Passos trocados

A entrevista de Nuno Morais Sarmento à Rádio Renascença não podia ser mais esclarecedora. Ao seu estilo habitual, frontal e directo ao assunto, sem rodeios, o ex-ministro antecipou de forma clara o que aí vem em termos de luta pela liderança no PSD.

A primeira conclusão é que, apesar de ser encarado na tribo social-democrata como uma espécie de Dom Sebastião e ser claramente um dos mais bem preparados putativos candidatos à liderança do partido, Rui Rio vai ter de defrontar a "ala sulista, elitista e liberal do partido", em tempos denunciada por Luis Filipe Menezes num congresso do partido.

Quando, ao referir-se a Rui Rio, Morais Sarmento diz: "Em vez de olharem para o campeonato regional, olhem para a primeira liga", o que ele está de facto a dizer é que a preferência de uma ala alargada de social-democratas vai para um candidato com origens em Lisboa, que seja um candidato encarado como uma figura nacional e não apenas como um peso pesado regional.

Rui Rio foi presidente da Câmara do Porto mas não tem provas dadas a nível nacional e há um certo PSD que faz questão de lhe recordar isso mesmo. Aparentemente isto é uma desvantagem para Rui Rio mas, aliada à reconhecida capacidade política e competência técnica de Rio, esta estratégia de alguns social-democratas pode virar-se contra eles próprios. Porque os tempos são de anti-sistema e de contrariar evidências ou dados adquiridos. Os ventos sopram a favor do ex-autarca do Porto. Morais Sarmento também sabe disso e por isso aproveita para acabar de vez com algumas dúvidas que podiam beneficiar Rio quando desmente de forma irónica que tenha dado apoio a um eventual avanço do ex-Presidente da Câmara do Porto: "Não conheço essa figura do apoio em privado. Ou se apoia ou não se apoia. E, principalmente, não percebo o que é que se apoiava. Rio veio dizer que se o PSD não conseguir inverter esta situação estará disponível. Está a dizer que espera que o PSD seja capaz de mudar e sair da situação difícil em que se encontra". Ou seja, o que Morais Sarmento diz de forma clara é que esperou o suficiente por uma definição clara de Rio mas já não alinha em meias tintas nem está disposto a esperar mais por quem não chega. E acima de tudo entende que não vale a pena dar mais espaço ao líder actual.

Nuno Morais Sarmento revela também, de forma clara, o que já se adivinhava há vários meses: desfeito o sonho presidencial para os tempos mais próximos, Santana Lopes e Marques Mendes querem voltar à primeira linha da luta política o mais rapidamente possível. Ambos estão dispostos a abandonarem as posições recuadas que ocupam ao nível da vida partidária: Santana Lopes dedica-se quase em exclusivo à Santa Casa da Misericórdia e ao comentário político na TVI 24, e Marques Mendes aos domingos na SIC, tem um espaço em tudo semelhante ao de Marcelo na TVI. Nuno Morais Sarmento também voltou ao comentário na televisão, Telejornal da RTP 1 aos domingos, e vai usar esse espaço para se posicionar, mas acima de tudo para condicionar ao máximo a futura liderança do partido, um lugar que nunca reclamou directamente mas para onde não exclui avançar agora se for necessário, como fica claro nesta esclarecedora entrevista à Renascença.

Por último, se dúvidas ainda tivesse, Pedro Passos Coelho fica a saber que pode manter-se na liderança do PSD de forma teimosa mas que os pesos pesados do partido estão todos em posição para empurrá-lo para fora o mais depressa possível. A frase assassina que vai ser usada até à exaustão nos tempos mais próximos é curta e demolidora: "Mais três anos disto é uma realidade impossível".

Apesar de dar a entender que admite uma sorte diferente para Passos Coelho se o líder mudar de rumo, não há dúvidas de que Sarmento não espera que tal aconteça, uma ideia que fica clara quando estabelece um comparativo com António José Seguro: "Cortou as amarras todas. E disse que, com estes senhores, não há entendimento, não há ponte, não há solução possível e só eleições poderão resolver isto. Quem se coloca numa posição tão extrema, tem o problema de no dia seguinte a única coisa que tem a dizer é aquilo que disse". Ou seja, com Pedro Passos Coelho na liderança o PSD pode fazer apenas oposição pela oposição, sem espaço para consensos, entendimentos e diálogo com o governo de António Costa. Mais uma vez Rui Rio pode beneficiar desta estratégia, tendo em conta que há muito são públicas as excelentes relações que tem com o actual primeiro-ministro.

Os barões do PSD já posicionados esperam que seja Pedro Passos Coelho a dar o passo em frente para o abismo e que saia pelo próprio pé da liderança do partido. O ex-primeiro-ministro dá mostras de querer ficar. As autárquicas vão ser um teste para os social-democratas e pouco parece definido nesta matéria, o que é grave tendo em conta que o partido tem como principal objectivo a reconquista das principais autarquias nacionais. Falta saber se Passos Coelho vai resistir mesmo até às autárquicas, ou se a situação se torna insustentável ao ponto de haver mudança de líder antes de um duro teste eleitoral. Sendo certo que havendo novo líder antes das autárquicas estas eleições seriam também um teste à nova liderança social-democrata. É tudo isto que está em avaliação, em passo acelerado.

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