Soldados australianos acusados de matar prisioneiro afegão por não caber em helicóptero

por RTP
Tasos Katopodis - Reuters

Um chefe de tripulação de um helicóptero do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos acusou as forças especiais australianas de matarem um prisioneiro afegão porque havia espaço para apenas seis prisioneiros na aeronave dos EUA que os ia recolher, e não para esse, que seria o sétimo. Segundo uma investigação recente, esta decisão "deliberada de quebrar as regras da guerra" pode ser considerado um crime de guerra.

Durante uma investigação sobre alegados crimes de guerra cometidos por soldados australianos no Afeganistão, as forças especiais australianas foram acusadas de terem matado a sangue frio um prisioneiro desarmado e amarrado. O chefe da tripulação de um helicóptero do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos (USMC) disse à Australian Broadcasting Corporation (ABC) que as forças especiais australianas mataram um prisioneiro afegão após serem informadas de que não caberia na aeronave norte-americana que os iria buscar e transportar após uma operação militar. 

Segundo o fuzileiro, que fornecia cobertura aérea aos soldados australianos do 2º Regimento de Comando durante um ataque noturno em meados de 2012, a operação ocorreu a norte da base HMLA-469 em Camp Bastion, na província de Helmand, no Afeganistão.

Estava a decorrer parte de uma operação conjunta mais ampla das forças especiais australianas e da Agência Antidrogas dos EUA (DEA), visando operações de drogas ilícitas que financiavam a insurgência Talibã.

"Tínhamos feito o raide antidrogas, os australianos fizeram um trabalho bastante impressionante, enfileirando todos os prisioneiros", disse o fuzileiro norte-americano identificado como Josh na publicação. "Acabamos por ver que os agarraram e amarraram e sabíamos que as mãos estavam amarradas atrás das costas".

Depois, os comandos australianos transmitiram por rádio que precisavam de transporte para sete prisioneiros capturados durante a operação, mas a aeronave norte-americana só tinha espaço para seis.

"O piloto disse: 'É muita gente, não podemos carregar tantos passageiros.' E você acabou de ouvir este silêncio e então ouvimos um estouro. E então os soldados australianos disseram: 'Ok, temos seis prisioneiros'", relatou à publicação australiana.

"Ficou bem claro para todos os envolvidos naquela missão que eles tinham acabado de matar um dos prisioneiros que tínhamos acabado de ver a serem apanhados e amarrados", disse ainda.
"Não há desculpa"
Johs garantiu que foi a primeira vez que viu algo que não podia "justificar moralmente", visto que o prisioneiro já tinha sido detido e não representava qualquer ameaça para as forças australianas.

"Todos nós estávamos bem cientes do que tinhamos acabado de testemunhar, mas não nos queríamos envolver no que quer que se seguisse", explicou, acrecentando que posteriormente a tripulação discutiu o incidente e que todos eram da opinião de que "não havia desculpa" para o que tinha acontecido.

"Esta foi a primeira vez que vimos algo que não podíamos justificar moralmente, porque sabíamos que alguém já estava algemado, pronto para ir, feito prisioneiro e acabamos de testemunhar a morte de um prisioneiro", disse. "Isto não é como uma ação no calor do momento em que se tenta tomar uma decisão. Foi uma decisão deliberada em quebrar as regras da guerra".

"Acho que foi a primeira coisa que aconteceu e que não nos agradou muito, quando pensamos: 'Ok, não há desculpa, não há ambiguidade, não há como contornar isso'"
.

De acordo com a ABC, o inspetor-geral da Força de Defesa Australiana (IGADF) está a investigar a morte de pelo menos um prisioneiro por comandos australianos, mas não está claro se este alegado assassinato é um dos que está a ser investigado.

Um porta-voz da Força de Defesa Australiana respondeu à ABC que não podia comentar sobre o relatório porque pode ser objeto de uma investigação em curso sobre a alegada má conduta do Grupo de Trabalho de Operações Especiais da Austrália no Afeganistão entre 2005 e 2016.

"Não é apropriado que a Defesa faça comentários sobre assuntos que podem ou não ser o assunto do inquérito sobre o Afeganistão", respondeu.

O fuzileiro norte-americano garante que, na altura, todos queriam trabalhar nas operações dos comandos australianos porque queriam "ação".

"Muitos de nós queríamos trabalhar com os australianos porque éramos todos - não sei se sanguinários é o termo certo - mas queríamos ação. Eles queriam disparar. E quando se trabalha com os australianos, acabamos por nos envolver muito frequentemente", disse Josh. "Muitas destruições de paredes com explosivos e muitos incêndios e corpos eram deixados frequentemente no rasto dos australianos".

De facto, segundo os relatos do fuzileiro, muitos norte-americanos começaram a deixar de querer colaborar com os comandos australianos, referindo a má conduta australiana.

A publicação da ABC relatou mais alguns supostos crimes cometidos por forças australianas no Afeganistão, depois de ter tido acesso a documentos militares que detalhavam a morte de civis desarmados, incluindo crianças.

Segundo o órgao de comunicação australiano, a Polícia Federal australiana realizou uma operação altamente polémica na sede da ABC em Sydney, supostamente num esforço para confiscar os documentos em causa. Em junho, um promotor federal recomendou mesmo que fossem feitas acusações contra um jornalista da ABC que relatou os dados referidos nos documentos, mas o governo ainda não decidiu se o repórter será levado a tribunal.

A investigação secreta começou há mais de quatro anos e espera-se que o relatório com as conclusões da investigação seja divulgado até o final do ano.
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