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A probabilidade do improvável

Confesso que é algo que me atrai: a possibilidade de uma improbabilidade acontecer. Gosto da surpresa e, mais ainda, de assistir à forma como algumas maiorias, no conforto das suas verdades feitas, são surpreendidas pela força do improvável que se concretiza.

No entanto, estes novos e improváveis tempos que vivemos estão a surpreender-me mais do que alguma vez achei provável e preocupam-me, muito. De atração está a passar a repulsa. Só espero que a probabilidade de estar enganada não seja improvável.

A vitória do Brexit no Reino Unido e a de Trump na América, a construção de uma nova barreira na Alemanha, para separar os refugiados, precisamente em Munique (onde os nazis ergueram o campo de concentração de Dachau), a 585 km de Berlim (onde há 27 anos caiu o “muro da vergonha”), são três exemplos de que tudo pode acontecer, mesmo o mais improvável, quando impera a descrença e desconfiança na classe política, naqueles que governaram e desgovernaram as “nossas” vidas. Perde-se a esperança, abandonam-se convicções e tudo parece melhor, inclusive a imprevisibilidade. 

“O poder mais temível de um sistema político livre é a capacidade saudável dos cidadãos poderem escolher, mesmo que isso vá contra os argumentos mais racionais”. A frase é de Fernando Savater, filósofo e ensaísta espanhol. No jornal El País, uma semana depois das eleições norte-americanas, Savater escreve que não se conforma com a vitória populista de Donald Trump, mas assegura que a entende: “Na era da internet, o populismo sai favorecido. É inútil repreender os eleitores pelas suas preferências (todos são “gente”, os que pensam como nós e os outros), o melhor é educá-los para argumentar e compreender, em vez de criticar. Há também que propor alternativas ideológicas fortes e não apelar, simplesmente, ao pragmatismo. Façamos o que quer que seja, vamos continuar rumo ao imprevisível, porque a incerteza não foi Trump que a trouxe, mas sim a liberdade” (El país, 14-11-16).

O magnata americano, eleito Presidente dos EUA, surpreendeu tudo e todos. Dos mais experientes politólogos aos jornalistas mais vividos, o choque foi “trumpástico”. Era absolutamente improvável, para alguns impossível, que um homem como Trump, sem qualquer experiência política, ridicularizado constantemente, caricaturado nos media mais influentes de todo o mundo, especialmente dos EUA, como CNN, NBC, ABC, MSNBC, New York Times, Washington Post, Huffington Post, USA Today, que assumiram claramente o apoio a Hillary Clinton, ganhasse a corrida à Casa Branca.

Afinal, onde está a influência dos media? Claramente, neste caso, ou produziu o efeito contrário ou, simplesmente, não é tão forte como o mundo imagina.
 
O sucessor de Barack Obama, um verdadeiro lobo na campanha, com promessas eleitorais e declarações polémicas, xenófobas, misóginas, vestiu pele de cordeiro no discurso de vitória, mas já a deixou cair. Engana-se quem espera que Donald Trump funcione como a esmagadora maioria dos políticos, ou seja, que acabe por não cumprir nada do que prometeu. Aqueles que não acreditavam no improvável, que perderam a guerra com o “inimigo declarado” em praça pública, agora ironizam, brincam com assuntos sérios, sem noção desta nova realidade. Os tempos mudaram e o improvável tem cada vez mais probabilidades de acontecer. Trump não é um político, Trump é Trump!

Assegura que vai mesmo erguer um muro na fronteira com o México, expulsar ou prender 3 milhões de imigrantes, sem documentos e/ou com cadastro, nomear, para o Supremo Tribunal de Justiça, juízes que sejam contra o aborto e a favor da posse de armas. Quanto à Europa, a provocação começou cedo. Antes de qualquer contacto com a União Europeia recebeu Nigel Farage na famosa Trump Tower, em Manhattan. O “Senhor Brexit”, dirigente do Partido pela Independência do Reino Unido, e a francesa Marine le Pen, Presidente do partido de extrema-direita Frente Nacional, terão sido os primeiros políticos europeus convidados para trabalhar com a nova administração que entra na Casa Branca a 20 de janeiro. Com Putin já terá tido várias conversas, em ligação direta com o Kremlin.

Trump conseguiu capitalizar o descontentamento da classe média, os receios em torno de uma imigração descontrolada, o demérito de uma classe política dominante que promete e não cumpre, enredada em casos de corrupção e num passado pesado que se arrasta.

Em Portugal, Jorge Sampaio alerta para o risco de caminharmos para o abismo, com uma nova América, com Donald Trump, e uma nova Europa, sem o Reino Unido. Com eleições à porta, Holanda em março, França em maio e Alemanha em setembro do próximo ano, a probabilidade do populismo ganhar terreno parece cada vez mais provável e o improvável, ou talvez não, pode surpreender-nos da pior maneira possível.

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