A sonda solar Parker da NASA vai ser lançada através do foguetão Delta IV Heavy. Foto: NASA/Reuters

Sonda Parker. A missão que quer tocar no Sol

É um desejo antigo do Homem poder tocar as estrelas. Um feito que parece ser agora "quase" alcançável através da missão espacial solar Parker. Trata-se de uma sonda com três metros de comprimento, apetrechada com muito equipamento científico e um escudo de carbono especial que a vai proteger das escaldantes temperaturas do Sol.

Desde a mitologia grega que a humanidade tem o desejo de chegar ao Sol. Ícaro, conta-nos essa mitologia, não o conseguiu. Como é que nós, mortais, podemos pelo menos aproximar-nos? A resposta a esta pergunta tem sido preparada durante anos e agora é apresentada pela Agência Espacial Norte-Americana através de uma sonda espacial.

Sonda Solar Parker
Voar bem perto do Sol para o conhecer melhor. Esta é a missão da sonda espacial Parker, da NASA. O lançamento esteve previsto para sábado, mas devido a um problema de pressão relacionado com as botijas de hélio do foguetão Delta IV Heavy, o lançamento foi adiado para este domingo.

Eram 3h31 EDT (8h31 em Lisboa), quando o poderoso foguetão Delta IV Heavy saiu da plataforma de lançamento, instalada em Cabo Canaveral, Florida, em direção ao espaço.

A colocação em órbita da Parker correu como o previsto. A sonda prepara-se agora para a grande viagem a caminho do Sol, com previsão de chegada, para a primeira passagem, em novembro.

A coroa solar irradia milhões de graus Celsius, mas não representa uma forte ameaça para a sonda. Já a luz solar direta pode aquecer os instrumentos expostos a cerca de 1370° Celsius. Dois instrumentos científicos da Parker, além de uma pequena parcela do painel solar e do escudo térmico, vão ficarão expostos à luz solar intensa. “E coisas normais derretem", refere a física solar Kelly Korreck.

Uma nave espacial e muito especial, pois ter como objetivo estudar o maior e mais quente corpo celeste do sistema sistema planetária que inclu a Terra é obra. Mas a Parker não é uma nave normal.

Para Stuart Bale, físico especializado em plasma da Universidade de Berkeley, na Califórnia, "esta sonda solar é especial" e a missão que vai realizar é impossível de executar na Terra.

Os cientistas tiveram de ser criativos para testar a tecnologia que vai "tocar o Sol", usando ferramentas que vão desde espelhos enormes até a túneis para recolher poeira espacial que fez parte da construção do sistema solar.

Entre as várias dificuldades que a Parker vai ter de enfrentar, o calor solar será sem dúvida a mais perigosa, mas não é a única.

Obstáculos espaciais: calor, frio e pó
“Não queremos tornar a Parker numa torrada”, afirmam os cientistas que conceberam o desenho da sonda espacial da NASA. Mas para o conseguir é necessário um bom protetor solar. E mesmo aplicando toneladas de fator 50 no rosto da nave, seria completamente impossível chegar tão perto como se deseja. Então como é que vai ser possível?

A solução foi encontrar materiais que suportassem o calor. A atmosfera do Sol, ou a coroa solar, irradia milhões de graus Celsius, mas é tão difusa que, para os cientistas espaciais, não representa uma forte ameaça para a sonda. A Parker nem sempre estará perto do Sol. As órbitas que a sonda vai efetuar vão também levá-la para longe do Sol, junto à órbita de Vénus, onde as temperaturas são negativas e rondam os –270° Celsius.

Já a luz solar direta pode aquecer os instrumentos expostos a cerca de 1370° Celsius. Aliás dois destes instrumentos científicos da Parker, além de uma pequena parcela do painel solar e do escudo térmico, vão ficarão expostos à luz solar intensa. “E coisas normais derretem", refere a física solar Kelly Korreck, do Smithsonian Astrophysical Observatory, em Cambridge, Massachusetts.

Um desses instrumentos é o Solar Wind Electrons Alphas e Protons (SWEAP). Um sensor de tipo Copo de Faraday que tem como missão capturar as partículas carregadas do vento solar.

Kelly Korreck, à frente deste projeto, explica que o SWEAP "vai ficar instalado na sonda em volta do escudo de calor e será capaz de tocar o Sol". E refere com um sorriso que "esta xícara é mesmo especial".  Alguns cabos que transportam a energia para o copo SWEAP são revestidos a safira, um bom isolante em altas temperaturas.

É uma nave espacial inovadora na qual os engenheiros aplicaram três materiais principais: uma liga de nióbio, designado como C103, que é usado nos motores de foguetão, uma liga de titânio, zircónio e molibdénio (TZM) e tungsténio.

Mas para que o todo da Parker funcione existe uma parte fundamental: o escudo térmico frontal com cerca de dois metros e meio de largura.

Um escudo térmico, um radiador e um aquecedor

O escudo de calor da sonda é o que vai dar o rosto à luz e altas temperaturas solares. Composto por dois tipos de materiais à base de carbono, o protetor térmico de 2,5 metros de largura é feito de espuma de carbono colada entre duas folhas de carbono.

Um escudo especial, de apenas 11,5 centímetros de espessura, revestido no lado voltado para o Sol com tinta branca de cerâmica, para refletir o máximo de luz solar possível. Ainda assim, a superfície do escudo pode atingir temperaturas de 1370°C. Mas por detrás dele a maior parte da sonda vai estar a uma média de apenas 30°C, referem os cientistas.

"Vamos esconder-nos nas sombras", explica o físico solar Eric Christian, do Goddard Space Flight Center da NASA, em Greenbelt, Maryland.

Um outro desafio para os engenheiros aeroespaciais da NASA foi manter os painéis solares da sonda refrigerados. "Obviamente, estamos a ir em direção ao Sol, usar a energia solar faz todo o sentido", diz Elizabeth Congdon, do Laboratório de Física Aplicada da Johns Hopkins, em Laurel, Maryland . "Mas os painéis solares não gostam de ficar quentes."

E pela primeira vez os cientistas vão aplicar uma nova técnica em que os painéis solares vão ter "veias" que levam água para os arrefecer. A água absorve o calor dos painéis e transporta-o para o radiador, que liberta o calor para o espaço.

Uma outra particularidade é que os painéis solares vão ter uma articulação que serve para prender o escudo de calor nas proximidades mais próximas do Sol, de forma a que estejam mais expostos a luz à medida que a Parker se afasta da estrela.

Junto ao Sol, apenas a última linha de células verá a luz. "Essa única fileira de células pode produzir a mesma quantidade de energia que a asa completa quando estamos na Terra", diz o físico solar Nicola Fox, do Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins, cientista do projeto da sonda.

Mas a Parker nem sempre estará perto do Sol. As órbitas que a sonda vai efetuar vão levar também a nave para longe da estrela, junto à órbita de Vénus, onde as temperaturas são negativas e rondam os –270° Celsius.

Uma distância em que a sonda já não conta com as temperaturas solares e precisará de aquecedores, instalados a bordo, para manter os instrumentos a 20°C.

"Não estamos preocupados apenas com ciclos quentes, estamos preocupados com calor, depois frio, depois quente e frio", diz Congdon. As preocupações dos investigadores não acabam aqui, porque no espaço também há pó, muito pó a viajar a altas velocidades.
Poeira espacial 
A região em redor do Sol também deve estar cheia de poeira que sobrou da formação dos planetas. Os cientistas não sabem exatamente quanta poeira é que vai estar à espera da sonda. Mas é provável que esta se desloque quase tão rapidamente quanto a nave espacial, ou seja, a cerca de 170 quilómetros por segundo.

É mais uma preocupação, visto que a Parker transporta dois telescópios, os Wide-field Imager Solar Probe - WISPR. Um dos telescópios vai estar apontado na direção em que Parker viaja, diretamente à tempestade de poeira. Razão pela qual "não pode ser protegido", diz o astrofísico Russell Howard, do Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos em Washington.

Se estas partículas de poeira atingirem as lentes do telescópio, podem criar pequenas crateras. Um problema que a equipas científicas quiseram minimizar escolhendo o vidro certo.

Os investigadores testaram três materiais possíveis para a lente num túnel de aceleração de poeiras do Instituto Max Planck de Física Nuclear em Heidelberg, Alemanha. O túnel acelerou partículas carregadas de ferro, variando de meio micrómetro a três micrómetros de largura, a velocidades entre meio quilómetro a oito quilómetros por segundo. Rápidas o suficiente para os cientistas extrapolarem as velocidades de poeira que Parker poderá experimentar.

Inicialmente o vidro de safira foi o mais eficaz, mas não ficou claro se este se comportaria como uma lente. A equipa também rejeitou um vidro BK7 revestido com diamante, usado habitualmente nos telescópios espaciais, visto que durante os testes de impacto o revestimento separou-se do vidro e deixou um anel extra ao redor do ponto de impacto. BK7 normal e não revestido foi o vencedor.

Missão da sonda solar Parker
Segundo a NASA, a missão da sonda solar Parker vai revolucionar o entendimento humano do Sol. A sonda fornecerá novos dados sobre a atividade solar e fará contribuições para a capacidade de prever grandes eventos climáticos espaciais que afetem a vida na Terra.

Uma missão que pretende desvendar os mistérios da coroa solar, mas também proteger uma sociedade cada vez mais dependente da tecnologia, refere a agência espacial americana.

Os principais objetivos desta missão serão investigar o fluxo de energia e entender o aquecimento da coroa solar, bem como explorar o que acelera o vento solar.

Já no final da missão, nas últimas três órbitas, a Sonda Solar da Parker voará até nove raios solares da "superfície" do Sol. O raio solar é nove vezes o raio do Sol, ou cerca de 6,16 milhões de quilómetros. Isto é cerca de sete vezes mais próximo do que o atual recordista de um passe solar próximo, a sonda Helios.

Na aproximação mais próxima, a sonda estará em movimento em torno do Sol a aproximadamente 692 mil quilómetros por hora. Uma velocidade tão rápida que a viagem entre Lisboa e Porto duraria um segundo.

Na aproximação mais rente ao Sol, a frente do escudo solar da Parker enfrentará temperaturas que se aproximam dos 1400° Celsius. Os cientistas esperam que a carga útil da sonda esteja próxima da temperatura ambiente.

Gráfico animado da viagem programada para a sonda solar Parker; Créditos vídeo: NASA's Goddard Space Flight Center
A chegada à órbita terrestre
Um dos primeiros desafios à resistência da Sonda Solar Parker vai ser o lançamento efetuado a bordo de um poderoso foguetão Delta IV Heavy.

A agitação violenta durante o lançamento é um momento tenso para os cientistas, mesmo que tenham testado todas as partes numa câmara de vibração acústica. Kelly Korreck, refere que ficou com os nervos em franja ao assistir ao teste de vibração do sistema SWEAP. "É muito assustador ver todo o seu esforço que durou dez anos a ser sacudir, mais e mais".

Os engenheiros inicialmente pensaram que o lançamento da Parker, a bordo do Delta IV Heavy, sujeitaria o frágil escudo térmico a uma força 20 vezes superior à da a gravidade da Terra. Mas verificou-se que não era bem assim. Para garantir que o escudo de 72,5 quilos não dobrasse nem quebrasse, a equipa empilhou 1360 quilos de papel em cima dele.

Se a Parker passar no teste de lançamento e ajustar a rota em direção ao Sol, os primeiros dados científicos devem começar a chegar à Terra em dezembro.

"É como ser uma mãe orgulhosa. Preocupo-me que possa acontecer algo, mas não me preocupo se não a preparamos ou a testamos bem”, diz a física solar Nicola Fox, do Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins. "Eu só espero que ela escreva para casa todos os dias com dados bonitos", conclui.