostra-se ainda visceralmente nacionalista, propondo cortes na imigração para menos de 50.000 pessoas por ano.
A decisão tática de Farage, de não colocar candidatos seus nos círculos abertamente favoráveis aos conservadores, deverá custar-lhe votos preciosos para conseguir púlpito em defesa de outras políticas pós Brexit. Poderá mesmo assim ser suficiente para o partido se tornar fiel da balança.
Apelo ao voto
Boris Johnson não quer ficar dependente de ninguém e muito menos de Nigel Farage.
Deverá conseguir o que quer mas, na véspera do escrutíneo, continuava a apelar ao voto, apesar das sondagens darem a
vitória dos conservadores com uma vantagem de 10 por cento e 339
deputados.Em entrevista à BBC, o primeiro-ministro britânico disse novamente, quarta-feira, que cada voto conta.
"Esta é a eleição mais importante de que me lembro na minha vida política", afirmou Johnson.
"A escolha é "absolutamente gritante".
Talvez para levar mais eleitores britânicos a votar conservador, Johnson
considerou também que a sua reeleição como primeiro-ministro será
"muito, muito à justa".
"Estamos a lutar por cada voto", garantiu.
A obtenção de pelo menos 326 deputados conservadores, iria permitir a
Johnson convocar o novo Parlamento logo para a próxima terça-feira, 17
de dezembro, consagrando a quinta-feira seguinte ao Discurso da Rainha,
para apresentar o programa legislativo numa cerimónia sem grande
protocolo.
Corbyn joga o próprio futuro
Os resultados destas eleições podem ser por outro lado decisivos para o líder do Partido Trabalhista.
Uma das fragilidades de Jeremy Corbyn tem sido a sua recusa em assumir uma posição clara face ao Brexit, tendo-se limitado o partido a bloquear todas as alternativas negociadas entre os conservadores e a União Europeia para uma saída "limpa" do bloco europeu.
Os trabalhistas propõem agora a renegociação do acordo de saída da UE e a sua submissão a referendo, com uma
opção para o Reino Unido permanecer na UE no espaço de seis meses.
À falta de argumentos mais convincentes quanto ao Brexit, a campanha de Corbyn centrou-se nos problemas desencadeados pelo
desinvestimento nos setores públicos que marcaram a última década.
Os últimos dias foram por isso dominados pela recente
fotografia de uma criança deitada no chão à espera de tratamento
hospitalar, que evidenciou as dificuldades enfrentadas pelo serviço nacional de saúde.
Quarta-feira, Corbyn garantiu que a sua "mensagem está a
passar" e apelou aos seus apoiantes para ir de porta em porta durante o
dia eleitoral, "como se a nossa vida dependesse disso".
Jeremy Corbyn é contestado interna e externamente e, apesar de estar a conseguir roubar apoios aos Liberal Democratas, os sinais positivos da sua campanha só surgiram nos últimos dias.
Jeremy Corbyn é contestado interna e externamente e, apesar de estar a conseguir roubar apoios aos Liberal Democratas, os sinais positivos da sua campanha só surgiram nos últimos dias.
Uma perda de deputados poderá bem ditar uma crise de liderança no partido e o afastamento e substituição de Corbyn.
O Brexit e os outros
Terceira força nas intenções de voto, os Liberais Democratas não têm dúvidas quanto à necessidade de revogar o Brexit, ao contrário de Corbyn.
É nessa certeza que joga a sua jovem líder, Jo Swinson, em oposição total aos conservadores. Uma das suas promessas eleitorais é mesmo a revogação dos resultados do referendo.
Entre os restantes partidos, do Partido Nacionalista Escocês aos Verdes e ao Plaid Cymru (partido nacionalista galês), defende-se maioritariamente a realização de um segundo referendo ao Brexit e fazer campanha pela opção para permanecer.
Em caso de vitória de Johnson - e do seu acordo para o Brexit - a saída da União Europeia poderá ter consequências muito sérias para o Reino Unido. Nomeadamente, o seu fim nos termos em que o conhecemos.
Em 2016, a Escócia votou contra o Brexit sem hesitações. Caso este siga
em frente, a possibilidade dos escoceses preferirem terminar a participação
no Reino Unido torna-se muito real.
Também a Irlanda do Norte recusou a saída da União Europeia. Às dificuldades colocadas à circulação de bens com a Irlanda pela saída da UE, soma-se a ameaça do ressurgimento da violência entre católicos e protestantes, em caso de regresso de fronteiras.
São muitos os habitantes da Irlanda do Norte que admitem atualmente uma futura união entre os dois territórios irlandeses, em caso de Brexit, o que levaria o país a deixar o Reino Unido.