Tratamento personalizado? Descobertos dois novos subtipos de esclerose múltipla

Cientistas descobriram padrões biológicos usando inteligência artificial e esperam que a descoberta revolucione o tratamento da esclerose múltipla.

Cristina Sambado - RTP /
KKO - Science Photo Library via AFP

Cientistas descobriram dois novos subtipos de esclerose múltipla com o auxílio de inteligência artificial, abrindo caminho para tratamentos personalizados e melhores resultados para os pacientes.

Agora, os cientistas detetaram dois novos padrões biológicos de esclerose múltipla (EM) utilizando inteligência artificial (IA), um simples exame de sangue e ressonâncias magnéticas. Os especialistas afirmaram ao jornal britânico The Guardian que o avanço “excitante” pode revolucionar o tratamento da doença em todo o mundo.Milhões de pessoas têm a doença em todo o mundo, mas os tratamentos são geralmente selecionados com base nos sintomas e podem não ser eficazes porque não visam a biologia subjacente do doente.

Numa pesquisa que envolveu 600 doentes, liderada pela University College London (UCL) e pela Queen Square Analytics, os investigadores analisaram os níveis sanguíneos de uma proteína especial chamada cadeia leve de neurofilamento sérico (sNfL). A proteína pode ajudar a indicar os níveis de danos nas células nervosas e sinalizar o quão ativa está a doença.

Os resultados do sNfL e as tomografias cerebrais dos doentes foram interpretados por um modelo de aprendizagem automática denominado SuStaIn. Os resultados, publicados na revista médica Brain, revelaram dois tipos distintos de esclerose múltipla: a sNfL precoce e a sNfL tardia.

No primeiro subtipo, os doentes apresentavam níveis elevados de sNfL no início da doença, com danos visíveis numa parte do cérebro denominada corpo caloso. Também desenvolveram lesões cerebrais rapidamente. Este tipo parece ser mais agressivo e ativo, afirmaram os cientistas.

No segundo subtipo, os doentes apresentaram atrofia cerebral em áreas como o córtex límbico e a substância cinzenta profunda antes do aumento dos níveis de sNfL. Este tipo parece ser mais lento, com danos evidentes a ocorrerem mais tarde.
Os investigadores afirmam que esta descoberta permitirá aos médicos compreender com maior precisão quais os doentes com maior risco de diferentes complicações, abrindo caminho para um atendimento mais personalizado.


A esclerose múltipla não é uma doença única e os subtipos atuais não descrevem as alterações teciduais subjacentes, que precisamos de conhecer para a tratar", explicou Arman Eshaghi, autor principal do estudo da University College London.

Segundo o investigador, “ao utilizar um modelo de IA combinado com um marcador sanguíneo altamente disponível e a ressonância magnética, conseguimos demonstrar, pela primeira vez, dois padrões biológicos claros da esclerose múltipla. Isto ajudará os médicos a compreender em que ponto da progressão da doença cada pessoa se encontra e quem pode necessitar de um acompanhamento mais rigoroso ou de um tratamento direcionado mais precocemente”.

No futuro, quando a ferramenta de IA sugerir que um doente tem EM sNfL em fase inicial, poderá tornar-se elegível para tratamentos mais eficazes e ser monitorizado mais de perto, acrescentou Eshaghi.

Em contrapartida, aqueles com sNfL em fase avançada poderão receber diferentes tipos de tratamento, como terapias personalizadas para proteger as células cerebrais ou os neurónios. “As novidades serão, portanto, duplas: transformar os exames clínicos e neurológicos, que não mudaram durante séculos, com o auxílio de algoritmos de IA, e fornecer tratamentos personalizados com base no perfil da doença.”

Para Caitlin Astbury, gestora de comunicação de investigação da MS Society, uma instituição de solidariedade, “este é um desenvolvimento entusiasmante na nossa compreensão da EM".O estudo utilizou a aprendizagem automática para analisar dados de ressonância magnética e biomarcadores de pessoas com EM remitente-recorrente e EM secundária progressiva. Ao combinar estes dados, os investigadores conseguiram identificar dois novos subtipos biológicos de EM.

“Nos últimos anos, desenvolvemos uma melhor compreensão da biologia da doença. Mas, atualmente, as definições baseiam-se nos sintomas clínicos que a pessoa apresenta. A esclerose múltipla é complexa e estas categorias muitas vezes não refletem com precisão o que está a acontecer no organismo, o que pode dificultar o tratamento eficaz", acrescentaram os investigadores.

Existem cerca de 20 opções de tratamento para pessoas com EM remitente-recorrente e algumas a começar a surgir para a EM progressiva, mas para muitas pessoas não existem opções, esclareceu Caitlin Astbury. “Quanto mais aprendermos sobre a doença, maiores serão as probabilidades de encontrarmos tratamentos que possam travar a progressão da patologia".

Para a investigadora da MS Society, “esta investigação contribui para o crescente corpo de evidências que apoiam uma mudança em relação aos descritores existentes da EM (como remitente-recorrente e progressiva) e à adoção de termos que reflitam a biologia subjacente da doença. Isto pode ajudar a identificar pessoas com maior risco de progressão e permitir-lhes receber um tratamento mais personalizado”.
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