Síria. Rússia e ocidentais ainda à beira da "escalada militar total"

por Carlos Santos Neves - RTP
O contratorpedeiro USS Donald Cook partiu na segunda-feira do porto cipriota de Larnaca para uma posição a partir da qual poderá atingir a Síria Alyssa Weeks - US Navy/ Reuters

Foi o secretário-geral da ONU quem sintetizou o atual momento de tensão entre a Rússia e o triunvirato ocidental formado por Estados Unidos, Grã-Bretanha e França como uma ameaça de “escalada total”. No seio do Conselho de Segurança e nas chancelarias, clama-se pela necessidade de impedir que a Síria se converta no ponto de partida para uma conflagração mundial. Ao mesmo tempo, porém, ninguém parece disposto a calar por completo os tambores de guerra.

“A incapacidade de encontrar um compromisso para estabelecer um mecanismo de investigação ameaça conduzir a uma escalada militar total”, alertou esta sexta-feira António Guterres, que exortou também o Conselho de Segurança das Nações Unidas “a agir de forma responsável nestas circunstâncias perigosas”.

E foi neste quadro de aparente iminência da guerra que o Conselho de Segurança voltou a reunir-se em Nova Iorque, a pedido da delegação russa, para discutir o escaldante dossier do presumível ataque com armas químicas denunciado há quase uma semana em Douma, na Síria. Sem que as posições de um e de outro flanco se tivessem alterado desde que foram rejeitados os últimos projetos de resolução da Rússia e dos Estados Unidos.
Damasco, pela voz do seu embaixador na ONU, Bashar al-Jaafari, fez saber que “não terá outra escolha” que não defender-se de um eventual ataque.

Norte-americanos, britânicos e franceses continuam assim, pelo menos oficialmente, a avaliar opções militares para responder aos acontecimentos do último fim-de-semana às portas de Damasco, ao passo que Moscovo vai deixando claro que haverá um pesado preço a pagar por qualquer forma de intervenção ocidental contra o Governo de Bashar al-Assad e, por arrasto, contra a máquina de guerra russa que o tem apoiado no terreno.

O Presidente russo aproveitou esta sexta-feira uma conversa telefónica com o homólogo francês, Emmanuel Macron, para advertir contra qualquer “ato irrefletido e perigoso” na Síria, que poderia acarretar “consequências imprevisíveis”. Já Emmanuel Macron exortou Vladimir Putin, de acordo com o Eliseu, a “intensificar” a concertação entre Moscovo e Paris, por forma a “fazer regressar a paz e a estabilidade” à Síria.

À mesa do Conselho de Segurança, o embaixador russo nas Nações Unidas acusou, por sua vez, o Ocidente de apenas pretender “derrubar o Governo sírio”. E acrescentou uma pergunta: “Porque é que semeiam o caos no Médio Oriente?”.

“Só o Conselho de Segurança tem autoridade para tomar medidas”, continuou Vassily Nebenzia, que na véspera assumira como prioridade “evitar o perigo” de uma confrontação militar direta entre norte-americanos e russos.

Palavras que visivelmente irritaram a embaixadora dos Estados Unidos: “A dada altura, vocês têm de fazer alguma coisa. Devem dizer basta”.



Foi igualmente Nikki Haley quem confirmou que, depois de ter acenado na rede social Twitter com ataques iminentes de mísseis contra alvos na Síria, o Presidente norte-americano terá chegado ao termo da semana sem tomar uma “decisão final”.
Acusação, contra-acusação

Outra voz que nas últimas horas tem assumido um tom de prudência é a do secretário norte-americano da Defesa. Perante o Congresso, o general Jim Mattis falou de uma eventual operação militar como uma tentativa de “travar o massacre de inocentes”. Mas não deixou de ressalvar que, “no plano estratégico, a questão é a de saber como evitar uma escalada fora de controlo”.
O ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, alertou para o expectável aumento da pressão migratória sobre a Europa decorrente de eventuais bombardeamentos ocidentais na Síria.

Se a primeira-ministra britânica, Theresa May, e o Presidente francês parecem inclinados e prontos a cerrar fileiras com a Administração Trump contra Assad – e inevitavelmente a Rússia -, a chanceler alemã, Angela Merkel, veio aclarar que não poderão contar com Berlim para ações militares. Isto apesar de considerar “evidente” que o Governo sírio dispõe de um arsenal de armas químicas.

Neste contexto de nervos à flor da pele, Londres e Moscovo dedicaram-se, ao longo do dia, a nova troca de acusações.

Numa carta remetida ao secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, Mark Sedwill, conselheiro britânico para a segurança nacional, afirmou que a Rússia testou a propagação do agente nervoso que contaminou o ex-espião Sergei Skripal e a filha, Yulia, em maçanetas de portas. Sugeriu ainda que ambos estariam há cinco anos sob vigilância dos serviços de informações militares de Moscovo.

Poucas horas depois, o Ministério russo da Defesa acusava a Grã-Bretanha de estar envolvida nos acontecimentos do passado sábado em Gouta, com o porta-voz daquele braço do Governo de Moscovo a afiançar que recolheu “provas” nesse sentido.



“Isto é grotesco, é uma mentira descarada, é o pior pedaço de notícias falsas que já vimos da máquina de propaganda russa”, reagiu a embaixadora britânica nas Nações Unidas, Karen Pierce.

Enquanto as diplomacias se digladiam, uma equipa de peritos da Organização para a Proibição de Armas Químicas deverá começar a investigar este sábado, em território sírio, o alegado ataque químico de há uma semana.
Cronologia

7 de abril

Os denominados capacetes brancos, organização civil que presta socorro em zonas controladas por rebeldes sírios, e a organização não-governamental Sociedade Médica Síria Americana, garantem que mais de 40 pessoas perderam as vidas num ataque com “gases tóxicos” em Douma, no subúrbio de Ghouta Oriental.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, com sede em Londres, não confirma tratar-se de um ataque químico, mas dá conta de 11 vítimas moprtais e 70 casos de dificuldades respiratórias.

De imediato, quer o Governo de Bashar al-Assad quer Moscovo desmentem qualquer recurso a armamento químico.

8 de abril

O Presidente dos Estados Unidos avisa o Presidente sírio e os seus aliados russos para “um forte preço” a pagar pelo presumível ataque químico em Douma. Donald Trump responsabiliza, a um só tempo, Rússia e Irão.

O Governo russo adverte, por seu turno, a Casa Branca contra uma “intervenção militar com pretextos fabricados” que poderá desembocar em “pesadas consequências”.

9 de abril

Uma base militar síria em Homs, no centro do país, é atingida por mísseis. Há notícia de pelo menos 14 mortos. Irão, Síria e Rússia acusam Israel de ter lançado o ataque. A estrutura fora já atingida pela máquina de guerra israelita em fevereiro, com as autoridades do Estado hebraico a acusarem o Irão de ter feito sobrevoar um drone sobre o seu território.

A Administração Bush começa a alimentar a ameaça de uma ação militar iminente e o contratorpedeiro USS Donald Cook parte do porto cipriota de Larnaca para uma posição a partir da qual poderá atingir a Síria.

10 de abril


Forças sírias posicionam-se “em estado de alerta” em aeroportos e bases militares, indica o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.

Donald Trump cancela uma deslocação à América Latina “para supervisionar a resposta americana à Síria”.

Em Paris, o Presidente francês declara que, se tomar a decisão de atacar, os meios militares serão empregues contra “as capacidades químicas” de Bashar al-Assad.

No Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Rússia veta um projeto de resolução dos Estados Unidos que prevê a criação de um mecanismo independente de investigação. Outros dois textos submetidos pela delegação russa caem por insuficiência de votos.

11 de abril

O Presidente norte-americano escreve no Twitter que a resposta do Ocidente está “iminente” e que haverá mísseis “belos, novos e inteligentes” a chegar à Síria.

O Kremlin declara-se “convencido de que a utilização de armas químicas em Douma foi inventada e não pode ser um pretexto para recorrer à força”.

12 de abril

Os militares russos anunciam que o Governo sírio reconquistou “a totalidade de Ghouta Oriental” e que foi hasteada a bandeira síria sobre Douma.

O Presidente sírio adverte contra qualquer ação militar ocidental, que, diz, “desestabilizaria ainda mais a região”.

Emmanuel Macron assevera que França tem “a prova” de que Assad usou armas químicas e anuncia que tomará decisões em “tempo útil”.

“A prioridade é evitar o perigo de uma guerra”, frisa o embaixador russo nas Nações Unidas, referindo-se à possibilidade de um conflito direto entre Rússia e Estados Unidos.

Em Washington, Sarah Sanders, porta-voz da Casa Branca, afirma que “não foi tomada nenhuma decisão final”.

13 de abril

O Ministério russo da Defesa diz ter “provas” da “participação direta da Grã-Bretanha” na “encenação” de um ataque químico, ao que a diplomacia britânica responde com um adjetivo: “grotesco”.

O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, cancela visitas à Albânia e à Eslovénia.

Em Nova Iorque, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alerta para o risco de uma “escalada militar total”.

O embaixador francês nas Nações Unidas, François Delattre, reclama o fim da “escalada química síria” e vinca que a França “assumirá as suas responsabilidades” na sequência do “ponto de não retorno” alegadamente atingido pelo Governo sírio.

c/ agências
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