"Temos de rearmar a Europa". Cimeira sobre Ucrânia termina entre paz e belicismo

Preparar os orçamentos para um aumento em massa das despesas militares. Foi esta a receita defendida pela presidente da Comissão Europeia para o Velho Continente, no termo da cimeira que Londres dedicou, este domingo, ao futuro da Ucrânia. Ursula von der Leyen endereçou mesmo a mensagem à Administração Trump de que os europeus estão "prontos a defender a democracia". O anfitrião britânico, Keir Starmer, reafirmou que o Reino Unido está preparado para monitorizar, a par de "outros", qualquer forma de paz com "botas no terreno".

Carlos Santos Neves - RTP /
À saida da Lancaster House, a presidente da Comissão Europeia defendeu que os Estados-membros da UE devem reforçar a despesa militar Neil Hall - Pool via EPA

Ursula von der Leyen foi um dos primeiros rostos a abandonar o local da cimeira organizada pelo Governo britânico, que reuniu mais de uma dezenas de líderes europeus e o secretário-geral da NATO para discutir o futuro da Ucrânia – face à inversão da postura norte-americana pela mão de Donald Trump.

A presidente da Comissão Europeia afirmou que os interlocutores nesta reunião tiveram “uma discussão boa franca” sobre o modo de conferir à Ucrânia uma posição de força para eventuais negociações de paz com a Rússia de Vladimir Putin. Ou seja, dotar Kiev de “garantias de segurança alargadas”, quer do ponto de vista militar, quer em termos económicos.

“Temos urgentemente de rearmar a Europa”, propugnou a responsável alemã, para anunciar que o Executivo comunitário vai propor um plano já na próxima reunião do Conselho Europeu, agendada para 6 de março.

“É da maior importância aumentar o investimento em defesa por um período de tempo prolongado. É pela segurança da União Europeia. E precisamos, no ambiente geostratégico em que vivemos, de nos prepararmos para o pior”, reforçou.Concluídos os trabalhos na Lancaster House, o presidente da Ucrânia partiu de helicóptero para Sandringham, local de um encontro com o rei Carlos III.


Questionada sobre o posicionamento de Trump, Von der Leyen quis ser taxativa: “Estamos prontos, juntamente consigo, para defender a democracia e o princípio de que há um primado da lei, que não se pode invadir e brutalizar um vizinho, ou alterar fronteiras pela força”.

Num tom pouco usual, a presidente da Comissão Europeia sustentou que os europeus terão de se concentrar “basicamente em tornar a Ucrânia num porco-espinho de aço que seja indigesto para potenciais invasores”.

Já o secretário-geral da NATO, que esteve igualmente à mesa da cimeira, fez o balanço de “uma reunião muito boa”, tendo em conta o compromisso para com um reforço dos gastos nacionais com armamento e o apoio à Ucrânia.

“Hoje, à mesa, ouvi novos anúncios e não vou ser eu a anunciá-los, porque devem ser os próprios fazê-los, mas isto são muito boas notícias, que mais países europeus aumentem as despesas com a defesa”, insistiu Mark Rutte.“A Europa acordou”, estimou o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, nas redes sociais.

Os aliados, continuou o secretário-geral da Aliança Atlântica, querem “assegurar-se de que Putin não volte jamais a tentar atacar a Ucrânia. O que significa que teremos os europeus ativos na Ucrânia, para garantir que a paz é mantida, sustentável e duradoura”.

Quanto a recentes declarações de Donald Trump sobre o Artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte, ao abrigo do qual um ataque a um membro da NATO é encarado como um ataque ao conjunto dos países-membros, Rutte optou pelo léxico diplomático.O presidente dos Estados Unidos disse acreditar no Artigo 5.º, mas ressalvou que os Estados do Báltico vivem “num bairro duro”.


“Por favor, vamos parar com a bisbilhotice sobre o que os Estados Unidos podem ou não fazer. Eles estão na NATO, estão comprometidos com a NATO, estão comprometidos com o Artigo 5.º, é isto que dizem consistentemente”, advogou.
“Coligação” para policiar eventual acordo de paz
A culminar a cimeira, o anfitrião britânico - que durante a manhã anunciara uma iniciativa, com a França de Emmanuel Macron e Kiev, para gizar um plano de paz para a Ucrânia – confirmou a vontade de formar uma “coligação” que monitorize qualquer a implementação de qualquer entendimento com Moscovo.

“Nem todas as nações vão sentir-se capazes de contribuir, mas isso não pode significar que nos encostemos. Ao invés, aqueles que o quiserem, vão intensificar agora o planeamento com urgência. O Reino Unido está preparado par apoiar isto com botas no terreno e aviões no ar, juntamente com outros”, reiterou Keir Starmer.
Dos trabalhos, indicou o primeiro-ministro britânico, saiu um consenso em torno da necessidade de manter o apoio militar aos ucranianos e aumentar a pressão económica em torno da Rússia.
Qualquer acordo “terá que envolver a Rússia”
Starmer procurou lançar água na fervura do incidente da passada sexta-feira na Sala Oval da Casa Branca, onde o presidente ucraniano foi vilipendiado por Donald Trump e pelo vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance. Os Estados Unidos, afiançou, “não são um aliado não confiável”.

Sugeriu ainda que a iniciativa tripartida previamente anunciada este domingo foi comunicada ao presidente norte-americano.

Eu falei com o presidente Trump na última noite. Não vou percorrer os detalhes dessa conversa, mas não daria este passo se não pensasse que é algo que pode conduzir a um resultado positivo em termos de assegurar que avancemos juntos, Ucrânia, Europa, Reino Unido e Estados Unidos, rumo a uma paz duradoura”.O chanceler cessante da Alemanha, Olaf Scholz, referiu-se ao encontro como “valioso”, tendo servido para reafirmar o apoio à Ucrânia enquanto “vítima da agressão russa”.

Outra das ideias-chave da conferência de imprensa do primeiro-ministro britânico foi a de que qualquer acordo para o future da Ucrânia “terá que envolver a Rússia”, mas sem que esta dite, por si, condições e garantias a oferecer à Ucrânia.

“Não quero conflito na Ucrânia, na Europa e certamente no Reino Unido. Quero estabilidade no Reino Unido. A forma de assegurar essa estabilidade é garantir que somos capazes de defender um acordo na Ucrânia, porque se há algo que a história nos diz é que, se houver um conflito na Europa, acabará por dar à nossa costa”, enfatizou.

Keir Starmer avançou que os líderes deverão voltar a reunir-se a breve trecho para colocar medidas em marcha: “Estamos hoje numa encruzilhada da história. Este não é o momento para mais conversas, é o tempo de agir”.

Londres chamou para a cimeira deste domingo o presidente francês, Emmanuel Macron, o chanceler alemão, Olaf Scholz, os primeiros-ministros do Canadá, Justin Trudeau, da Polónia, Donald Tusk, e da Itália, Georgia Meloni, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, e os presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, Ursula von der Leyen e António Costa.

c/ agências internacionais
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