Relatório revela que Itália usa leis anti-máfia para acusar migrantes que conduzem barcos

por RTP
EPA

Um relatório realizado por grupos ativistas pelos direitos humanos descobriu que em Itália estão a ser usadas leis anti-máfia para prender migrantes inocentes. De acordo com o documento foram mais de 2500 os migrantes detidos. Em troca de documentação legal, muitos são convencidos pela polícia italiana para testemunhar contra os condutores de barcos, usados como bodes expiatórios, muitas vezes obrigados por traficantes a levar os migrantes até ao outro lado da fronteira.

O relatório foi realizado pela Arci Porco Rosso e a ONG Borderline Sicilia. Foram encontradas provas de que muitas vezes os condutores dos barcos, coagidos por traficantes, acabam por ser usados como bodes expiatórios, devido à chegada de barcos com migrantes a Itália.

As duas organizações afirmam que a Itália passou as últimas décadas a tentar criminalizar os requerentes de asilo e declararam que estão a ser colocadas nas prisões várias pessoas inocentes.

“Examinámos mais de 1000 casos em tribunal, falámos com centenas de pessoas envolvidas. Conversámos com as pessoas acusadas de conduzirem os barcos, advogados, juízes e membros da polícia e da polícia costeira para revelar todo o conteúdo sobre como Itália a processa a criminalização da migração”.

Os dados retirados mostram como os migrantes são tornados alvos para serem processados pela justiça italiana. Antes de serem enviados barcos da Líbia, Tunísia ou Turquia, um migrante é escolhido como condutor. Alguém com experiência a navegar barcos ou que não tem dinheiro para pagar a viagem.

Quando o barco entra em águas italianas, as autoridades perguntam aos passageiros quem é o condutor, que consequentemente é detido. Condutores, pessoas vindas de países destruídos por guerras, são acusados de transportar ilegalmente migrantes, traficar pessoas e associação criminosa. Estas pessoas podem vir a ser sentenciadas a 15 anos na prisão.

Apesar de muitas vezes em tribunal se reconhecer o estado de necessidade, ou seja, que a conduta dos condutores é justificável, muitos destes casos continuam a ser julgados em Itália. Desde 2013, pelo menos 24 pessoas foram condenadas a mais de dez anos de prisão, enquanto seis pessoas tiveram condenações de prisão perpétua.

“Estas sentenças acontecem quando, infelizmente, pessoas morrem durante a viagem”, relatou Maria Giulia Fava da Arci Porco Rosso. Nesses casos, os condutores dos barcos, são acusados de homicídio. É nesse momento que a justiça é transformada numa terrível máquina que destrói as vidas destas pessoas para sempre”.

Em 2015, quatro futebolistas profissionais da Líbia foram presos na Sicília e sentenciados a 30 anos de prisão depois de 49 pessoas terem morrido durante a viagem. As famílias e amigos afirmaram que os homens eram refugiados que fugiam da guerra para continuarem as carreiras na Alemanha mas foram forçados a conduzir o barco.

Em resposta, na Líbia, foi recusada a libertação de 18 italianos que foram acusados de pesca ilegal até que os futebolistas líbios fossem libertados. Para acusar estes condutores, os procuradores têm usado as leis anti-máfia italianas, com estas pessoas a serem acusadas de associação criminosa.

O relatório revela ainda que a polícia italiana dá incentivos a alguns migrantes para identificarem o condutor do barco.

“Num dos casos, um nigeriano disse-nos que a polícia prometeu-lhe que, ao acusar o condutor do barco, ele teria acesso a uma escola e a uma cama num hostel. Por vezes, acontece o mesmo com os tradutores, a quem é pedido que encontrem o condutor entre os passageiros”, concluiu o relatório.
pub