Reino Unido pode enfrentar escassez de alimentos devido à falta de motoristas de pesados

por Inês Moreira Santos - RTP
Mohamed Azakir - Reuters

Os consumidores britânicos podem deparar-se, durante este verão, com alguma escassez de produtos alimentares nas prateleiras dos supermercados. A falta de alimentos no Reino Unido, que pode afetar vários setores económicos, incluindo a restauração, deve-se à falta de motoristas transportes pesados causada pela pandemia da covid-19 e pelo Brexit.

A indústria alimentar, que já enfrenta escassez de mão de obra por causa do Brexit e da pandemia, está a atingir a capacidade máxima de resposta, à medida que o Reino Unido vai reabrindo atividades económicas e desconfinando.

Os matadouros e as fábricas de processamento de carne estão já a reduzir a produção, ao mesmo tempo que se alerta para a escassez de motoristas de transportes de pesados que está a interromper e a atrasar as entregas de produtos alimentares aos supermercados. Armazéns e quintas de produção agropecuária têm afirmam ter falta de mão de obra, e a restauração está a limitar as reservas por falta de alimentos.

"Estamos constantemente a lutar todos os dias para tentar apagar os fogos nas cadeias de abastecimento", disse Shane Brennan, que dirige a Federação da Cadeia de Frio, à Bloomberg. "Já estamos a ver prateleiras vazias em algumas partes da cadeia de abastecimento de alimentos, em supermercados e em toda a hotelaria. Isto vai continuar. E vamos ter escassez intermitente ao longo do verão".

Numa carta enviada a Boris Johnson no dia 23 de junho, na passada quarta-feira, os dirigentes dos setores alimentares e de transportes de mercadorias pediram a intervenção do primeiro-ministro para permitir o acesso a mão de obra europeia, através de vistos de trabalho temporário para motoristas de veículos pesados ​​e acrescentando-os a uma "lista de carência".

Sem a ajuda do Governo, alertaram, as principais cadeias de abastecimentos do Reino Unido correm o risco de "falhar a um nível sem precedentes e inimaginável".

"Os supermercados já estão a relatar que não estão a receber os stocks de alimentos esperados e, em consequência, há um desperdício considerável", escreveu Richard Burnett, presidente-executivo da Road Haulage Association, que dirigiu e assinou a carta.

"Há uma enorme escassez de motoristas de veículos pesados ​​que estimamos que seja entre os 85 mil e 100 mil", acrescentou.

O documento foi assinada pelos CEO's de uma série de grupos de logística, incluindo Eddie Stobart, Wincanton, XPO Logistics e KUEHNE + NAGEL, além de chefes de setores da indústria, incluindo Food and Drink Federation, British Frozen Food Federation, Cold Chain Federation, British Beer and Pub Association e a British Meat Producers Association.

Segundo os responsáveis por estes setores, com as férias de verão a iniciar-se, o desbloqueio da economia e os picos na venda de alimentos e bebidas, normalmente consumidos com o calor e em eventos desportivos, a falta de produtos alimentares e o abstecimento dos stocks iriam agravar.

Na carta também alertavam para o facto de a preparação da época natalícia das lojas ser afetada, visto que começa a ser organizada em agosto e setembro.

Em resposta, um porta-voz do Governo de Boris Johnson afirmou que se reuniu com responsáveis do setor de transportes e distribuição a fim de debater a escassez de motoristas de veículos pesados ​​e possíveis soluções para o recrutamento de trabalhadores.

"A maioria das soluções provavelmente será comercial e partirá da própria indústria, tendo já alcançado alguns progressos em áreas-chave, como testes e contratações, e um grande foco na melhoria de salários, condições de trabalho e diversidade", disse o porta-voz.

"O nosso novo sistema de imigração baseado em pontos deixa claro que os empregadores devem concentrar-se em investir na nossa força de trabalho interna, especialmente aqueles que precisam encontrar um novo emprego, e não de de depender de mão de obra estrangeira".
Brexit e covid-19

Este problema da escassez de alimentos começou com o Brexit, quando foi limitada a entrada no país a trabalhadores temporários da União Europeia. Mas a questão agravou-se durante a pandemia, com milhares de pessoas da UE a sair do Reino Unido. Agora, com a reabertura da economia, muitos desses trabalhadores não regressaram e os setores da alimentação e de transporte de mercadorias carecem de mais de 100 mil funcionários.

"Toda a indústria de produção alimentar está a enfrentar esta crise neste momento", afirmou Nick Allen, diretor executivo da British Meat Processors Association. "Estamos a chegar a um ponto de desespero".

O problema é principalmente grave relativamente aos produtos frescos, como frutas e vegetais, que quando não são transportados e distribuídos a tempo acabam por se estragar e ser desperdiçados.

Os responsáveis por estes setores levantaram a questão numa reunião com a ministra dos Transportes, Lady Vere, alertando que a falta de pessoal estava a levar ao desperdício de 48 toneladas de alimentos por semana, o equivalente a duas cargas de camião. E mesmo os supermercados já confirmaram que a falta de motoristas de pesados e mercadorias está a afetar o abastecimento de alimentos frescos nos seus stocks, visto terem vida útil curta.

"A empresa transportadora que usamos há anos informou-nos que só podem vir colher as nossas frutas uma vez por semana. Mas a fruta tem vida útil de apenas cinco dias, por isso precisamos de a colher todos os dias. Se não conseguirmos levar as nossas frutas aos supermercados, isso é significativamente prejudicial", disse ao Guardian James Mee, James Mee, agricultor de Peterborough.

Durante anos, os produtores recorriam a trabalhadores sazonais, mas com o Brexit a maioria das pessoas contratadas para trabalhos agrícolas essenciais saíram do país. Os produtores hortícolas referem que carecem de cerca de 40 mil trabalhadores sazonais, mesmo depois de o Governo ter concedido 30 mil vistos para aumentar a mão de obra neste setor, de acordo com o National Farmers 'Union.

A condução de camiões e pesados de mercadorias no Reino Unido costuma ser realizada por motoristas do Leste Europeu, mas o Brexit e a pandemia criaram a "tempestade perfeita" para o setor, na opinião de Burnett.

"Não sabemos se é porque os europeus que tradicionalmente estariam nessas funções saíram por causa do Brexit ou por causa da Covid e ainda não podem voltar por causa da pandemia, mas é um problema muito sério", disse.

Segundo o responsável, se o Governo não solucionar e não houver trabalhadores nestes setores, mesmo o fornecimento de alimentos vindos de fora do Reino Unido pode estar em causa.

"Se ultrapassarmos o fim do período de carência e os europeus ainda não estiverem prontos, poderemos enfrentar um problema realmente significativo aqui em termos de abastecimento alimentar", disse Burnett.
Tópicos
pub