Rússia admite situação "tensa" em Kherson, Ucrânia fala em "espetáculo de propaganda"

por Andreia Martins - RTP
Fotografia de arquivo de Kherson durante a ocupação russa, em julho de 2022. Alexander Ermochenko - Reuters

O comandante das forças russas na Ucrânia diz que a situação no sul de Kherson é "difícil" e que a cidade deve ser evacuada de imediato. A administração russa da cidade prevê a retirada de 50 a 60 mil pessoas nos próximos seis dias. Kiev acusa Moscovo de estar a encetar um "espetáculo de propaganda" para conseguir retirar os moradores.

Numa intervenção transmitida na televisão estatal russa, Sergei Surovikin, general responsável pelas forças russas na “operação militar especial”, referiu que as tropas ucranianas estão a recorrer a sistemas Himars para atingir várias infraestruturas da cidade.

“O Exército russo vai, acima de tudo, garantir uma retirada segura da população”, adiantou.

Kherson, a segunda maior cidade da Ucrânia, foi a primeira grande conquista das tropas russas logo no início da invasão, em fevereiro. É a única capital regional capturada pelos russos e faz parte de uma das regiões anexadas pela Rússia em setembro.
"Espetáculo de propaganda"
Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente ucraniano, acusa as autoridades russas de tentarem assustar os habitantes de Kherson com boletins falsos sobre um alegado bombardeamento por parte das forças ucranianas.

"Os russos estão a tentar assustar o povo de Kherson com boletins falsos sobre o bombardeamento da cidade pelo nosso exército, e estão também a organizar um espetáculo de propaganda com a evacuação. A propaganda não vai funcionar", disse o responsável através do Telegram.

No Twitter, um assessor presidencial ucraniano, Mykhailo Podolyak, lembrou precisamente a alegada anexação do território, desconsiderada pela comunidade internacional.

"Passou menos de um mês desde o anúncio pomposo da anexação de Kherson, com um concerto solene na Praça Vermelha, enquanto a autoproclamada 'administração da cidade'... está a evacuar de forma cerimoniosa em antecipação da justiça ucraniana. A realidade pode doer quando se vive num mundo de fantasia fictícia", apontou.

Serviços essenciais em risco
No início de outubro, o Ministério russo da Defesa anunciou a nomeação de Sergei Surovikin como novo comandante das operações russas na Ucrânia após vários reveses no terreno. Nas últimas semanas, as forças ucranianas têm reconquistado territórios próximos de Kherson ao longo do rio Dnipro.

Sergei Surovikin, também conhecido como “general Armagedão”, tem uma reputação de métodos implacáveis e atropelo de Direitos Humanos em contexto de guerra.Veterano de guerra, com 55 anos, participou na guerra civil no Tajiquistão, na década de 90, na segunda guerra na Chechénia, na década de 2000, e na intervenção russa na Síria, iniciada em 2015.

"No geral, a situação na zona de operação militar especial pode ser descrita como tensa", disse o general Surovikin, numa rara admissão de dificuldades por parte de um oficial russo.

De acordo com este responsável, as investidas ucranianas danificaram a ponte de Antonivsky e a barragem hidroelétrica de Kakhovka, em Kherson, tendo bloqueado estradas importantes e causado problemas de abastecimento ao nível de serviços essenciais, nomeadamente alimentação, água e eletricidade.

O governador regional designado pelas forças russas, Kirill Stremousov, alertou também os residentes de Kherson para um ataque iminente à cidade por parte das forças ucranianas.

“Por favor, levem a sério as minhas palavras. Estou a falar de uma evacuação o mais rápida possível”, adiantou através do Telegram.
Evacuação ou retirada à força?
Na terça-feira, a câmara baixa do Parlamento russo - a Duma - discutiu planos de retirada de residentes de Kherson para a Rússia. O vice-primeiro-ministro Marat Khusnullin indicou que a população retirada daquela cidade irá receber uma nova casa numa região do país e assistência financeira por parte do Governo.

De acordo com a televisão russa Vremya, cada agregado familiar deslocado irá receber 100 mil rublos (cerca de 1.654 euros). Em fevereiro, a população de Kherson era de cerca de 300 mil habitantes. As autoridades ucranianas estimam que pelo menos metade tenha fugido da cidade com a eclosão do conflito.

O governador russo de Kherson, Vladimir Saldo, disse esta quarta-feira que as autoridades russas estão a preparar a evacuação de 50 a 60 mil pessoas nos próximos seis dias. Mais de cinco mil pessoas já deixaram a cidade nos últimos dois dias, segundo indicou o responsável.

A retirada forçada de pessoas pode constituir um crime de guerra, de acordo com a definição das Nações Unidas.

Na definição da ONU, “a transferência, direta ou indireta, por parte de uma força ocupante de parte da sua própria população civil para o território que ocupa, ou a deportação ou transferência de toda ou parte da população do território ocupado”, constituem crimes de guerra.

Em março, a Ucrânia acusou a Rússia de deportar ilegalmente milhares de pessoas a partir de Mariupol, cidade devastada durante vários meses por bombardeamentos russos.
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