Foi com a voz mortificada que o presidente dos Estados Unidos abordou a temática dos Óscares. Perante a multidão que o recebeu no Colorado, Donald Trump atirou-se a "Parasitas", o grande vencedor dos Óscares, "um filme sul-coreano", lamentou-se.
“Já não temos problemas suficientes com as relações com a Coreia do Sul e ainda por cima dão-lhe o prémio de melhor filme?”
Trump goes off on the Oscars for giving Best Picture to Parasite because it's a South Korean movie pic.twitter.com/GUGKdExTbw
— Claudia Koerner (@ClaudiaKoerner) February 21, 2020
O filme “Parasitas” fez história na edição deste ano dos Óscares em quatro categorias (melhor filme, melhor realizador, melhor argumento e melhor filme em língua estrangeira). Mas não foi o número de estatuetas o que colocou o filme nos anais da história. A surpresa veio com o Óscar de melhor filme, o primeiro sem ser em língua inglesa, com que a Academia distingiu “Parasitas”.
Há, no entanto, um pormenor que não passa despercebido: Trump pergunta se não podemos voltar a ter filmes como “Sunset Boulevard” (O Crepúsculo dos Deuses, 1950) ou “Gone With The Wind” (E Tudo o Vento Levou, 1939).
Se a primeira escolha não suscita qualquer questão – Sunset Boulevard trata do tema da estrela em decadência que procura um novo fôlego para a sua carreira –, já o segundo encaixa de forma não inocente em toda a cartografia política de Trump e da ala mais radical dos republicanos: as feridas (ainda) da Guerra Civil, a escravatura e as relações entre os brancos e negros nos Estados Unidos desse período, uma estruturação da sociedade que ainda subsiste, em alguns Estados do país de forma mais ostensiva, noutros de forma mais latente.
“E Tudo o Vento Levou” remete para cenários de uma América branca que ganharam nova visibilidade com a vitória de Donald Trump, apoiado pelos setores ao mesmo tempo mais radicais e mais tradicionais do Partido Republicano e de uma certa altright – um interior rural do país que tem sido o esteio da Administração Trump.
Por exemplo, como lembra The Guardian, o livro de Margaret Mitchell a partir do qual surge o filme refere-se ao Ku Klux Klan como uma “triste necessidade” (tragic necessity).
Os estúdios Neon, que distribuem o filme nos Estados Unidos, aludiram ao facto de o filme ser traduzido e legendado para responder às críticas de Trump: “[As críticas] são compreensíveis. Ele não consegue ler”.
Understandable, he can't read.#Parasite #BestPicture #Bong2020 https://t.co/lNqGJkUrDP
— NEON (@neonrated) February 21, 2020