Trump volta a mostrar indiferença face a militares caídos em combate

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Yuri Gripas - Reuters

A viúva do sargento La David Johnson, morto durante uma emboscada no Níger a 4 de outubro, dirigia-se ao aeroporto da Florida para receber o corpo do marido quando recebeu uma chamada do Presidente Donald Trump. Frederica Wilson, senadora democrata, seguia no veículo e ouviu a conversa em alta-voz. “O que disse o Presidente? Ele [o sargento David Johnson] sabia no que se ia meter. Foi isso o que o Presidente disse”.

Este é apenas um dos pormenores que envolvem a questão dos quatro militares norte-americanos mortos no Níger há quatro semanas. Como o facto de a viúva do sargento La David Johnson, grávida do terceiro filho, não poder fazer um funeral de caixão aberto.


A viúva do sargento La David Johnson recebeu ontem o corpo do seu marido


A Casa Branca emitiu um comunicado, no qual não desmente o teor da conversa mantida com a viúva do militar - “As conversas do Presidente com as famílias dos heróis americanos que fizeram o sacrifício derradeiro são privadas” - e foi, há pouco, o próprio Presidente, através da conta no Twitter, a desmentir Frederica Wilson, garantindo ter provas de que a senadora democrata mentiu. "Tenho provas".


É uma questão que se torna subitamente complexa para Donald Trump, enrolado também em explicações pelo facto de não ter, até esta terça-feira, contactado as famílias dos sargentos La David Johnson, Bryan Black, Dustin Wright e Jeremiah Johnson, os militares que morreram na emboscada levada a cabo pelo Estado Islâmico.

Questionado por um jornalista sobre o facto de não ter ainda contactado as famílias, Trump apontou a Barack Obama, o seu antecessor na Casa Branca. Afirmou Donald Trump que o anterior Presidente nem sempre telefonou às famílias dos militares caídos em combate, o que não será exato.

Numa nova ronda de imprensa, os jornalistas pediram-lhe para esclarecer o comentário que remetia para Obama e Trump negou ter acusado o anterior Presidente de não falar com as famílias dos militares que fizeram o último sacrifício”. Disse então que “não sei se ele fez (…) acho que o Presidente Obama o fez algumas vezes, outras vezes não, não sei, foi o que me disseram, tudo o que posso fazer é perguntar aos meus generais”.

Num momento em que tanto democratas como republicanos manifestam dúvidas sobre a capacidade de Donald Trump para exercer o cargo de Presidente dos Estados Unidos, esta é uma polémica que adensa a sombra sobre a Administração. Durante uma entrevista à Fox News Radio, Trump recuperara o episódio em que o filho do general John Kelly, o chefe de gabinete da Casa Branca, morreu em serviço no Afeganistão, para lançar a dúvida sobre Obama: “No que diz respeito a outros presidentes, eu não sei, poderia perguntar ao general Kelly. Ele recebeu uma chamada de Obama? Eu não sei qual era a política de Obama”.

Sobre estas estratégias de fuga em frente quando se encontra perante situações delicadas, o general Mark Hertling, comentador para a CNN, referiu-se à atitude de Trump como “vergonhosa”.

“Primeiro mentiu, depois tentou culpar os generais por essa mentira (…) e procurou arranjar desculpas para o facto de ao fim de 12 dias não ter contactado” as famílias dos militares que morreram. “Estas três coisas não se adequam ao comandante supremo”, sublinhou este oficial do exército norte-americano.

Há no entanto que sublinhar que não estamos perante uma inflexão na política comunicacional de Trump ou, então, de um episódio isolado na sua ainda curta carreira política. Devemos lembrar-nos que a família do capitão do exército dos Estados Unidos Humayun Khan, caído em combate no Iraque em 2004 quando tentava salvar os seus homens, foi enxovalhada durante a campanha presidencial pelo então candidato à Casa Branca.

Ou os termos com que se referiu a John McCain, senador republicano e herói de guerra que foi feito prisioneiro no Vietname, tendo então experimentado cinco anos de encarceramento e tortura: “Não gosto de falhados. Ele é um herói de guerra porque foi capturado e eu não gosto de pessoas que se deixam apanhar”, declarou Trump na altura em que era ainda um candidato republicano que corria para a Casa Branca.
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