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Reino desunido. Britânicos votam sob o signo da incerteza

por Graça Andrade Ramos - RTP
A bandeira do Reino Unido flutua junto às Casas do Parlamento em Westminster, Londres Reuters

Os quatro países do Reino Unido vão a votos esta quinta-feira, sob céus carregados e prognóstico reservado. Nunca o Reino se sentiu tão desunido. Admite-se mesmo que a Escócia e a Irlanda do Norte venham a separar-se de Inglaterra e do País de Gales ou a renegociar as suas regras de pertença. O principal problema a resolver é o impasse quanto ao Brexit.

A incerteza tornou-se um verdadeiro nó de forca que estrangula todo o sistema, político e económico.

De acordo com alguns analistas, as últimas sondagens provaram que o Reino Unido continua dividido mais ou menos a meio, entre os apoiantes e opositores do Brexit e entre os dois principais partidos - os conservadores roubaram votos ao Partido do Brexit, de Nigel Farage, e os trabalhistas votação aos Liberal Democratas.

A verdade é que os britânicos estão cada vez mais fartos.

Cavalgando a frustração crescente, o primeiro-ministro conservador, Boris Johnson, quis que fossem os 46 milhões de eleitores a legitimar, nas urnas - elegendo uma nova Câmara dos Comuns - a saída da União Europeia por ele negociada em Bruxelas.

O objetivo requer a conquista, por parte dos conservadores de, no mínimo, 326 dos 650 assentos na Câmara dos Comuns.
Se o impasse continuar
O fracasso dessa meta implicará o apoio de outros partidos, seja a Johnson, seja ao segundo nas intenções de voto, o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, forçando negociações que deverão ser demoradas.

E, se as sondagens são favoráveis aos conservadores, a possibilidade de - de novo - ser eleito um Parlamento dividido, permanece real, sobretudo devido à distribuição dos votos nas diferentes áreas constituintes, que pode baralhar as contas. 

Neste caso, o impasse irá voltar a atirar o Brexit para data incerta, se não forçar mesmo a realização de um novo referendo, como pretendem Trabalhistas, Liberal Democratas, Nacionalistas Escoceses, o Plaid Cymru [nacionalistas do País de Gales] e os Verdes.

Terceira força nas sondagens, a líder dos Liberal democratas, Jo Swinson, disse durante a campanha que não irá apoiar nem o primeiro-ministro nem o líder trabalhista.

Johnson poderá assim ver-se refém de Nigel Farage e do seu Partido do Brexit, que - como o nome indica - quer sair da UE, sem acordo, nos termos da Organização Mundial do Comércio, e a negociação de um acordo de comércio livre.

Só que Farage quer uma reformulação radical do sistema político britânico, desde o fim da Câmara dos Lordes, a um novo sistema de voto que introduza a representação parlamentar proporcional e uma Constituição escrita. Mostra-se ainda visceralmente nacionalista, propondo cortes na imigração para menos de 50.000 pessoas por ano.

A decisão tática de Farage, de não colocar candidatos seus nos círculos abertamente favoráveis aos conservadores, deverá custar-lhe votos preciosos para conseguir púlpito em defesa de outras políticas pós Brexit. Poderá mesmo assim ser suficiente para o partido se tornar fiel da balança.
Apelo ao voto
Boris Johnson não quer ficar dependente de ninguém e muito menos de Nigel Farage.

Deverá conseguir o que quer mas, na véspera do escrutíneo, continuava a apelar ao voto, apesar das sondagens darem a vitória dos conservadores com uma vantagem de 10 por cento e 339 deputados.Em entrevista à BBC, o primeiro-ministro britânico disse novamente, quarta-feira, que cada voto conta.

"Esta é a eleição mais importante de que me lembro na minha vida política", afirmou Johnson.

"A escolha é "absolutamente gritante".

E só haverá uma alternativa a um parlamento suspenso "caótico", vaticinou. Ter um "Jeremy Corbyn [líder do Partido Trabalhista] apoiado por Nicola Sturgeon [primeira-ministra da Escócia] é a única alternativa matemática", referiu.

Talvez para levar mais eleitores britânicos a votar conservador, Johnson considerou também que a sua reeleição como primeiro-ministro será "muito, muito à justa".

"Estamos a lutar por cada voto", garantiu.

A obtenção de pelo menos 326 deputados conservadores, iria permitir a Johnson convocar o novo Parlamento logo para a próxima terça-feira, 17 de dezembro, consagrando a quinta-feira seguinte ao Discurso da Rainha, para apresentar o programa legislativo numa cerimónia sem grande protocolo.

Dessa forma, seria possível ao primeiro-ministro cumprir a promessa eleitoral de dar início "antes do Natal" ao processo lesgislativo para ratificar o acordo de saída do Reino Unido, negociado em outubro, e garantir o Brexit a 31 de janeiro.
Corbyn joga o próprio futuro

Os resultados destas eleições podem ser por outro lado decisivos para o líder do Partido Trabalhista.

Uma das fragilidades de Jeremy Corbyn tem sido a sua recusa em assumir uma posição clara face ao Brexit, tendo-se limitado o partido a bloquear todas as alternativas negociadas entre os conservadores e a União Europeia para uma saída "limpa" do bloco europeu.

Os trabalhistas propõem agora a renegociação do acordo de saída da UE e a sua submissão a referendo, com uma opção para o Reino Unido permanecer na UE no espaço de seis meses.

À falta de argumentos mais convincentes quanto ao Brexit, a campanha de Corbyn centrou-se nos problemas desencadeados pelo desinvestimento nos setores públicos que marcaram a última década.

Os últimos dias foram por isso dominados pela recente fotografia de uma criança deitada no chão à espera de tratamento hospitalar, que evidenciou as dificuldades enfrentadas pelo serviço nacional de saúde.

Resta saber se a tática convenceu os eleitores a pensar além da saída ou não da UE.

Quarta-feira, Corbyn garantiu que a sua "mensagem está a passar" e apelou aos seus apoiantes para ir de porta em porta durante o dia eleitoral, "como se a nossa vida dependesse disso".

Jeremy Corbyn é contestado interna e externamente e, apesar de estar a conseguir roubar apoios aos Liberal Democratas, os sinais positivos da sua campanha só surgiram nos últimos dias.

Uma perda de deputados poderá bem ditar uma crise de liderança no partido e o afastamento e substituição de Corbyn.
O Brexit e os outros
Terceira força nas intenções de voto, os Liberais Democratas não têm dúvidas quanto à necessidade de revogar o Brexit, ao contrário de Corbyn.

É nessa certeza que joga a sua jovem líder, Jo Swinson, em oposição total aos conservadores. Uma das suas promessas eleitorais é mesmo a revogação dos resultados do referendo.

Entre os restantes partidos, do Partido Nacionalista Escocês aos Verdes e ao Plaid Cymru (partido nacionalista galês), defende-se maioritariamente a realização de um segundo referendo ao Brexit e fazer campanha pela opção para permanecer.

Em caso de vitória de Johnson - e do seu acordo para o Brexit - a saída da União Europeia poderá ter consequências muito sérias para o Reino Unido. Nomeadamente, o seu fim nos termos em que o conhecemos.

Em 2016, a Escócia votou contra o Brexit sem hesitações. Caso este siga em frente, a possibilidade dos escoceses preferirem terminar a participação no Reino Unido torna-se muito real.

O Partido Nacionalista Escocês, liderado pela primeira-ministra Nicola Sturgeon, tem feito por isso campanha pela organização de um referendo à independência em 2020 e tentar manter a Escócia na UE.

Também a Irlanda do Norte recusou a saída da União Europeia. Às dificuldades colocadas à circulação de bens com a Irlanda pela saída da UE, soma-se a ameaça do ressurgimento da violência entre católicos e protestantes, em caso de regresso de fronteiras.

São muitos os habitantes da Irlanda do Norte que admitem atualmente uma futura união entre os dois territórios irlandeses, em caso de Brexit, o que levaria o país a deixar o Reino Unido.
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