Umbigos há muitos

Pequenos, grandes, abertos como uma flor, apertados como se escondessem um segredo, reboludos como azeitonas. Há alguns absolutamente perfeitos, outros dignos de andar sempre encobertos. Umbigos há muitos, tantos que temos de olhar para o do vizinho, para aquele que está do outro lado da rua, para além do bairro, do lado de lá da fronteira, oculto para lá do oceano. Por mais que o seu/nosso umbigo seja bonito, o mais bonito do mundo, há que deixar de olhar para ele. Corremos o risco de embrutecer nessa relação umbilical que não nos deixa ver o que se passa à volta, que nos turva o pensamento e que alguns media fazem questão de manter, muitas vezes, à distância. É impressão minha ou estamos cada vez mais passivos, limitados e de vistas curtas?

Folheio os jornais da manhã espanhóis, nesta minha mania de sentir o papel entre os dedos, enquanto vou bebericando um café, que de café só tem mesmo o nome. Que saudade da bica portuguesa! Na impossibilidade de fazer o mesmo aos jornais portugueses, lanço um olhar fugaz à imprensa no telemóvel. Não é por não lhes tocar que me dececionam. As capas são desinteressantes, ineficazes. Há ausência de notícia em muitos deles. São pequeninas, tão pequeninas quanto o mundo de alguém que vive fechado no próprio quintal, sem sequer olhar para o horizonte. 


O problema, minha opinião, é que compete à comunicação social informar… e a deste dia vai pelo caminho inverso. A esmagadora maioria das manchetes, dos 4 jornais portugueses que mais vendem, revela escolhas editoriais pequenas, sensacionalistas, quase irrelevantes no mundo global em que vivemos. São historietas sem interesse público, sem novidade, sem valor notícia; "telenovelas" políticas que se arrastam na espuma dos dias, e que raras vezes adiantam factos, e uma absoluta ignorância, consciente, propositada, do que se passa no resto do mundo. Talvez pensem que “o internacional” não vende, que não interessa. Que umbigo pequenino e bonito temos! Estamos sempre a olhar para ele.

Vejamos. Imagino que estou sentada na mesa do noticiário da RTP 3, que tantas vezes apresentei, para fazer a revista de imprensa: “Chantagem sexual dispara na net”, “Vendidos nove mil telemóveis por dia”, “Marta e Ricardo Separados” (quem?), futebol e mais futebol… (e não estou a folhear desportivos). Passamos para outro: “Jovens submetidos a sessão de pancadaria com bastões”, “Descontos em lojas para atrair grávidas à maternidade”, “Menino acorda para dar chupeta à irmã e salva família da morte”. Conduzo o olhar ao título para confirmar que não é um jornal regional.

Faz-se luz nos dois seguintes, mas ténue, fraquinha. Há uma chamada de atenção para o regime de Teodoro Obiang, para a Guiné Equatorial que entrou para a CPLP há dois anos, em Timor Leste (acompanhei a cimeira, onde Cavaco Silva não aplaudiu a adesão): “Portugal dá tempo para acabar com a pena de morte” no país. Noutro periódico encontro apenas um título, um único título com a notícia que preenche as manchetes de quase todos os jornais espanhóis: “Pós-Mossul passa por retirada para o deserto”.

Eis o mundo que nos rodeia. São estas as chamadas de atenção, os títulos do que mais importante vem lá dentro. Do que realmente nos deve preocupar, agitar, fazer refletir ou ter impacto na vida dos nossos filhos.

Em Madrid, as “portadas” dos jornais trazem, TODAS, com direito a fotografia, o "duro combate” que se trava em Mossul. Num país onde o Presidente do Governo tomou posse há três dias, depois de mais de 10 meses de crise política; que ainda não conhece a composição do executivo; que tem o principal partido da oposição a descompor-se, antes de se reconstruir; que senta duas dezenas de antigos dirigentes partidários no banco dos réus, acusados de corrupção… o destaque dos jornais vai para a guerra que se vive no Iraque, para as repercussões, efeitos, para as centenas, milhares de inocentes que estarão a ser usados como escudos humanos, enquanto 200 mil se amontoam junto à fronteira, numa derradeira fuga para e pela sobrevivência, possivelmente em Espanha ou Portugal.

Em Lisboa, para além da “telenovela” do Orçamento ou dos salários da CGD, segue-se o folhetim do “alegado assassino em fuga” ou a separação de uma Marta e Ricardo que não sei quem são, mas serão, certamente, muito importantes.

Há exceções. Graças a Deus que as há. O jornalismo não está condenado e nunca estará enquanto existir a liberdade de o questionar, de o discutir, principalmente se formos jornalistas. Não somos casos únicos a olhar para o umbigo. Não, não somos. Por tudo isto, não me espanta que num dos chamados países mais desenvolvidos do mundo, um candidato a Presidente, sem qualquer perfil para desempenhar o cargo, esteja “perfilado” para ganhar as eleições. Não será um claro vencedor da informação mastigada, do infotainment, dos reality shows que muitos andam a consumir, hipnotizados pelo próprio umbigo?

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