Sinais de fumo branco entre Rússia e Ucrânia enquanto Tribunal da Haia exige o fim da guerra

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Roman Baluk - Reuters

Ao 21º dia de guerra, surgiram sinais de um cessar-fogo no conflito russo-ucraniano. Depois de responsáveis russos e ucranianos terem avançado que o diálogo entre as duas partes estava “mais realista” e havia esperanças num acordo, o jornal Financial Times avança que os dois países têm um esboço de plano para acabar com a guerra. Os sinais de fumo branco surgem no mesmo dia em que o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) exigiu à Rússia a suspensão da guerra. O Kremlin rejeitou esta quinta-feira essa mesma ordem, alegando que os dois lados – Kiev e Moscovo – teriam de estar de acordo para que a decisão fosse aplicada.

Após três semanas de intensos conflitos e de um rasto de destruição, surgem sinais de um cessar-fogo entre Kiev e Moscovo. O primeiro a dar um sinal de progressos foi o presidente ucraniano. Volodymyr Zelensky afirmou na quarta-feira que o diálogo entre ucranianos e russos está agora em patamares mais “realistas” e mostrou esperança nas negociações.

Por sua vez, o assessor do presidente ucraniano, Mykhailo Podolyak, salientou que há “contradições fundamentais” nas negociações, mas há “certamente espaço para compromissos”. No mesmo sentido, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, disse na quarta-feira que tem esperança em alcançar um acordo com a Ucrânia, mas que as negociações não têm sido fáceis.

"Guio-me pelas palavras dos nossos negociadores. Eles dizem que as negociações não estão a ser fáceis por razões óbvias. Mas há no entanto alguma esperança em chegar a um acordo", disse o chefe da diplomacia russa.

O jornal Financial Times avança mesmo que a Ucrânia e a Rússia têm já um esboço de um plano de paz.


Tendo como fonte cinco elementos envolvidos nas negociações, o jornal avança que o acordo assenta em 15 pontos, sendo um deles a retirada das tropas russas do território ucraniano. Se Kiev aceitar a neutralidade, Moscovo aceita um cessar-fogo. Para isso, a Ucrânia abdica de se juntar à NATO e promete que não terá bases militares estrangeiras em troca de proteção de países aliados, como os Estados Unidos, Reino Unido e Turquia.

Questionado sobre a notícia do Financial Times, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que há elementos do esboço que estão corretos, “mas no geral está incorreto”.

Peskov afirmou, porém, que a delegação russa está a fazer “um esforço colossal” nas negociações sobre um possível acordo de paz e está a demonstrar “mais prontidão” do que a Ucrânia.

"Concordar com aquele documento, cumprir todos os seus parâmetros e a sua implementação pode interromper muito rapidamente o que está a acontecer", declarou o porta-voz do Kremlin.

Dmitry Peskov disse na quarta-feira que está em cima da mesa das negociações a possibilidade a adoção por parte da Ucrânia de um estatuto neutro comparável ao da Áustria e da Suécia.

A Ucrânia veio entretanto rejeitar essa proposta. Um dos negociadores ucranianos envolvidos nas conversações com Moscovo, Mykhailo Podoliak, explica que Kiev está à procura de "garantias de segurança absolutas" contra a Rússia, em concreto um acordo com potências internacionais em que os signatários se comprometam a intervir ao lado da Ucrânia em caso de agressão.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, reiterou que o país vai continuar a exigir a "restauração da integridade territorial" nas negociações "em curso" com a Rússia.


"As minhas prioridades nas negociações são absolutamente claras: fim da guerra, garantias de segurança, soberania, restauração da integridade territorial"
, disse Zelensky, num comunicado publicado na página oficial da presidência ucraniana, na quarta-feira à noite.
“Truque e ilusão”
Embora Moscovo e Kiev tenham mostrado progressos nas negociações, as autoridades ucranianas estão céticas de que Vladimir Putin esteja totalmente comprometido com a paz e temem que Moscovo esteja apenas a tentar ganhar tempo para reagrupar as suas forças e lançar um novo ataque.

“Existe uma possibilidade de que isto seja um truque e uma ilusão. Eles mentem sobre tudo – Crimeia, a concentração de tropas na fronteira e a ‘histeria’ sobre a invasão”, disse uma fonte ucraniana envolvida nas negociações ao jornal Financial Times. “Precisamos de pressioná-los até que não tenham outra escolha” a não ser chegar a um acordo de paz, acrescentou.

Na quarta-feira, Putin não mostrou qualquer sinal de compromisso, prometendo que Moscovo alcançaria todos os seus objetivos da "operação militar", que de resto "está a correr como planeado".


"A operação [na Ucrânia] está a ser realizada com sucesso, em estrita conformidade com os planos preestabelecidos", disse Putin durante uma reunião governamental transmitida pela televisão, segundo relato da agência francesa AFP.

Putin reafirmou que Moscovo não tenciona ocupar a Ucrânia e que ordenou a ofensiva porque tinham sido esgotadas "todas as opções diplomáticas".
Rússia rejeita ordem do Tribunal Internacional para suspender ofensiva
Esta quinta-feira, o Kremlin rejeitou a ordem do Tribunal Internacional da Justiça (TIJ) da ONU para suspender "imediatamente" a ofensiva na Ucrânia.

"Não poderemos levar esta decisão em consideração", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, em declarações à imprensa, sublinhando que os dois lados - Rússia e Ucrânia - teriam de estar de acordo para que a decisão fosse aplicada. "Neste caso, não houve nenhum acordo para que isso acontecesse", afirmou.

Na quarta-feira, o Tribunal Internacional da Justiça (TIJ) da ONU, com sede na Haia, nos Países Baixos, deu ordem para que a Rússia "suspenda imediatamente as operações militares" na Ucrânia, argumentando que não foram encontradas provas que justifiquem a tese do Kremlin de que Kiev estava a cometer genocídio contra os russos no leste do país.

"A Federação Russa deve garantir que qualquer unidade militar ou grupo armado ilegal que apoie (...) evite tomar medidas que encorajem operações militares" na Ucrânia, disse a presidente do TIJ, Joan Donoghue, durante a leitura pública da ordem judicial.

Os juízes decidiram ainda, por unanimidade, pedir a Moscovo e à Ucrânia que "se abstenham de qualquer ação que possa agravar ou prolongar a disputa perante o tribunal".

Kiev apresentou uma queixa a este tribunal superior das Nações Unidas, a 26 de fevereiro, depois de Moscovo ter acusado a Ucrânia genocídio da população de língua russa nas províncias de Donetsk e Lugansk, reconhecidas como independentes pelo presidente russo.

A presidente do TIJ disse que “o tribunal não está na posse de provas que comprovem a alegação da Federação Russa”. “Além disso, é duvidoso que a Convenção [de Prevenção e Punição do Genocídio] autorize o uso unilateral da força por uma parte subscritora no território de outro Estado”, acrescentou.

Consequentemente, a juíza presidente disse que “o tribunal considera que a Ucrânia tem o direito plausível de não ser submetida a operações militares da Federação Russa”. A resolução foi aprovada com 13 votos a favor. Apenas os juízes russos e chineses votaram contra a ordem.

As decisões tomadas pelos juízes são vinculativas e a ordem judicial observou que elas “criam obrigações legais internacionais para qualquer parte a quem as medidas provisórias sejam dirigidas”. No entanto, o TIJ não possui uma força policial para fazer cumprir as sentenças.

Quando um país ignora as sentenças do TIJ, o Estado afetado pode recorrer ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para "fazer recomendações ou decidir que medidas devem ser adotadas para dar cumprimento à sentença", de acordo com o artigo 94.º da carta da ONU.

No entanto, a Rússia pode usar o seu poder de veto, como membro permanente, e bloquear qualquer iniciativa que chegue ao Conselho de Segurança da ONU.

c/agências
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