"Se é seguro, despejem em Tóquio". Ativistas do Pacífico contra descarga de águas de Fukushima

por Inês Moreira Santos - RTP
EPA

O plano do Governo japonês para despejar gradualmente no mar águas tratadas, mas ainda radioativas, da central nuclear destruída de Fukushima, está a gerar uma onda de protestos em vários países da região do Pacífico. Os ativistas consideram que esta decisão do Japão é mais um ato transfronteiriço "catastrófico" e "irreversível" para as populações que têm sido afetadas pelos desastres nucleares.

No início do mês, o Governo japonês decidiu que a água processada e armazenada na central nuclear de Fukushima Daiichi seria descarregada no Oceano Pacífico, após tratamento adequado para remover a maior parte dos elementos radioativos. A controversa medida tem como objetivo solucionar a acumulação de água radioativa na instalação nuclear, um dos problemas mais urgentes no complexo processo de desativação da central que foi danificada pelo terramoto e tsunami de março de 2011.

O despejo controlado da água radioativa foi a solução escolhida pelas autoridades japonesas desde o início do ano passado, considerando-a a mais viável entre uma série de outras opções mais complexas. Mas, embora a água vá ser tratada para remover a maioria dos elementos radioativos antes de despejada no mar, grande parte dos países da Ásia e da região do Pacífico criticam a decisão do Governo japonês.

O plano do Japão é diluir a água e despejá-la no Pacífico, gradualmente, ao longo de 30 anos. O governo japonês tem tentado convencer o público em geral da segurança da água tratada através da criação de mascotes verdes e do apoio de cientistas norte-americanos. Contudo, as populações da região do Pacífico têm protestado contra esta medida e consideram que se trata de um "ato injusto".

"Precisamos de lembrar ao Japão e a outros Estados nucleares o nosso slogan do Movimento do Pacífico Independente e Livre de Energias Nucleares: 'se for seguro, despejem em Tóquio, testem-na em Paris e armazenem-na em Washington, mas mantenham o nosso Pacífico livre de armas nucleares'", afirmou ao Guardian Motarilavoa Hilda Lini, ativista das ilhas Vanuatu, um país no sul do Oceano Pacífico, e veterana do Movimento do Pacífico Independente e Livre de Energias Nucleares (NFIP). "Somos o povo do oceano, devemos erguer-nos e protegê-lo".

O primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga, tomou a decisão após reunião com o Gabinete de Governo. A medida foi aprovada pela operadora da central, Tokyo Electric Power, as autoridades locais de Fukushima e também pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), entre outros. O chefe de Governo garantiu ainda que o governo vai esforçar-se para esclarecer e apaziguar a preocupação gerada por esta medida.

O plano, de facto, tem vindo a ser estudado por especialistas há mais de seis anos e tem a aprovação de órgãos internacionais.
Japão aposta em energia nuclear
São muitas as populações da região do Pacífico que já foram, de alguma forma, afetadas por danos nucleares com a irradiação contínua do ambiente, e alguns dos sobreviventes dos desastres nucleares, como o de Fukushima em 2011, e os seus descendentes continuam a sofrer com consequências graves, como doenças, cancro, problemas de tireóide e até de reprodução.

Desde os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki em 1945, foram realizados 315 testes nucleares nas Ilhas Marshall, na Austrália, em Kiribati e no Maohi Nui (Polinésia Francesa). Todos foram, na altura, considerados pelas nações nucleares como cientificamente sólidos e seguros.

Embora todos estes países desta região, incluindo o Japão, partilhem entre si os traumas dos desastres nucleares e consequentes efeitos, o Governo japonês continua a investir nas indústrias da energia nuclear.

As autoridades japonesas defendem que esta água armazenada em Fukushima não traz nenhum risco à saúde humana, uma vez que os níveis de material radioativo libertado no mar vão ficar abaixo dos limites sanitários nacionais. Além disso, a prática de libertar água radioativa no oceano é comum na indústria nuclear de outros países.

Aliás, a ideia de despejar água contaminada ou "lixo nuclear" no Oceano Pacífico não é recente. Segundo o jornal britânico, esta era uma norma global para países como o Japão ou os Estados Unidos, até que foi descoberta e divulgada, em 1979, uma proposta clandestina do Japão para descarregar resíduos nucleares nas ilhas Marianas do Norte (oficialmente conhecidas por Marianas Setentrionais), medida que gerou muita polémica entre líderes políticos, organizações não governamentais e ativistas da região.

"Os japoneses vão passar de vítimas nucleares para delinquentes nucleares?", questionou um ativista de Palau, um país no norte do Pacífico, em 1980, no Dia de Hiroshima no Japão, antes da Conferência Mundial contra as Bombas Atómicas e de Hidrogénio.

"Vocês vão despejar o vosso lixo no quintal dos outros?", continuou. "Vão mesmo lançar resíduos nucleares perigosos no Pacífico, que vão prejudicar-nos não só a nós, mas também aos nossos filhos e às gerações seguintes?".

Na altura, estas questões abalaram a consciência da sociedade civil japonesa e criou-se uma onda de solidariedade pelas regiões do Pacífico, e contra o despejo dos resíduos nucleares no oceano. Agora, as populações e os ativistas da região do Pacífico voltam a levantar essas questões, estando o Japão a preparar-se mais uma vez para despejar resíduos nucleares no Oceano Pacífico.

A decisão final foi adiada devido à oposição do Governo de Fukushima e de associações de pescadores locais, que acreditam que o derramamento pode prejudicar ainda mais as suas atividades económicas. A pesca foi, aliás, uma das atividades que sofreu mais impactos com o acidente nuclear ocorrido em 2011.

As populações do Pacífico estão a protestar contra esta medida japonesa.

Meg Taylor, secretária-geral das Ilhas do Pacífco, apelou já ao Japão para que suspenda o despejo de água contaminada até que sejam realizados novos testes à água armazenada em Fukushima.

Já os ativistas da região expressam a sua preocupação com os potenciais danos que o derramamento desta água pode ter para o ocenao, "que é o coração económico, espiritual e cultural dos países do Pacífico".

"Pedimos que reflitam sobre o nosso legado nuclear conjunto e ouçam os vossos vizinhos do Pacífico. Estamos a dizer alto e em bom som: o nosso oceano não é o vosso depósito de lixo"
, escreveram no Guardian os ativistas Joey Tau, da Pacific Network on Globalization (PANG), e Talei Luscia Mangioni, da Youngsolwara.

Recorde-se que a instalação de Fukushima Daiichi tem um sistema de processamento de água que remove a maioria dos materiais radioativos considerados perigosos, com exceção do trítio, um isótopo natural mas de baixa concentração.

Mais de 1,25 milhões de toneladas de água processada são armazenadas nas instalações da Daiichi, e espera-se que a capacidade para o seu armazenamento se esgote no outono do próximo ano ao ritmo atual a que está a ser gerada.
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