Temperatura global vai aumentar e parte das alterações climáticas é irreversível

por Inês Moreira Santos - RTP
Ueslei Marcelino - Reuters

A manter-se o atual ritmo de emissões de gases com efeito de estufa, a temperatura da Terra vai subir 2,7 graus até 2100, alerta o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O relatório divulgado esta segunda-feira confirma que o planeta está a aquecer mais e mais rápido, que a atividade humana tem um grande impacto no aquecimento global e que, mesmo com a suspensão das emissões de gases, muitos dos fenómenos climáticos como o degelo já não podem ser evitados.

"Os aumentos observados nas concentrações de gases de efeito estufa (GEE), desde 1750, são inequivocamente causados ​​por atividades humanas", começa por referir o relatório, acrescentando que desde 2011 que se registam aumentos de concentrações de gases poluentes na atmosfera.

Considerando os níveis elevados de poluição atuais, os cientista prevêem que, nas próximas duas décadas, as temperaturas aumentem bem mais o que os 1,5 graus delimitados pelo acordo climático de Paris. Esta é uma das principais conclusões do sexto relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, aprovado por representantes de 195 países.

As temperaturas da superfície global foram 1,09 graus mais altas na década entre 2011 e 2020 do que entre 1850-1900, tendo sido os últimos cinco anos os mais quentes já registados desde 1850.

"É a constatação de um facto, não podemos ter mais certeza. É inequívoco e indiscutível que os humanos estão a aquecer o planeta", afirmou à BBC Ed Hawkins, da University of Reading, no Reino Unido, e um dos autores do relatório.

De acordo com o documento, apenas com reduções rápidas e drásticas na emissão de gases de efeito estufa, ainda nesta década, se pode evitar um "colapso climático". A atividade humana, como concluiram os cientistas, foi "inequivocamente" a causa das rápidas alterações climáticas, incluindo o aumento do nível do mar, o derretimento do gelo polar e dos glaciares, as ondas de calor, as inundações e as secas.

Com a divulgação destes dados, os líderes mundiais consideram que se devem alterar e reforçar as políticas climáticas com urgência, transformando a economia global em carbono zero.
Aumento de temperatura pode exceder limite de 1,5 ºC
Os peritos, após esta sexta avaliação climática, consideram cinco possíveis cenarios, dependendo do nível de emissões que se alcance.

Manter a atual situação, em que a temperatura global é 1,1 graus mais alta do que no período pré-industrial (1850-1900), não seria suficiente: os cientistas estimam que, dessa forma, se alcançaria um aumento de 1,5 graus em 2040, de 2 graus em 2060 e de 2,7 em 2100.

Mas este aumento, que acarretaria também mais acontecimentos climáticos extremos (como secas, inundações e ondas de calor), está longe do objetivo de reduzir para menos de 2 graus, fixado no Acordo de Paris que fixa a redução de emissão de gases estufa a partir de 2020, impondo como limite de subida os 1,5 graus centígrados.

Já num cenário mais pessimista, no qual as emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa duplicariam em meados do século, o aumento poderia alcançar níveis catastróficos, em torno dos 4 graus em 2100.

Cada grau a mais na temperatura global faz antever cerca de sete por cento mais de precipitação em todo o mundo, o que pode originar um aumento de tempestades, inundações e outros desastres naturais, alerta o IPCC. Também as ondas de calor extremo, que na época pré-industrial aconteciam aproximadamente uma vez por década e atualmente ocorrem 2,3 vezes, podem multiplicar-se até 9,4 vezes por década (quase uma por ano) no cenário com mais 4 graus de temperatura.

Isto é, em todo o mundo, as chuvas extremas serão sete por cento mais intensas por cada grau que aumente, além de se preverem mais ciclones tropicais e maior intensidade de precipitação durante as monções asiáticas.

"Por cada grau que aumente o aquecimento global, as mudanças nos extremos [climáticos] continuam a tornar-se maiores", escreveram os autores do relatório do IPCC.

As chuvadas fortes que costumavam ocorrer uma vez por década já se tornaram 30 por cento mais prováveis, mas com mais 3 graus, vão ocorrer duas ou mesmo três vezes por década. Já as secas que costumavam acontecer uma vez a cada dez anos vão tornar os solos inferteis quatro vezes por década.

Por outro lado, na melhor hipótese considerada pelos peritos, em que se atinge a neutralidade carbónica (emissões zero) em metade do século, o aumento de temperatura seria de 1,5 graus en 2040, 1,6 graus em 2060 e baixaria para 1,4 graus no final do século.

"O relatório expõe claramente a urgência de agir", escreveu Veronika Eyring, cientista de sistemas terrestres do Centro Aeroespacial Alemão e coautora do documento.
Impactos irreversíveis

O aquecimento global deverá provocar "mudanças simultâneas e múltiplas" em todas as regiões do mundo, de acordo com o relatório apresentado, sendo "mais generalizadas" se a temperatura subir 2 graus Celsius em vez dos 1,5 graus estimados. O relatório revela ainda que, em todas as regiões, haverá novos aumentos dos impactos climáticos crescendo as zonas quentes e diminuindo as frias.

Assim, "declínios adicionais" são esperados no `permafrost`, nos glaciares e nos de gelo do Ártico, além de nos lagos e gelos marinhos.


Os especialistas referem que os extremos de calor aumentaram e os extremos de frio diminuíram, tendências que continuarão nas próximas décadas, acrescentando que a velocidade média do vento de superfície diminuiu e continuará a diminuir no centro e no norte da Ásia, por exemplo. Já os glaciares estão a ficar mais pequenos e o `permafrost` (camada de solo permanentemente congelada) está a derreter e tanto a duração da neve sazonal, como a massa glaciar e a área `permafrost` vão continuar a diminuir durante todo o século XXI.

O aquecimento esperado de 1,5 graus Celsiu levará a que as chuvas fortes e consequentes inundações "se intensifiquem e se tornem mais frequentes" na maioria das regiões da África, Ásia, América do Norte e Europa. Além disso, espera-se que as secas agrícolas e ecológicas sejam "mais comuns e/ou severas" em algumas regiões de todos os continentes, exceto na Ásia, em comparação com o período correspondente de 1850-1900.

De acordo com o relatório, a precipitação média aumentará em todas as regiões polares, norte da Europa e norte da América do Norte, na maioria das regiões asiáticas e em duas regiões da América do Sul.

Segundo o relatório, "é praticamente certo" que haverá um aumento médio regional do nível do mar ao longo do século XXI, exceto em algumas regiões com "taxas significativas de elevação geológica da terra". E, face a um aumento relativo no nível do mar, os eventos extremos associados, que ocorriam uma vez por século no passado recente, deverão passar a registar-se, pelo menos, uma vez por ano em mais da metade dos locais em 2100.

Assim, o aumento relativo do nível do mar contribui para aumentar a frequência e a gravidade das inundações costeiras em áreas baixas e para a erosão costeira na maioria das costas arenosas.

"Já estamos a passar por mudanças climáticas, incluindo eventos climáticos mais frequentes e extremos, e muitos desses impactos são irreversíveis", sublinhou Hawkins, acrescentando que as alterações climáticas vão se agravar à medida que aa temperatura global vai aumentar.
António Guterres quer "pôr fim" às energias fósseis

O relatório dos especialistas climáticos das Nações Unidas (IPCC), publicado esta segunda-feira, é um verdadeiro "alerta vermelho" para a humanidade e "deve pôr fim" às energias fósseis, reagiu entretanto o secretário-geral da ONU, António Guterres.

"Este relatório deve pôr fim ao carvão e às energias fósseis antes que destruam o nosso planeta", disse Guterres num comunicado, após a divulgação deste estudo, que alerta para uma aceleração do aquecimento global com consequências "sem precedentes" para a humanidade. O dirigente da ONU apelou ainda que não se construam mais usinas térmicas a carvão a partir de 2021 e que se limitem as novas explorações e a produção de energias fósseis, transferindo as subvenções às energias renováveis.

É "um alerta vermelho para a humanidade", afirmou Guterres. "As sirenes de alerta são ensurdecedoras: as emissões de gases de efeito estufa geradas pelas energias fósseis e o desmatamento estão a asfixiar o nosso planeta".

O secretário-geral também pediu aos líderes mundiais que a cúpula do clima COP26 de novembro, em Glasgow (Reino Unido), seja um "sucesso" para levar a uma redução na emissão de gases estufa.

"Se unirmos as nossas forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas como o relatório de hoje diz claramente, não há tempo a perder, nem lugar para desculpas", afirmou.
pub