Uma semana decisiva para o impeachment. Quais são os próximos passos?

por Andreia Martins - RTP
Tom Brenner - Reuters

Começa uma semana decisiva nos Estados Unidos. O Presidente Donald Trump deverá ser alvo de impeachment na Câmara dos Representantes já na próxima quarta-feira. Será a terceira vez na história que um Presidente norte-americano é impugnado, sendo que, até hoje, nenhum foi condenado no Senado. Adensa-se o clima de confronto entre os dois principais partidos a menos de dois meses do arranque das eleições primárias no Partido Democrata.

O processo de impeachment iniciado em finais de setembro tem agora o seu momento decisivo. Na última sexta-feira, a Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes aprovou dois artigos para a destituição de Donald Trump, com acusações de abuso de poder e obstrução das investigações Congresso.

Os dois artigos vão ser votados esta semana. Ainda antes disso, na terça-feira (dia 17 de dezembro), o Comité do Regimento da Câmara dos Representantes vai reunir-se para determinar questões práticas sobre a votação, nomeadamente a duração do debate. Por isso, a votação na câmara baixa do Congresso norte-americano poderá acontecer na quarta-feira.
Quais são as acusações?

Mas o que está na base destas duas acusações? A primeira diz respeito às alegadas pressões sobre o Presidente ucraniano, Volodimir Zelenskii, para investigar o ex-Presidente norte-americano, Joe Biden, que é um dos mais fortes candidatos a alcançar a nomeação democrata nas eleições do próximo ano. 

O Partido Democrata acredita que Trump chantageou a Ucrânia para benefício pessoal, fazendo depender a concessão de 391 milhões de dólares em ajuda militar a Kiev – ajuda essa que já tinha sido aprovada pelo Congresso - da predisposição de Zelenskii em investigar o democrata e o filho, Hunter Biden, tentando dessa forma influenciar as eleições presidenciais de 2020.  

Hunter Biden trabalhou para uma empresa ucraniana enquanto Joe Biden, na altura vice-presidente dos Estados Undos durante a Administração Obama, lidou de perto com questões relacionadas com a Ucrânia. Num telefonema em julho último, Donald Trump terá pressionado o homólogo ucraniano a investigar os Biden, um “favor” do qual dependeria a concessão de fundos para ajudar a Ucrânia a enfrentar a ingerência russa no seu território. Os democratas argumentam, por isso, que o Presidente norte-americano pôs em causa a segurança nacional ao seguir interesses próprios. 

A segunda acusação diz respeito à forma como o Presidente norte-americano tem reagido ao próprio processo de destituição, iniciado em setembro último por Nancy Pelosi, atual presidente da Câmara dos Representantes. Donald Trump decretou proibição total de colaboração da Casa Branca com o processo de destituição, sobretudo enquanto este corre na câmara baixa, dominada por democratas.  

Por sua vez, o Partido Republicano tem argumentado que Trump só bloqueou a ajuda à Ucrânia devido aos problemas de corrupção e considera ainda que o processo de impeachment foi politicamente motivado, com a intenção de prejudicar a imagem do Presidente em ano de eleições.  
Impugnado ainda esta semana

Já se sabe que Donald Trump deverá ser impugnado, tendo em conta a maioria confortável na Câmara dos Representantes (233 para 197 representantes) que lhes permitiu liderar o processo até esta fase, mesmo que com algumas perdas tão pontuais quanto imprevisíveis.   

No fim de semana, o Washington Post noticiou que pelo menos um democrata da Câmara dos Representantes, Jeff Van Drew, de Nova Jérsia, está contra o processo de impeachment e deverá mesmo trocar o Partido Democrata pelo Partido Republicano nesta votação.

Mesmo assim, Donald Trump deverá mesmo ser o terceiro Presidente a ser impugnado em mais de 240 anos de história. O primeiro foi Andrew Johnson, em 1868, seguido de Bill Clinton, mais de um século depois, em 1998. Em ambos os casos, os Presidentes foram impugnados pela Câmara dos Representantes, mas nenhum chegou a ser condenado pelo Senado.  

Há ainda o caso de Richard Nixon, este que não chegou a ser acusado na Câmara dos Representantes e apresentou a demissão ainda antes de se iniciar o processo. 

O calendário deste processo com vista à destituição de Donald Trump adensa-se nas próximas semanas. Após a votação na Câmara dos Representantes, o Presidente norte-americano mantém-se no cargo, à espera da fase de julgamento, no Senado, em que os senadores atuam como juízes.  

Tudo aponta para que o Senado possa votar o impeachment logo no início de janeiro. E aqui, tal como aconteceu com Andrew Johnson e Bill Clinton, Donald Trump não deverá ser condenado e obrigado a abandonar o cargo.  

Ao contrário da Câmara dos Representantes, o Senado é controlado pelo Partido Republicano (o Grand Old Party tem 67 senadores em 100). Para que o Presidente fosse condenado, seria necessária uma aprovação de uma maioria de dois terços.  
Democratas acusam republicanos de “subversão”

Ainda assim, os democratas continuam a tentar chegar a esta maioria. No domingo, o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Shummer, escreveu uma carta ao líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, a apelar para que várias testemunhas sejam ouvidas quando o processo passar para a câmara alta. 

Shummer faz referência a quatro elementos centrais da investigação, incluindo o antigo Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, entre outros responsáveis próximos de Donald Trump.  

Mas o líder republicano no Senado já afirmou que está a coordenar o processo “junto da Casa Branca” – a mesma que, segundo dos democratas, tem obstruído o processo -, e espera que a derradeira fase do processo de impeachment possa decorrer de forma rápida, sem convocar quaisquer testemunhas.  

Na prática, o Senado poderia levar até seis semanas a julgar o atual processo de impeachment, mas a votação poderá assim decorrer logo depois de serem ouvidas as acusações apresentadas pela Câmara dos Representantes, sem quaisquer consulta de novas testemunhas ou documentos.  

No domingo, o líder do Comité Judiciário da Câmara dos Representantes, Jerry Nandler, acusou os republicanos de ignorarem as responsabilidades que lhes são conferidas pela Constituição.  

“[Os senadores] têm de se comprometer com uma justiça imparcial. Temos o líder da maioria do Senado, que será na prática chefe do Júri, a dizer que vai trabalhar de mãos dadas com o advogado de defesa. Isso viola o juramento que estão prestes a fazer e é uma subversão completa do esquema constitucional”, considerou Jerry Nandler.  

Mas se grande parte dos republicanos parece estar disposta a resolver rapidamente o processo de impeachment, o Presidente parece não ter medo do que aí vem.  

“Tudo isto do impeachment é uma farsa, uma fraude. Os democratas estão a expor-se ao ridículo”, disse o Presidente aos jornalistas na última sexta-feira. Donald Trump diz-se ainda disponível para se defender no Senado, caso seja chamado.  

Independentemente do desfecho deste processo de impeachment, será a primeira vez que se tenta destituir um Presidente em ano de eleições presidenciais, sendo que Donald Trump já anunciou que se recandidata e não tem adversários de peso à nomeação no Partido Republicano.  

Do lado democrata, vários candidatos estão em linha para poder defrontar o atual Presidente, com destaque para Joe Biden, Bernie Sanders, Elizabeth Warren, Pete Buttigieg e Michael Bloomberg. As primárias democratas arrancam no início de fevereiro, com a histórica votação no Iowa, numa altura em que o processo de impeachment já deverá estar concluído. 
pub