Turquia acusa EUA de prepararem "exército de terror" na Síria

por Andreia Martins - RTP
“O que pode esse exército fazer para além de ter como alvo a Turquia? A nossa missão é aniquilá-lo antes mesmo que ele nasça” Umit Bektas - Reuters

O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, acusa Washington de estar a formar um “exército de terror” na Síria, um plano que inclui combatentes curdos e que pode minar ainda a frágil cooperação entre os dois Estados-membros da NATO.

A acusação surge um dia depois de a coligação que combate na Síria, liderada pelos Estados Unidos, ter admitido estar a trabalhar com as Forças Democráticas Sírias (SDF), um grupo que conta com grande presença de combatentes curdos. 

Segundo a coligação, esta força com cerca de 20 mil homens estaria operacional na fronteira e a Turquia e o Iraque, bem como no território sírio, ao longo do Rio Eufrates, que separa a fração do território nas mãos destes combatentes da parcela de território detido pelo Governo de Bashar al-Assad. 

Com este novo exército sugerido pelos Estados Unidos, estaria a criar-se uma nova força de segurança nas fronteiras, em que metade dos operacionais seriam combatentes curdos e árabes das Forças Democráticas Sírias e outra metade seriam novos recrutas. 

Esta foi uma das medidas propostas pela Administração Trump, num plano de longo prazo delineado para a resolução do conflito sírio. Uma das primeiras reações chegou de Ancara, já que o Presidente turco recusou perentoriamente a ideia. 

“Um país a que nós chamamos aliado está a insistir na formação de um exército de terror nas nossas fronteiras. O que pode esse exército fazer para além de ter como alvo a Turquia? A nossa missão é aniquilá-lo antes mesmo que ele nasça”, declarou Erdogan num discurso esta segunda-feira. 

Citado por jornais nacionais, Recep Tayyip Erdogan diz que as forças turcas vão lutar “até que nem um único país terrorista permaneça nas nossas fronteiras, quanto mais 30 mil”. 

Também o primeiro-ministro turco, Beki Bozdag, acusou os Estados Unidos de patrocinarem, em vez de combaterem, forças terroristas e que estão a “brincar com o fogo” ao criar esta nova força de segurança. 

“A criação deste exército terrorista e de um corredor terrorista na região, com o pretexto de combater o Daesh, não é um combate ao Daesh  e a organizações terroristas, mas antes um apoio ao terrorismo e a organizações terroristas”, considerou o primeiro-ministro turco no Twitter.
Qual é o problema da Turquia?
A Rússia, apoiante de peso do regime alauita que rege a Síria há várias décadas, também se mostrou adversa à criação de uma força militar ambicionada por Washington. Sergei Lavrov disse mesmo que foi uma decisão “provocatória” e “unilateral” da parte dos Estados Unidos.  

Por sua vez, a Síria considera que o plano norte-americano constitui um “ataque flagrante” à sua soberania, uma vez que Damasco pretende recuperar o controlo total do país e retirar em completo as tropas afetas à coligação curda apoiada pelos Estados Unidos.  

Nos últimos anos, as Forças Democráticas Sírias (SDF) ajudaram na reconquista de várias cidades e territórios sírios ao Estado Islâmico com a ajuda de ataques aéreos da coligação liderada pelos Estados Unidos. Em outubro, foi um conjunto de combatentes deste grupo que reconquistou a cidade de Raqqa, nas mãos do grupo terrorista desde 2014.  

O SDF é dominado pelos curdos do Grupo de Unidades de Proteção (YPG), que a Turquia vê como o braço sírio do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que é por sua vez catalogado como grupo terrorista em território turco, mas também pela União Europeia e Estados Unidos.  

Há várias décadas que a Turquia acusa o PKK de procurar estabelecer um território independente na região, separado da Turquia, apesar de o partido assegurar desde os anos 90 que já não persegue esse objetivo, afirmando que procura apenas assegurar direitos e maior autonomia da população.  

De recordar que os curdos são o maior grupo étnico sem um Estado definido. O conflito entre a Turquia e a o PKK fez 40 mil vítimas mortais desde 1980. 

Em maio de 2017, durante uma visita à Casa Branca, Erdogan apelou ao Presidente norte-americano para que cessasse o apoio e fornecimento de armas aos combatentes do YPG. Ainda assim, Donald Trump optou por continuar a apoiar o grupo curdo através da coligação internacional de combate ao Estado Islâmico, e que acabaria por ser decisiva na derrota dos terroristas na capital de facto do califado autoproclamado há quase quatro anos.

Neste clima de confronto entre os dois países aliados, ambos Estados-membros da NATO, o Presidente turco voltou assegurar que o Exército turco está “totalmente preparado” para uma operação de combate na região norte da Síria, que faz fronteira com a Turquia.  

Erdogan voltou a demover os aliados de apoios diretos aos “terroristas” em território sírio e diz que o regime turco “não se irá responsabilizar pelas consequências”.  

“O estabelecimento da força de proteção na fronteira síria não foi acordada com a Turquia, que é membro da coligação. Atribuir este passo unilateral a toda a coligação é uma decisão errada que pode prejudicar o combate ao Estado Islâmico”, considerou o ministro turco dos Negócios Estrangeiros.

Ainda no domingo, pouco depois de ser revelada a intenção dos Estados Unidos em criar a nova força de fronteira, militares turcos lançaram fogo com artilharia contra tropas curdas em território sírio.  

A Turquia dispõe de várias forças mobilizadas na Síria e, apesar dos objetivos de controlo do território terem sido atingidos, perante o enfraquecimento do Estado Islâmico e a maior acalmia em território sírio ao fim de quase sete anos de guerra civil, Erdogan não descarta uma grande operação contra as forças curdas, apoiadas pelos Estados Unidos, na região de Afrin, no norte da Síria.

O Presidente avisou mesmo que o plano poderia estar “iminente” e que a operação pode ser desencadeada “a qualquer momento”.
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