Deus fecha uma porta mas abre sempre uma janela

Um dos maiores choques que sofri quando cheguei à RTP foi ver alguns colegas de profissão, e apenas alguns, do sector privado onde eu tinha estado, a defender que os despedimentos eram aceitáveis porque na empresa, pública, somos pagos com dinheiros públicos.

Na verdade, a maior parte,não partilhava deste ponto de vista.

É verdade, eu ganho o meu ordenado, menos o que eu próprio pago do Contribuição Audiovisual - vulgo Taxa de televisão- e o que todos os meus familiares - só tios tenho onze, agora imaginem a "primalhada" toda - descontam para mim.

Fiquei chocado porque já tinha passado por dois processos semelhantes na TSF e na SIC e sabia todas as dores que estas coisas provocam, para quem é despedido mas também para quem despede pessoas que ainda ontem tinham almoçado na própria mesa ou com quem se tinha marcado uma reportagem para os próximos meses.

Na TSF e na SIC estava sentado ao lado das pessoas que eram chamadas, uma a uma, para conversas de adeus. O horror no olhar dessas pessoas não tem descrição.

Hoje lamento profundamente que o Grupo Controlinveste esteja a despedir 160 pessoas. São 160 famílias, com as mesmas felicidades e dramas que as famílias dos profissionais da RTP, que passam a viver pior e a sofrer de um dos males mais graves dos tempos modernos. O despedimento.

Lamento e sinto-me profundamente infeliz. Porque imagino como seria comigo e não consigo pensar num único aspecto positivo. Mas envio do Rio de Janeiro, onde acompanho o Mundial do Brasil, um abraço solidário a todos os que vão ser afectados por mais um processo difícil de "dispensa de colaboradores". Falso. São trabalhadores a quem as empresas devem. Muito! Horas, talento, disponibilidade, falta de tempo para as famílias, problemas de saúde crónicos.

Um abraço especial para o meu querido João Paulo Baltazar, numa altura em que imagino quem são alguns mas não conheço os outros nomes.

Quando entrei para a TSF o João já era um consagrado. Um talento especial, com uma grande cultura geral, com um sentido de humor cativante e desconcertante e uma humildade que me conquistou desde o primeiro dia. Para mim o Baltazar é um dos símbolos da radio em directo.

Meu caro Baltazar, aprendi tanto contigo em humildade e na forma de estar pessoal e profissional, que não tenho uma única palavra de alento para te dar. Porque para mim sempre estiveste no lote dos intocáveis. Porque para mim és A Radio, os melhores anos da minha vida, uma marca da parte mais bela da minha juventude. Entrei para a TSF com apenas 20 aninhos, não sabia quase nada de coisa nenhuma e aprendi tanto com todos vocês. Aprendi a ser exigente na profissão, rigoroso e a colocar tudo em causa, doa a quem doer.

Só imagino um dia mais triste sempre que me falam da TSF. O dia eu que soube que o nosso Jorge Pena não voltava a almoçar comigo, traído de vez pela doença, num restaurante de Alcochete - onde bebemos vinho branco às escondidas da Xana - com vista para a Matinha (TSF) de onde um dia saí, de livre vontade, com os olhos marejados de lágrimas. Um grande abraço no teu coração e um abraço forte para todos os que foram ou vão ser despedidos. Dizem que Deus abre sempre uma janela quando fecha uma porta. Fico à espera de vos ver acenar outra vez.

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