UE abre processo contra a Polónia e defende independência do poder judicial

por Inês Moreira Santos - RTP
Francois Lenoir - Reuters

A Comissão Europeia abriu um processo de infração contra a Polónia por violação do direito comunitário da nova lei do sistema judiciário. Bruxelas notificou Varsóvia, esta quarta-feira, alegando que a legislação em causa "compromete a independência judicial dos juízes polacos".

No início deste ano, a Polónia aprovou uma lei que permitia a punição de juízes que, de alguma forma, critiquem ou contestem as reformas judiciais do Governo polaco. Agora, a União Europeia manifestou o receio de que o executivo possa aproveitar as reformas para controlar as decisões judiciais.

O presidente da Polónia, Andrzej Duda, aprovou a lei que gerou controvérsia. Desde que esta entrou em vigor em fevereiro, já dezenas de juízes foram punidos.

Os juízes podem ser sujeitos a multas ou até serem demitidos das suas funções, caso questionem as decisões ou a legalidade de outro juiz, câmara ou tribunal, assim como, a própria reforma do Governo. Além disso, nenhum juíz pode ser politicamente ativo.

Considerando que a nova reforma da Polónia fragiliza a independência dos juízes polacos e viola a lei da UE, a Comissão Europeia deu início a um processo de infração e enviou, esta quarta-feira, uma carta de notificação formal à Polónia, na qual são dados dois meses ao Governo polaco para responder.

"A nova lei judicial compromete a independência judicial dos juízes polacos e é incompatível com a primazia dos direitos da UE", esclareceu, em comunicado, o executivo comunitário europeu.

"Além disso, a nova lei impede os tribunais polacos de aplicarem diretamente determinadas disposições do direito comunitário que protegem a independência judicial, e de submeterem ao Tribunal de Justiça referências a essas disposições em audiências preliminares", destaca Bruxelas, adiantando que a nova legislação contém "vários elementos que violam a legislação da UE".

A UE considera que esta nova legislação "amplia a noção de falta disciplinar e, portanto, aumenta o número de casos em que o conteúdo de decisões judiciais pode ser qualificado como falta disciplinar" e, dessa forma, "o regime disciplinar pode ser usado como um sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais" - o que é "incompatível com os requisitos de independência judicial estabelecidos pelo Tribunal de Justiça da UE".

A nova lei, segundo a Comissão Europeia, concede à nova Câmara de Controlo Extraordinário e Assuntos Públicos do Supremo Tribunal a "competência exclusiva para decidir sobre questões relativas à independência judicial", impedindo "que os tribunais polacos cumpram a obrigação de aplicar a lei da UE ou de solicitar decisões preliminares do Tribunal de Justiça da UE". Nesse sentido, o executivo comunitário reforça que esta lei é "incompatível com o princípio da primazia do direito da UE, com o funcionamento do mecanismo de decisão preliminar e com os requisitos de independência judicial".

Esta nova lei também introduz disposições que exigem dos juízes "informações específicas sobre as suas atividades não profissionais", o que na ótica na Comissão Europeia, "é incompatível com o direito ao respeito pela vida privada e com o direito à proteção de dados pessoais, garantido pela Carta dos Direitos Fundamentais da UE e pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados".
Polónia deve respeitar "regras comunitárias"
O Estado de Direito da União Europeia, entre outras coisa, assegura "que os juízes nacionais que são também 'juízes da UE' possam desempenhar o seu papel e garantir a aplicação do direito comunitário e interagir adequadamente com o Tribunal de Justiça no contexto de processos de decisão prejudicial".

O Comissário Europeu para a Justiça, Didier Reynders, afirmou que considera que a nova lei na Polónia "compromete a independência judicial e é incompatível com a primazia do direito da UE".

Em conferência de imprensa a partir de Bruxelas, a vice-presidente da Comissão Europeia Vera Jourová, responsável pela pasta dos Valores e Transparência, vincou que "os Estados-membros podem reformar os seus sistemas judiciários, mas têm de respeitar as regras comunitárias".

"Continuamos a cumprir o nosso trabalho pelo respeito pelo Estado de direito", salientou a responsável, justificando assim o processo iniciado contra a Polónia, que "não surpreende ninguém", depois de vários avisos já feitos pela instituição.

A verdade é que já não é a primeira vez que a UE acusa o governo polaco, atualmente constituído pelo partido de Lei e Justiça (PiS), de minar a democracia da Polónia com o crescente controlo direto do Estado sobre os tribunais, a comunicação social e a sociedade cívil.

"Há riscos claros de que as disposições relativas ao regime disciplinar contra juízes possam ser usadas para controlo político do conteúdo das decisões judiciais", acrescentou Vera Jourova.

"Esta é uma questão europeia, porque os tribunais polacos aplicam a lei europeia. Os juízes de outros países devem ter a certeza de que os juízes polacos agem de forma independente. Essa confiança mútua é a base do nosso mercado único".

Já este mês de abril, o Tribunal de Justiça da UE pediu à Polónia para suspender de forma imediata a Câmara Disciplinar do Supremo Tribunal, considerando que tal instituição não poderia ser classificada como tribunal à luz do direito europeu ou da própria lei polaca.

Ainda em janeiro deste ano, a Comissão Europeia pediu também a adoção de medidas cautelares para bloquear as ações do PiS, uma vez que este no âmbito da referida reforma judicial forçou a ida para a reforma de um terço dos juízes do Supremo, tendo sido substituídos por juízes próximos do partido no poder.

Esta reforma do sistema judicial começou a ser implementada a partir de 2017 e já, na altura, levou a Comissão Europeia a instaurar um processo contra a Polónia por violação das regras do Estado de direito. Varsóvia tem dois meses, a partir desta quarta-feira, para responder à notificação, arriscando a Polónia ser novamente processada perante o Tribunal Europeu de Justiça.
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