Trump decide não certificar acordo nuclear com o Irão

por Andreia Martins - RTP
"Vamos ver o que acontece nos próximos tempos, posso acabar com o acordo de forma instantânea", disse Donald Trump Kevin Lamarque - Reuters

O Presidente norte-americano anunciou esta sexta-feira que decidiu não confirmar o cumprimento dos termos do acordo pelos iranianos. A decisão de abandonar definitivamente o entendimento alcançado em 2015 está agora nas mãos do Congresso. Donald Trump anunciou igualmente a imposição de novas sanções contra os Guardas Revolucionários iranianos.

Donald Trump anunciou esta sexta-feira uma mudança de estratégia dos Estados Unidos em relação ao Irão em múltiplas frentes. Para o Presidente norte-americano, o país tem "violado" consecutivamente os termos do acordo nuclear e não tem estado à altura do que foi negociado, tendo decidido não certificar o acordo.

"Obtivemos algumas inspeções em troca de nada em concreto. Estamos apenas a adiar, a curto-prazo, a obtenção por parte do Irão de armamento nuclear. Qual é a utilidade de um acordo que apenas adia a capacidade nuclear de um país?", declarou Donald Trump esta sexta-feira, numa declaração a partir da Casa Branca.

Para o líder norte-americano, o acordo vigente "permite ao Irão continuar a desenvolver os elementos para construir uma bomba nuclear", facilitando o seu desenvolvimento económico por via do levantamento de sanções. "Precisamos de negociadores que defendam melhor a posição dos Estados Unidos", considerou Donald Trump.

"Não vamos continuar este caminho cuja única conclusão previsível é mais violência e mais terror, e a própria ameaça de um Irão nuclear. Vamos recusar ao regime todas as formas de obter uma arma nuclear", afirmou.

A decisão hoje anunciada não significa uma saída automática dos Estados Unidos. O Congresso norte-americano terá agora 60 dias para recuperar a aplicação de sanções económicas ao Irão, suspensas desde a entrada em vigor do acordo.

Negociado durante a Administração Obama, o acordo inédito sobre o programa nuclear do Irão, também conhecido pela sigla JCPOA (Joint Comprehensive Plan of Action), foi alcançado em julho de 2015 por Estados Unidos, França, Reino Unido, China, Rússia e Alemanha (o grupo P5+1), ao fim de várias tentativas de negociação ao longo dos últimos 13 anos.

O acordo, em vigor em janeiro de 2016, prevê o levantamento de sanções económicas contra Teerão em troca de inspeções regulares às instalações nucleares por parte de entidades certificadas como a Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA). É com base nos resultados destas inspeções que os Estados Unidos decidem ou não aprovar a continuação da suspensão de sanções.
"Não é um acordo bilateral"
Amplamente criticado sobretudo na ala republicana, o acordo representou uma aproximação diplomática sem precendentes entre Irão e Estados Unidos, dois países inimigos ao longo de várias décadas desde a revolução islâmica de 1979.

Em diversas ocasiões desde que tomou posse, Donald Trump mostrou vontade de voltar atrás neste caminho, considerando que se trata do "pior acordo de sempre" para os Estados Unidos, na medida em que apenas favorece a república islâmica. Chegou a colocar-se a hipótese de Donald Trump rasgar em definitivo o acordo, uma hipótese que Donald Trump continua a admitir como possível, caso não sejam feitas as alterações solicitadas pelos Estados Unidos.

"O que está feito está feito. Vamos ver o que acontece nos próximos tempos, mas posso acabar com o acordo de forma instantânea. No entanto, acho que um processo em duas etapas é muito melhor", disse o líder norte-americano.

Logo depois do comunicado de Donald Trump, vários países incluidos no acordo afirmaram que as negociações alcançadas não podem estar sujeitas a uma mudança por vontade de uma das partes.

A Rússia considera que a posição delineada por Donald Trump é "extremamente preocupante", não só no que diz respeito ao acordo, mas também a aplicação de sanções contra os Guardas Revolucionários, uma fação das Forças Armadas iranianas, acusadas pelo Presidente norte-americano de promoverem e apoiarem grupos terroristas.

Em comunicado, o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros considera que as declarações "agressivas" de Donald Trump não teriam impacto concreto na implementação do acordo e que, independentemente da posição dos Estados Unidos, o levantamento de sanções pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas se mantém.

Federica Mogherini, alta-representante da União Europeia para Assuntos Externos que se destacou nas negociações que levaram ao acordo, criticou as palavras de Donald Trump e lembrou que o entendimento "não é bilateral".

"A comunidade internacional e a União Europeia têm indicado com clareza que o acordo está em vigor e vai continuar em vigor", disse a responsável.

Os governos de França, Reino Unido e Alemanha também já reagiram às palavras de Trump. Em comunicado, os três chefes de governo assumem "preocupação" com os efeitos e implicações que poderão resultar desta decisão dos EUA.

"O acordo nuclear foi o culminar de 13 anos de diplomacia. Foi um grande passo para garantir que o programa nuclear iraniano não seja aproveitado para fins militares", referem os três chefes de governo.

França, Reino Unido e Alemanha apelam à Administração Trump e ao Congresso norte-americano para que "tenham em conta" as implicações que o fim da suspensão de sanções teria para a segurança dos Estados Unidos e aliados.
Acordo "não pode ser revogado"
Quem também já reagiu às palavras de Donald Trump foi o Presidente iraniano. Cerca de uma hora depois do comunicado de Donald Trump, Hassan Rouhani referia, num discurso transmitido pela televisão iraniana, que as acusações de Trump "não têm qualquer fundamento" e que o Presidente norte-americano erra ao referir-se ao Irão "como uma nação rebelde".

Rouhani refere ainda que um acordo multilateral como este "não pode ser desfeito por um só país" e que a diplomacia iraniana "está comprometida" com todos os acordos internacionais assinados, lembrando que os Estados Unidos não podem "acrescentar novas cláusulas" ao acordo nuclear nem renegociar o acordo.

Ainda assim e dando sinais de uma mudança em relação aos últimos anos de apaziguamento entre Estados Unidos e Irão, o Presidente da República Islâmica avisou que "não irá ceder às pressões de nenhum governo estrangeiro" e anunciou a intenção de duplicar esforços na construção de novas armas de dissuasão, com a expansão do programa de mísseis balísticos. O acordo assinado em 2015 não impede a construção de outros tipos de armamento que não o nuclear.
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