Segundo a lei. Polícias tinham o dever de proteger a vida de George Floyd

por Joana Raposo Santos - RTP
O afro-americano George Floyd, de 46 anos, foi morto a 25 de maio às mãos da polícia de Minneapolis. Foto: Eric Miller - Reuters

Minneapolis é uma das cidades norte-americanas cujas políticas obrigam os agentes da polícia a intervir para travarem os seus colegas quando estes utilizam força excessiva. Esse dever não foi, porém, aplicado no caso de George Floyd, o afro-americano que morreu por asfixia depois de um polícia ter colocado o joelho sobre o seu pescoço durante mais de oito minutos, enquanto três outros agentes presenciavam a cena sem nada fazer para salvar a vítima.

“Os agentes devem parar ou tentar parar outro colega quando verifiquem que está a ser aplicada força inapropriada ou que já não é necessária”, dita a política sobre o “dever de intervenção”, criada em 2016 pela Polícia de Minneapolis.

Na passada sexta-feira, as autoridades dessa cidade norte-americana procuraram em tribunal tornar obrigatório esse dever, pedindo ainda que os agentes sejam obrigados a denunciar de imediato aos seus superiores casos de imobilização do pescoço ou estrangulamento de suspeitos.

Especialistas na atuação das forças da autoridade consideram, no entanto, que este tipo de regras choca com a cultura policial enraizada que impede os agentes de agirem por medo de serem ostracizados por se manifestarem contra as infrações cometidas pelos colegas.

No caso de George Floyd, pode ser precisamente essa a explicação. O agente que colocou o joelho sobre o pescoço do homem, Derek Chauvin, era membro do Departamento de Polícia de Minneapolis há mais de 18 anos. Outros dois dos polícias no local - Thomas Lane e Alexander Kueng - eram, porém, novatos.

Os advogados desses dois polícias menos experientes já garantiram que ambos expressaram preocupação com as ações de Chauvin no momento do incidente, mas que tal não foi suficiente para que o conseguissem travar.

Segundo os mesmos advogados, o dia da morte de Floyd era apenas o quarto dia em que Lane e Kueng desempenhavam as funções de agentes da polícia. Chauvin era o agente destacado para os treinar.

“Ainda tinham de tratar [Derek Chauvin] por ‘senhor’”, explicou o advogado de Lane. “Ele tinha 20 anos de experiência. O que deveria o meu cliente fazer para além de seguir o que lhe foi ordenado pelo polícia que o treinava? Isso é ajudar e encorajar um crime?”, questionou.

Enquanto Chauvin está acusado de homicídio em segundo grau, os outros três agentes estão formalmente acusados de o terem ajudado e encorajado. Todos foram despedidos pouco depois da morte de Floyd.
“Uma lição para todos os polícias”
Apesar das declarações dos advogados, os registos escritos sobre o momento do incidente não descrevem que em algum momento os agentes novatos tenham expressado oposição à ação de Derek Chauvin.

De acordo com as filmagens e com relatos do momento da morte, Lane segurou as pernas de George Floyd e Kueng segurou-lhe as costas enquanto Chauvin colocava o joelho sobre o pescoço do homem, suspeito de ter utilizado uma nota falsa num supermercado.

Apesar de Floyd ter repetidamente dito que não conseguia respirar e num momento ter mesmo afirmado que estava prestes a morrer, nenhum dos agentes que o imobilizava se moveu. Um quarto agente continuou de pé junto aos colegas, mantendo afastadas as pessoas que se aproximavam do local.

Momentos depois, Lane perguntou se deveriam virar George Floyd de costas, ao que Chauvin respondeu: “Não, vamos ficar firmes onde o temos agora”. Os polícias apenas saíram das suas posições quando uma ambulância chegou ao local para levar Floyd até ao hospital, onde foi declarado morto.

“Esta é uma lição para todos os polícias na América: se veem que algo está errado, têm de intervir”, considerou Joseph Giacalone, antigo agente de Nova Iorque que agora é professor numa faculdade de Justiça Criminal. “Existem muitas áreas cinzentas no policiamento, mas isto é claro como água. É melhor ser-se ostracizado pelo grupo do que ir para a prisão por homicídio”, defendeu, citado pela Al Jazeera.

“[Os polícias mais jovens] estão a sofrer o efeito de uma cultura organizacional que não permite nem recompensa esse comportamento”, considerou por sua vez o chefe de polícia Andrew Scott. “A fraternidade das forças da lei é muito apertada e as fraternidades têm um pensamento de grupo”.

O afro-americano George Floyd, de 46 anos, foi morto a 25 de maio, depois de ter sido detido sob suspeita de ter tentado usar uma nota falsa de 20 dólares (18 euros) para comprar tabaco num supermercado de Minneapolis, no estado de Minnesota.
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