Reino Unido. Quem não for vacinado não fará vida "normal", adverte vice-ministro

por Graça Andrade Ramos - RTP
Reuters

Nadhim Zahawi, britânico de origem iraquiana, foi nomeado sábado passado vice-ministro de Estado para o Programa de Vacinação Covid no Reino Unido e não tem dúvidas. A toma da vacina deverá ser facultativa no país, mas quem não for vacinado não terá vida fácil, advertiu esta segunda-feira.

O responsável político admitiu mesmo que restaurantes, bares, cinemas e recintos desportivos poderão vir a recusar a entrada a pessoas que não consigam provar que foram inoculadas contra o SARS-CoV-2, refere a agência Reuters.

Questionado pela BBC sobre a eventual necessidade de ser criado um passaporte de imunidade, Zahawi revelou que o Governo está a estudar a questão e as respostas tecnológicas.

A aplicação para telemóvel do Serviço Nacional de Saúde britânico para o rastreio da Covid-19 poderá, por exemplo, vir a incluir os dados sobre o estatuto da pessoa, habitualmente acessíveis apenas a médicos, admitiu, depois de a pessoa vacinada informar disso o seu médico de família.

O objetivo seria ampliar a utilidade da aplicação, que já garante a confidencialidade e segurança das informações. "Penso que seria provável que o sistema viesse a ser usado por restaurantes e bares e cinemas e outros, como recintos desportivos", referiu, "fornecedores de serviços que dirão: Olhe, prove-nos que foi vacinado."

"Penso que as pessoas terão de decidir", afirmou Zahawi, "mas penso que provavelmente muitos fornecedores irão envolver-se nisto tal como o fizeram com a aplicação" de rastreio quando foi lançada. O Governo irá procurar que a tecnologia se torne tão simples e acessível quanto possível, prometeu.

A ideia do vice-ministro de Estado para o Programa de Vacinação Covid poderá ser uma forma de contornar em parte o problema de criação dos passaportes de imunidades, que não é pacífico e coloca diversas questões éticas.
Violação da liberdade e de direitos humanos
A dra. Ana Beduschi, da Universidade de Direito de Exeter, cuja área de pesquisa abrange precisamente os passaportes de imunidade, reconheceu que estes "poderão contribuir para uma resposta a longo prazo para a pandemia de Covid-19, mas a sua introdução coloca questões essenciais sobre a proteção da privacidade de dados e de direitos humanos".

"Estes passaportes baseiam-se em informação confidencial, para criar uma nova distinção entre indivíduos baseada no seu estado de saúde, que pode ser usado para determinar graus de liberdade e o gozo de direitos", lembrou.

Já Julian Savulescu, professor catedrático sobre questões de Ética na Universidade de Oxford, considerou "antiético NÃO fornecer passaportes de imunidade. A única base para restringir a liberdade numa sociedade liberal é quando uma pessoa se torna uma ameaça para as outras. Essa é a justificação para a quarentena, isolamento e confinamento. Mas se a imunidade reduz a transmissão, os que a têm NÃO representam qualquer ameaça para os outros. É ultrajante que a sua liberdade seja violada."

"É como prisão sem justa causa", acrescentou.

Questionado sobre a sugestão do ministro, o professor Gino Martini, diretor científico da Royal Pharmaceutical Society, lembrou que "os chamados passaportes da vacina poderão ser disponibilizados pelos farmacêuticos que a aplicarem. É importante garantir que a tecnologia seja segura de forma a que isso não seja falseado, se não se tomou a vacina".

Esse não será apesar de tudo o principal problema, referiu. "É importante perceber que os testes das vacinas só provaram que estas reduzem a probabilidade de se desenvolver a Covid-19 e aligeirar a gravidade dos sintomas. Ainda não se sabe como irão afetar a transmissão". "Precisamos agora é de um sistema abrangente de vacinação que beneficie todas as pessoas", aconselhou Martini.
Sob controlo
O Reino Unido irá terminar quarta-feira, 2 de dezembro, um período severo de confinamento a nível nacional. O ministro da Saúde, Matt Hancock, agradeceu esta segunda-feira a adesão do público e garantiu que "voltámos a controlar o vírus". A quarentena permitiu reduzir em 30 por cento o número de casos, acrescentou.

Ao confinamento irá seguir-se a imposição de restrições com o país dividido por áreas afetadas.

Em conferência de imprensa em Downing Street, Hancock reconheceu também que o Governo tem estado a estudar a questão avançada por Zahawi "e o impacto para os indivíduos em termos do que podem fazer".

"Primeiro, não iremos tornar a vacina obrigatória", garantiu. "Mas penso que, ao encorajar a vacinação, iremos ter uma grande proporção de pessoas neste país que irão tomá-la, porque não só protege a pessoa mas também os seus entes queridos e a comunidade".

Para Nadhim Zahawi, o grande problema imediato será definir até ao Natal as prioridades de acesso à vacina que vier a ser aprovada para uso do público.
Nadhim Zahawi, nomeado sábado 28 de novembro como responsável para a vacinação anti-Covid no Reino Unido, é de origem iraquiana e tem 53 anos Foto: Gov UK
Mas o vice-ministro, oriundo da área económica do Governo de Boris Johnson e cuja missão será fazer a ponte entre os ministérios da Economia e da Saúde, enfrenta também um movimento crescente de contestação contra as restrições, a vacinação e de dúvida quanto à própria pandemia, que já levou a várias manifestações de rua, com milhares de pessoas sem distanciamento social e sem máscara.

O responsável político gostaria de ver por isso maior envolvimento de empresas como a Google, o Facebook e o Twitter na vigilância dos conteúdos contra as vacinas e as restrições anti-pandémicas.

A mensagem, afirmou, devia ser de que a vacina é boa para a comunidade e para o país.
Uma aplicação, múltiplas utilidades
As questões quanto ao passaporte imunitário não preocupam para já o responsável pelo programa de vacinação britânico contra a Covid-19.

A aplicação referida por Zahawi, desenhada originalmente para rastrear contactos e advertir para a possibilidade de contágio com o SARS-CoV-2, tem estado a ser constantemente atualizada. Por exemplo, irá incluir automaticamente a partir desta semana informação sobre as restrições aplicadas na área onde a pessoa se encontre, em vez do usuário ser obrigado a procura-las através de código postal.

E na próxima semana, em Inglaterra e no País de Gales, a mais recente versão, a 4, irá incluir uma nova função potencialmente atraente, já que torna possível alertar as autoridades de que se está em isolamento profilático por conselho automático.

No Reino Unido, quem recebe ordem humana direta das autoridades sanitárias para ficar em casa devido a possível contágio tem direito a 500 libras. Mas as garantias de privacidade da aplicação de rastreio têm tornado impossível receber os apoios quando o mesmo conselho é dado pela aplicação de forma automática.

Há advertências de que muitas pessoas enfrentam uma escolha impossível, já que ficar em casa iria cortar as suas fontes de rendimento a níveis impraticáveis. Espera-se que a nova função permita ultrapassar o problema e atraia mais usuários nas próximas semanas, uma vez que a adesão tem sido fraca, apesar de todas as garantias de confidencialidade e de segurança.

A resposta aos problemas tem vindo a ser dada à medida que surgem.
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