Pela boca morre o peixe

Nós, os portugueses, temos o péssimo hábito de não ligarmos nenhuma a um dos maiores tesouros nacionais. O riquíssimo acervo de ditados populares, locuções e expressões correntes que herdamos de tempos ancestrais e que nos podiam servir no dia a dia de forma a não cometermos erros básicos e fatais. Encerram em si próprios tal sabedoria que é absurdo não os analisarmos da forma correcta e não os seguirmos de forma mais intensa e permanente.

O mais sensato e avisado será o "Pela boca morre o peixe". O peixe somos nós em sentido figurado. E morremos pela boca quando falamos demasiado, prejudicando-nos a nós próprios. Ora falando demais dos nossos planos de futuro, permitindo que alguém se antecipe ou nos prejudique, ora falando demais das circunstâncias do passado ou do presente, perante ouvidos que se apressam a reproduzir o que dissemos, muitas vezes de forma deturpada e ampliada, o que leva muitas vezes a equívocos insanáveis que nos prejudicam. Ora, não podendo nós optar por um silêncio eremita e impossível de alimentar nestes tempos em que a gritaria da comunicação nos tornaria uns tipos estranhos e excluídos da vida em sociedade, o segredo seria então falar pouco e ouvir mais. Aliás, se repararmos bem, a natureza dotou-nos apenas com uma boca mas com dois ouvidos.

Dito isto, não se percebe que tendo morrido pela boca na época passada, Jorge Jesus venha esta temporada morder o mesmo anzol, ajudando a motivar adversários e criando uma onda de antipatia e de animosidade externas que só o podem prejudicar enquanto treinador e enquanto líder, prejudicando a própria equipa que dirige.

Quando diz que "quem faz a diferença é o treinador", Jorge Jesus tem razão. Mas não tem toda a razão. E a frase é tão curta que se presta a todos os equívocos e mais uma vez a acusações de egocentrismo que só ajudam a criar ruído.

Quem faz a diferença são os grupos, enquanto colectivos, que dependem obviamente da sua liderança. Mas sendo também verdade que um treinador faz a diferença, isso é verdade para as vitórias mas também é certo que é verdade para as derrotas. Logo, temos de presumir que Jorge Jesus não fez a diferença contra o Rio Ave. Porque não alterou desde logo um erro que saltava à vista de todos, nem mesmo quando Nuno Capucho mandou que a equipa de Vila do Conde o explorasse até ao 3-0, o facto de Bruno César não ter pernas para a irreverência de Gil Dias e ter perdido quase todos os duelos. Ou por não ter alterado mais cedo a dupla falhada no ataque, constituída por Alan Ruiz e André, que ainda estão longe de terem percebido os processos que Jorge Jesus pretende para a equipa leonina.

Não pressionam na primeira fase de construção, não ajudam a defender, não partem rápido para as transições e raramente entram plenamente na organização da equipa, quer defensiva quer ofensiva, são pouco intensos em campo e isso poderá ser fatal a médio prazo para quem quer fazer carreira ao lado de um treinador como Jesus.

No ano passado, o Benfica ganhou o campeonato depois de ter estado a sete pontos do Sporting. Quando Jorge Jesus insistiu em alimentar uma guerra de palavras com Rui Vitória muitos anteciparam o desastre leonino, que veio mesmo a contecer. Obviamente que houve talento de Rui Vitória na gestão da equipa, que apareceu um Renato Sanches talentoso e que desequilibrou e que a dupla Jonas/Mitroglou facturou de uma forma avassaladora, mas é indesmentível que a guerra de palavras ajudou a motivar os adversários, principalmente os encarnados, que se sentiram feridos na dignidade. Foi o inimigo externo que ajudou o Porto dos velhos tempos, quando Pinto da Costa era um líder incontestado, a ser o Porto das vitórias em Portugal, na Europa e no mundo. Todos sabemos que quando devidamente motivados, ou pelo contrário, devidamente amolgados na nossa dignidade, todos reagimos de uma forma intensa, às vezes avassaladora, encontrando forças sobrenaturais quando pensávamos que já não as tínhamos, e muitas vezes conseguimos manter esse "espírito guerreiro" durante muito tempo se todos os dias pensarmos nesse inimigo externo. Foi o inimigo externo o segredo do Futebol Clube do Porto dos tempos áureos, alimentado todos os dias de forma intensa pelo Presidente dos dragões.

Além de todas as contingências e imprevisibilidades do futebol, dos erros dos árbitros, do mérito próprio dos adversários - como foi o caso deste competente Rio Ave - e das incapacidades da própria equipa incluindo as opções erradas do treinador, Jorge Jesus tem de contar com o efeito que as palavras que diz provocam, motivando os adversários e desmotivando os jogadores que orienta. É mesmo importante e é um factor que não pode ser desvalorizado. Aliás, hoje em dia as instituições gastam fortunas a montar gabinetes de comunicação, e isso não é por acaso nem por capricho. Quando uma equipa ouve a expressão "quem faz a diferença é o treinador", de que forma reage? Que sentimentos produz nos jogadores? Que intranquilidade assola o treinador num dia de jogo importante quando sabe que está a ser atacado em várias frentes com acusações de ser egocêntrico? De que forma é que essa intranquilidade se traduz em teimosia nas opções que prejudica a equipa?

Que Jorge Jesus é um excelente treinador não há dúvidas - o currículo que tem, principalmente no Benfica não deixa dúvidas-, e que faz a diferença de várias formas também não. Uma delas é a forma desastrada como gere a sua comunicação para o exterior, provavelmente ignorando conselhos avisados de gente que percebe destas coisas. Uma atitude que muitas vezes prejudica o trabalho que faz durante a semana.

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