As pessoas conduzem mal em geral, de forma irresponsável e desrespeitosa para com os outros condutores, com uma condução agressiva e a roçar muitas vezes o limite do comportamento suicida. Infelizmente a questão de género não tem qualquer relevância. Há péssimos condutores de todos os géneros e feitios e até o mais educado cidadão se transforma numa besta ao volante. E nem é preciso grande coisa, basta que alguém tente entrar numa fila já formada que aparecem logo as buzinadelas furiosas e os apertos no já exíguo espaço disponível. Mas as mulheres nem conduzem pior nem diferem dos homens, começaram foi mais tarde.
Era eu miúdo e lembro-me bem de ver a organização familiar que fluía natural e sem sobressaltos, por exemplo ao fim de semana. Ao sábado de manhã, enquanto as mulheres ficavam na lida da casa, os homens saíam alegremente e bem cedo para lavarem o carro na rua, à "mangueirada" ou à "baldada", à porta de casa e em conjunto. A coisa acabava no café com uma leitura rápida do jornal e com uma discussão sem fim sobre as últimas incidências do futebol. Carros, café e futebol era com eles. Casa e filhos era com elas.
Num país habituado a levar em conta o que dizem os outros, a maior parte dos homens, sempre ciosos do seu "poder masculino" - mas quem é que manda aqui em casa? - raramente cedia às mulheres a condução dos veículos. Foi preciso esperar muitos anos até que fosse natural ver mulheres a conduzirem sozinhas ou a conduzirem os maridos. Parece mentira mas foi mesmo assim.
Também era raro ver um homem em tarefas domésticas. Aspirar? Limpar o pó? Lavar a loiça? Isso eram as tarefas das esposas porque os maridos tinham mais que fazer. Carros, futebol e café, claro. Ainda me lembro de ver o ar admirado de alguns amigos da família por verem o meu pai de avental a cozinhar ou a lavar a loiça - na verdade só fazia a primeira com prazer -, ou de alguns vizinhos ao vê-lo passar na rua com o caixote do lixo na mão. Acreditem, houve uma altura em que nada disto era visto com naturalidade, e uma ida ao lixo era aproveitada pelas mulheres mais absorvidas na lida da casa para arejarem um bocado e soltarem as línguas. Eram as redes sociais da altura. Vínhamos de décadas de opressão feminina, de direitos negados e desejos reprimidos, onde se glorificava a dona de casa prendada, mãe extremosa e esposa fiel e dedicada, que estava em casa na maior parte do tempo.
Voltemos aos mitos. Há outro que é alimentado há anos. De que os lugares mais altos de chefia são maioritariamente ocupados por homens porque eles são mais capazes. Falso. Mas uma vez mais temos de voltar ao passado recente para encontrar justificações. Boa parte da geração mais velha que ainda hoje tem altos cargos de chefia em Portugal é do tempo em que a primazia nos estudos era dada aos filhos varões. As mulheres estudavam e tinham ambições, mas a maioria era olhada como um bom partido para casar, uma mãe perfeita para os filhos ou para ocupar cargos subalternos, habitualmente de secretariado. As que insistiam em contrariar esta tendência tinham de sobreviver num mundo dominado por homens, com todos os limites, e porque não dizer, perigos que isso encerra. Muitas conseguiram, mas poucas se tomarmos em conta o universo nacional, insuficientes para garantirem uma real paridade.